sexta-feira, 31 de maio de 2019

Kate Moss / 45 anos quebrando todas as regras



Kate Moss: 45 anos quebrando todas as regras

Com sua agência de modelos e sua filha Lila a ponto de assumir o bastão, a ‘top model’ comemora o aniversário sem descer do pódio

MARÍA CONTRERAS
Londres 16 JAN 2019 - 15:01 COT

Em 2007, quando o Victoria & Albert Museum, em Londres, dedicou uma exposição à era dourada da alta costura, Kate Moss chegou à inauguração com um vestido Christian Dior vintage de cetim cor champanhe. Até aí, nada demais. No entanto, logo após entrar no museu, a cantora Courtney Love pisou por acidente na cauda do vestido, provocando um pequeno rasgão que nas horas seguintes se transformou numa cratera.


Qualquer um teria ido embora para casa. Ou, pelo menos, tentado mudar de roupa. Mas Kate Moss preferiu cortar a parte de baixo da peça, deu um nó na altura da cintura com o que restava do pano e, com o vestido transformado em minissaia, fez jus à sua fama de party animal até altas horas da madrugada. Essa história poderia ser lida como uma metáfora da maneira como a supermodelo, que nesta quarta-feira completa 45 anos, sempre se conduziu na vida: nem em seus piores momentos (quando apareceu cheirando cocaína na capa do jornal Daily Mirror, em 2005) ela se mostrou disposta a abandonar a festa.





Kate Moss e seu vestido de Dior em uma festa da Vitória & Albert Museum celebrada em Londres em 2007.ampliar foto
Kate Moss e seu vestido de Dior em uma festa da Vitória & Albert Museum celebrada em Londres em 2007. CORDON PRESS


Após conseguir tudo como modelo, a mulher que foi símbolo da estética heroin chic dos anos noventa não desacelera. Já não desfila (a última vez que apareceu sobre uma passarela foi ao lado do amigo Kim Jones em sua despedida da Louis Vuitton, há um ano), mas continua estrelando campanhas de alto perfil, como a da recente colaboração entre a estilista Vivienne Westwood e a Burberry, assim como a coleção primavera/verão 2019 de Stella McCartney, que compartilha com Kaia Gerber, filha de Cindy Crawford. Ela é a imagem e a diretora de criação da empresa de cosméticos japonesa Decorté. E às suas mais de 300 capas, este mês acrescenta a nova edição da revista Love. Além disso, como foi publicado em outubro, Moss desbancou Cara Delevingne como a modelo britânica mais bem paga.
Em setembro de 2016, Moss lançou sua própria agência de talentos, que representa figuras tão versáteis quanto a cantora Rita Ora e a atriz Gwendoline Christie (Game of Thrones), assim como sua própria filha, Lila. Para uma jovem aspirante a modelo, será difícil encontrar na indústria alguém de quem possa receber melhores conselhos. Moss, que foi descoberta no aeroporto JFK de Nova York aos 14 anos e saltou à fama aos 16 num editorial de moda da fotógrafa britânica Corinne Day para The Face, pretende velar pelo bem-estar de seus representados e evitar que passem pelas experiências ruins que ela teve. Em 2012, em entrevista à Vanity Fair, Moss recordava assim suas fotos em toplessfeitas por Corinne Day: “Agora vejo uma menina de 16 anos, e pedir a ela que tire a roupa seria muito estranho. Mas me disseram: ‘Se você não fizer, não vamos mais te contratar’. Então me tranquei no banheiro para chorar, depois saí e fiz.”





