domingo, 7 de fevereiro de 2016

Tim Burton / A ovelha negra da Disney

Tim Burton
Tim Burton, a ovelha negra (e desgarrada) da Disney

O cineasta será celebrado no MIS-SP com uma exposição a partir de fevereiro

Apesar da fama de ‘outsider’, ele também se preocupa com o bem e o mal

São Paulo 20 JAN 2016 - 14:24 COT


Como se sabe, a maioria das ovelhas nasce branca. Quando uma alteração genética acontece, e uma ovelha vem ao mundo negra, ela é logo considerada diferente das demais, taxada inclusive de rebelde. Com uma exposição-ode ao seu trabalho prestes a estrear no Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo, o cineasta Tim Burton (57) pode, facilmente, servir a essa metáfora. É dark, na aparência e na obra, e – desde que fez parte do rebanho da Disney, o maior palco cinematográfico do moralismo ocidental, lá no início de sua carreira – é considerado um outsider.


Mas será que é isso mesmo? Olhando de perto, uma ovelha é sempre uma ovelha, e Burton – apesar de seu obscurantismo irônico – é, no fim das contas, daqueles que acredita na lógica do bem contra o mal, ainda que goste de embaralhar um pouco as coisas. Afirmação, essa, especialmente verdadeira se analisarmos os filmes dele entre Alice no País das Maravilhas(2005), e o recém-lançado Grandes olhos (2014), que rendeu um prêmio à atriz Amy Adams no último Globo de Ouro, menos arriscados do que suas primeiras produções.
Assim como seus seguidores fiéis no mundo todo, os fãs brasileiros do diretor nascido em Burbank, no sul da Califórnia (Estados Unidos), são profundos conhecedores de sua obra – e disso tratará a exposição do MIS, que ocupou primeiro o MoMA, em Nova York, e depois circulou por várias cidades, entre elas Melbourne, Paris e Seoul. Mas recuperar a trajetória de Timothy Walter Burton (seu nome de batismo) nos ajuda a dimensionar a marca de sua ilustração, seu design, sua literatura e, claro, seu cinema.








BURTON EM SÃO PAULO


O mundo de Tim Burton estreia no MIS-SP em fevereiro, no dia 4, e lá fica até 15 de maio deste ano. O cineasta virá a São Paulo para conversar com fãs e prestigiar a mostra em homenagem à sua carreira, que fez turnê mundial antes de chegar ao Brasil. No museu, o público – que já está adquirindo suas entradas em pré-vendas na internet e através do aplicativo do MIS para celular – verá itens raros como desenhos, pinturas, fotografias, storyboards, instalações esculturais e bonecos que fizeram parte da filmografia de Burton, além de trabalhos não realizados. Cerca de 150 novas obras foram acrescentadas ao conteúdo anterior, especialmente para o MIS – que será a primeira instituição da América Latina a receber a exposição. Antes, em 2014, o Sesc-Santana promoveu outra mostra sobre ele, O estranho cinema de Tim Burton.

Cortamos então para a fase em que era um menino no subúrbio de Burbank, logo um adolescente, e se divertia fazendo ilustrações, lendo as histórias fantásticas de Edgar Allan Poe e vendo filmes de terror de baixo orçamento dirigidos por Ed Wood e Vincent Price para combater o tédio e superar os traumas de pertencer a uma família disfuncional. Muitos associam esse momento de poucos amigos e o repertório que ele inspirou já em seus primeiros curtas-metragens – personagens desajustados, monstros, alienígenas, mortos-vivos – à base de seu estilo sombrio, porém dosado com humor e até doçura, facilmente reconhecível em um traço gráfico próprio de tudo o que ele faz. O próprio Burton falou várias vezes sobre o assunto.
O cineasta estudou animação por três anos no California Institute of the Arts, o famoso CalArts, e ingressou nos estúdios Walt Disney como estagiário logo em seguida. Um de seus curtas à época, Frankenweenie (1984), em que conta como um cachorro (inspirado em um cachorro que teve na infância) é atropelado e depois ressuscitado como um Frankstein, culminou em sua saída da empresa – que nunca soube trabalhar bem com histórias pouco doces, complicadas de vender. Sua carreira oficial no cinema começa em 1985 na Warner Bros com As grandes aventuras de Pee-weeOs fantasmas se divertem (1988) e Batman(1989). Mas foi com Edward mãos de tesoura (1990) e O estranho mundo de Jack(