Johnny Depp e Kate Moss, em 1995.
Johnny Depp e Kate Moss, em 1995. REUTERS


Seu currículo sentimental, amplamente documentado, também é extenso (numa entrevista à revista i-Dem 1998, a jovem Kate confessou que estar solteira era “trágico” para ela). Seu companheiro atual parece ser o fotógrafo Nikolai Von Bismarck, 14 anos mais jovem. E entre seus ex-namorados, incluem-se o também fotógrafo Mario Sorrenti, que a retratou na icônica campanha do perfume Obsession da Calvin Klein; o editor Jefferson Hack, pai de sua filha Lila; o músico Jamie Hince, com quem se casou em 2011 diante de 300 convidados (a união durou apenas cinco anos); e, claro, Johnny Depp. Juntos, além de tomar banho com champanhe, segundo reza a lenda, Moss e Depp formaram um dos casais mais inesquecíveis dos anos noventa.
Mas foi sua relação com Pete Doherty que despertou a obsessão dos tabloides, que dedicaram páginas e mais páginas aos seus escândalos, excessos e bebedeiras. Nessa época, que chegaria ao ápice com a mencionada capa do Mirror em que a chamaram de Cocaine Kate, a modelo chegou ao fundo do poço e perdeu alguns contratos. Mas quem decretou o fim de sua carreira errou feio. De fato, quando a top model reapareceu após fazer reabilitação, seu cachê tinha aumentado. A menina que o The Guardian definira como “o turbilhão ao redor do qual giram todas as festas de Londres” ainda não queria sair de cena.


Durante muitos anos, uma Moss sempre na defensiva se impôs a lei do silêncio, mas ultimamente fala mais com a imprensa. Por causa da sua relação profissional com a firma Decorté, muitas entrevistas focam em sua rotina de beleza, mas às vezes ela deixa entrever, a conta-gotas, algo mais de si mesma. Por exemplo, que continua ficando nervosa quando chega a um set (segundo a Love). Que odeia fazer exercício (Vogue). E que se arrepende de seu velho mantra “nothing tastes as good as skinny feels” – algo assim como “nada é tão saboroso quanto se sentir magra” (NBC). E que jamais publicará algo pessoal nas redes sociais. “Nunca gostei dessa coisa de ‘olhem pra mim!’, disse ao The Guardian. E ainda assim, aos 45 anos, a “menina mais perfeitamente imperfeita” (Marc Jobs dixit) não perdeu esse algo que faz com que o mundo não se canse de olhar para ela.


quinta-feira, 30 de maio de 2019

Os neandertais não acreditavam em deus


Representação de um grupo de hominídeos na Sima de los Huesos, no sítio arqueológico espanhol de Atapuerca. 

Os neandertais não acreditavam em deus

Paleontólogo sustenta que a espécie que cruzou com os cro-magnons era incapaz de imaginar histórias


VICENTE G. OLAYA
Madri 29 MAI 2019 - 16:53 COT

Se os neandertais não tivessem se extinguido, eles seriam mais parecidos com o Spock de Jornada nas Estrelas do que com o capitão Kirk da nave Enterprise. Juan Luis Arsuaga, professor de Paleontologia da Universidade Complutense de Madri, cujo currículo resumido levou mais de um minuto para ser lido na terça-feira pelo apresentador da conferência "Neandertais e Cro-Magnons − Duas Espécies ou Duas Raças?", não tem dúvida: “Eles não tinham o pensamento mágico, que é essencial no pensamento humano”.

Há 40.000 anos, um grupo de cro-magnons e outro de neandertais se encontraram onde hoje é a França. Possivelmente não se atacaram, tentaram se entender e colaborar. Os cro-magnons, usando pequenos adornos e com as cabeças cobertas por gorros, procuraram se comunicar com a outra espécie humana que compartilhava com eles a Eurásia (da Península Ibérica “até todos os países com nomes terminados em ‘tão’”, brincou Arsuaga). Os neandertais, porém, não entendiam o significado daqueles enfeites pendurados nos corpos dos recém-chegados. Em seu cérebro não havia lugar para “a liturgia, a cerimônia, o protocolo, para entender que as coisas podem significar algo”. No entanto, ambos eram humanos.
Arsuaga insistiu que o mundo que nos rodeia “fala para os seres humanos”. “Fabricamos coisas com significado, porque isso nos diferencia das máquinas. Elas calculam, mas não podem imaginar”, destacou. “Somos a única espécie que tem pensamento mágico. Somos criadores de objetos que falam.”
Os seres humanos possuem entre 2% e 3% do DNA dos neandertais, já que tiveram relações sexuais (e portanto descendência) com os cro-magnons. Mas nem todos os homo sapiens atuais têm os mesmos genes neandertais. Apesar disso, com um grupo amplo de seres humanos atuais seria possível reconstruir a cadeia genética de nossos antepassados.
Há 800.000 ou 900.00 anos, os neandertais ainda não tinham surgido como espécie claramente definida. Em Atapuerca, na província espanhola de Burgos, foram encontrados os restos do que pode ser considerado um grupo de 30 pré-neandertais. Seus rostos já mostravam traços do que se tornariam mais tarde, mas seu cérebro era muito menor. No mesmo momento, na África, estava ocorrendo algo parecido com os pré-cro-magnons. Só 40.000 anos atrás é que estes últimos entraram na Eurásia e se depararam com a outra espécie. Mas a pergunta surge imediatamente. Os neandertais podem ser considerados humanos?
Nos anos 1940, o paleontologista Ernst Mayr, da Universidade de Harvard, traçou a primeira teoria sobre o que era uma espécie. Sua conclusão foi: “Um grupo isolado que não mantém relações com outros” — do urso polar ao lobo ibérico, passando pelos cro-magnons e pelos sapiens. No entanto, nós, humanos, nos diferenciamos dos demais animais por não evoluirmos como resultado do ambiente que nos rodeia, “a cultura é que impede nosso isolamento genético”. Ou seja, cro-magnons e neandertais nunca estiveram isolados. Algo assim como o fato de que não adaptamos nosso estômago para poder comer grama, como os ruminantes, em vez disso criamos a agricultura, e os casacos, a música, a literatura.
Arsuaga reconheceu que é difícil imaginar um ser humano (neandertal) incapaz de criar “mitos, crenças, contar histórias…”. “Eram uma espécie sem bandeiras, sem seres sobrenaturais. É complicado. Talvez ocorra o mesmo com os extraterrestres. Por que vão ter sentimentos como a vergonha, que é puramente humana?”.
Isso “é difícil de entender”, assinalou o ganhador do Prêmio Príncipe de Astúrias de Pesquisa Científica e Técnica de 1997, criador da Fundação Atapuerca, membro da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, da Real Academia de Doutores da Espanha, doutor honoris causa por várias universidades e membro do Museu do Homem de Paris. “Os neandertais não eram uma espécie de sapiens, eram mais tolos. Podem existir formas de vida distintas e todas fazerem parte da mesma espécie, como os diferentes tipos de morcegos ou golfinhos. Compreendendo isso, poderíamos entender a mente de um possível extraterrestre que, talvez, desconheça a vergonha dos outros”, afirmou.
Foi aí que um participante da conferência perguntou diretamente a Arsuaga: eles pertenciam ou não à espécie humana? “Deus é que teria de nos explicar isso”, concluiu o pesquisador, com 3% de genes neandertais. E os dois salões de conferências do Museu Arqueológico, completamente lotados, irromperam em um longo aplauso.

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Grimm / Gentalha


Wilhelm Grimm JacobGrimm

Gentalha

Um conto de fadas dos Irmãos Grimm


Franguinho disse à Franguinha:
- Agora é a época em que estão amadurecendo as nozes; vamos os dois à montanha e, pelo menos uma vez na vida, fartemo-nos, antes que o esquilo as carregue todas.
- Sim, - respondeu Franguinha, - vamos; vamos regalar-nos fartamente.
E lá se foram os dois para a montanha. Como era um dia magnífico, deixaram-se ficar até tarde. Ora, eu não sei se realmente estavam empanturrados, ou se apenas fingiam estar; só sei que não queriam voltar a pé para casa e Franguinho teve que construir um carrinho com cascas de nozes. Quando ficou pronto, Franguinha acomodou-se nele e disse:
- Agora, Franguinho, podes puxar.
- Que ideia a tua! - respondeu Franguinho, - prefiro antes ir a pé para casa; não, não foi esse o nosso trato. Sentar-me na boleia e servir de cocheiro, posso fazer, mas atrelar-me e puxar, isso é que não!
Enquanto assim discutiam, chegou uma pata cacarejando:
- Corja de ladrões, quem vos deu licença para invadir a montanha das minhas nozes? Agora me pagareis.
Precipitou-se de bico aberto sobre Franguinho, mas este, que não era nenhum covarde, atirou-se valentemente contra a pata, trepou-lhe nas costas, bicou-a e esporeou-a tão violentamente, que ela não teve remédio senão pedir mercê. Como punição, consentiu que a atrelassem ao carrinho. Franguinho subiu à boleia como cocheiro e partiram em carreira desabalada.
- Corre pata; corre o mais ligeiro que puderes!
Após terem percorrido bom trecho de caminho, encontraram dois peões: um alfinete e uma agulha. Estes gritaram:
- Pára! Pára!
Então explicaram que já estava escurecendo e não podiam dar mais um passo sequer; o caminho estava tão lamacento! Não poderiam viajar no carrinho? Tinham estado na estalagem dos alfaiates, além dos muros da cidade, e lá se haviam retardado bebendo um copo de cerveja.
Como era gente magra, não ocupavam muito espaço. Franguinho deixou-os subir. Mas tiveram de prometer não pisar os pés dele o de sua querida Franguinha. Era tarde da noite quando chegaram á estalagem, e não querendo prosseguir a viagem de noite, mesmo porque a pata estava mal das pernas, cambaleando de um lado para outro, decidiram pernoitar aí.
O estalajadeiro, a princípio, tentou opor-se, inventando mil dificuldades e alegando que a casa estava lotada. Isso porque tinha a impressão de que não eram da alta sociedade. Mas, tão bem souberam argumentar, prometendo-lhe que ganharia o ovo que Franguinha havia posto pelo caminho e, também, que ficaria com a pata que botava um ovo por dia, que, finalmente, ele acabou por deixá-los pernoitar.
Mandaram, então, pôr a mesa e banquetearam-se alegremente. Pela manhã, logo de madrugada, quando ainda dormiam todos, Franguinho despertou Franguinha, apanhou o ovo, fez-lhe um buraquinho com o bico e juntos chuparam-no, atirando a casca na lareira.
Depois, foram onde estava a agulha dormindo a sono solto, pegaram-na pela cabeça e espetaram-na no encosto da poltrona do estalajadeiro, e o alfinete espetaram na toalha de rosto.
Feito isso, sem dizer a nem b, abriram as asas e foram-se voando pela planície afora. A pata, já habituada a dormir ao relento, tinha ficado no terreiro; ouvindo-os esvoaçar, acordou e foi saindo. Encontrou um regato e por ele foi nadando, descendo a corrente; era mais rápido do que puxar o carrinho.
Algumas horas mais tarde o estalajadeiro, levantando-se antes dos outros, lavou-se e foi enxugar-se na toalha; então o alfinete arranhou-lhe o rosto, deixando-lhe um sulco vermelho que ia de uma orelha a outra. Foi à cozinha, onde queria acender o cachimbo, mas, ao inclinar-se na lareira, as cascas do ovo saltaram-lhe nos olhos.
- Esta manhã tudo está contra a minha cabeça, - resmungou, e deixou-se cair muito irritado na sua poltrona; mas deu um pulo, gritando:
- Ai, Ai.









terça-feira, 28 de maio de 2019

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Joan Castejón / Miguel Hernández

Minotaure a Miguel Hernández

 Joan Castejón
MIGUEL HERNÁNDEZ

Eros a Miguel Hernández


Retrat a ple migdia a Miguel Hernández

Mà amb flors a Miguel Hernández

Tanatos a Miguel Hernández


Icar a Miguel Hernández

Caçador Furtiu a Miguel Hernández


JOAN CASTEJON

domingo, 26 de maio de 2019

Joan Castejón / Eros





Barroc

 Joan Castejón
EROS


Evolucio?

Gitana
Cien años de soledad

Quatre mutants. Políptic 



Minotaure a Miguel Hernández 

Místic espanyol 

40 Anys d’història

Temps d’abraçar


Gitana
Cien años de soledad

Eros 71

Icar a Miguel Hernández 


sábado, 25 de maio de 2019

Vargas Llosa / Eleições na Espanha

Eleições na Espanha

Para que o país não corra o risco de se desintegrar é indispensável uma vigilância constante do eleitorado que concedeu ao PSOE de Pedro Sánchez sua formidável vitória

Mario Vargas Llosa
4 mai 2019

Como o Partido Popular temia que a hemorragia de votantes para o partido nacionalista de ultradireita Vox lhe tirasse muitos votos, direitizou-se o máximo que pôde. O resultado foi que, nas eleições de 28 de abril, perdeu à sua esquerda quase toda a centro-direita que o apoiava. E teve o pior resultado de toda a sua história, perdendo mais de 3,6 milhões de votos.


Ninguém sabe para quem trabalha. O Vox, transformado pela esquerda no Lobo Mau desta campanha eleitoral, com seus ataques à “direitinha covarde”, contribuiu de maneira significativa para a debacle do Partido Popular. Entrou no Parlamento com 24 deputados, mas ficará lá, provavelmente, só para que os socialistas, independentistas e comunistas utilizem seus desplantes e imprecações de vozeirão nacionalista como os alarmes de um “fascismo” em perspectiva. Essa política justificará, sem dúvida, algumas medidas acertadas, mas também outras ruins e muitas péssimas. A verdade é que a sociedade espanhola já é suficientemente democrática para acolher em seu seio um movimento verdadeiramente fascista. Formado por famílias conservadoras atordoadas com a modernização da sociedade espanhola e por grupos nostálgicos do franquismo, é provável que o Vox tenha alcançado seu limite máximo de aceitação nestas eleições: 10% dos votos. Mas os estragos que causou foram, estes sim, numerosos. Entre eles, ter prestado um serviço involuntário, mas de grande importância, ao movimento de independência catalão, como veremos mais adiante.
O partido de Albert Rivera, Cidadãos, no qual votei, é o outro grande vencedor destas eleições. Desesperados diante da vitória contundente do PSOE e de sua possível aliança com o Podemos, muitos empresários, líderes sociais e famílias de classe alta e média pensam que uma aliança entre os socialistas e o Cidadãos livraria a Espanha de uma Frente Popular em que ambos teriam de incluir também partidos independentistas bascos ou catalães. O que querem é uma ilusão impossível.

Com seus ataques à “direitinha covarde”, o Vox contribuiu de maneira importante à debacle do PP

O que o Cidadãos e Rivera ganhariam com tal aliança? Nada, apenas um desprestígio considerável logo depois que seu líder enfatizou, durante toda a campanha eleitoral, que descartava categoricamente um pacto de Governo com o PSOE. É verdade que os políticos mudam de opinião com frequência, mas não quando existe um plano de ação perfeitamente traçado e que os resultados eleitorais mostram estar muito bem encaminhado. Albert Rivera quer liderar a oposição ao Governo socialista e, depois, ser ele próprio o Governo. Foi por isso que atacou tão duramente o Partido Popular nesta campanha, buscando uma ultrapassagem que esteve a ponto de conseguir. Essa política lhe trouxe um considerável poder eleitoral − e conhecendo-o, tendo acompanhado toda sua carreira política, não acredito que em troca de alguns ministérios Albert Rivera vá fazer um haraquiri.
Em vez de sonhar com o impossível, é melhor aceitar a dura realidade. O que significa que é quase garantido que o Governo que conduzirá a Espanha pelos próximos quatro anos terá como base um acordo entre os socialistas e o Podemos, que, como juntos não alcançam a maioria parlamentar necessária para governar, incluirão provavelmente um terceiro aliado, ou seja, independentistas bascos ou catalães.
O triunfo do PSOE, impecável do ponto de vista democrático, tem uma nuance muito importante. O socialismo atual não é a social-democracia de Felipe González. Está muito mais próximo do socialismo radical de Rodríguez Zapatero, o que permite prever aumentos significativos de impostos devido a reformas sociais ousadas, mas não financiáveis, e talvez uma crise econômica e financeira em médio prazo. Embora, na forma, Pablo Iglesias tenha se moderado muito nesta campanha eleitoral, a ponto de dar aulas de boa educação e temperança a seus adversários, ele não renunciou à revolução social, e sua aliança com o PSOE incluirá, quase certamente, aumentos de salários e exigências de que os empresários e as grandes fortunas os custeiem, o que, cedo ou tarde, retrairá ou paralisará os investimentos. Por sorte, a Espanha está dentro da Europa, e a União Europeia pode atenuar, mas não eliminar (lembremo-nos da Grécia), os esbanjamentos socialistas.
Com certeza a política externa da Espanha mudará com o novo regime, no pior dos sentidos. Por exemplo, no apoio que tem dado à democratização da ditadura venezuelana ou nas pressões internacionais para que o regime do comandante Ortega e de sua mulher na Nicarágua acabe com as perseguições e matanças, solte as centenas de presos políticos e aceite eleições livres, com observadores internacionais que vigiem a limpeza da votação. Há um precedente mais do que alarmante sobre esse assunto: a conduta de Rodríguez Zapatero nas conversações de paz na República Dominicana e seus conselhos à oposição para que aceitasse participar de eleições que estavam forjadas de antemão para favorecer Nicolás Maduro.
Mas é principalmente na questão do independentismo catalão que pode ocorrer uma mudança drástica. Antes das eleições houve algumas conversações entre o presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez, e o presidente da Generalitat catalã, Joaquim Torra, nos quais, aparentemente, ocorreram concessões ao independentismo − como aceitar um “relator internacional” nas negociações −, e nelas eles teriam chegado a falar inclusive do referendo, a exigência básica dos independentistas. O “direito de votar” existe na Constituição espanhola, sem dúvida, mas é o de todos os espanhóis se se trata da secessão de um território da pátria comum, e não o direito excludente dos habitantes do território suscetível de se emancipar. No entanto, Miquel Iceta, líder do Partido Socialista Catalão, o PSC, associado ao PSOE, já declarou de antemão ser favorável a esse “referendo pactuado” (o adjetivo está aí só para tranquilizar os pobres de espírito), e Pablo Igrejas tem se cansado de repetir que o “problema catalão” só será resolvido através do diálogo nessa “nação de nações” que é a Espanha. É óbvio que se o Governo espanhol reconhecer o direito de os catalães decidirem, com que argumentos isso seria negado depois aos bascos, galegos, valencianos etc.?
Nada disto ocorrerá obrigatoriamente, mas poderia ocorrer e, se assim fosse, temo que, em longo prazo, sobreviria a desintegração da Espanha. Para que não aconteça, é indispensável uma vigilância constante desse mesmo eleitorado que concedeu ao PSOE sua formidável vitória. A dissolução da velha Espanha não traria benefícios – e sim prejuízos enormes − a todos os espanhóis, sem exceção, começando por aqueles determinados a obter uma independência que, dados os tempos atuais e as obrigações que a Espanha tem com a União Europeia, seria uma mera aparência repleta de problemas monumentais. Ou seja, mais pobreza, carestia, dívidas e desemprego para quem sonha com a soberania como uma panaceia milagrosa.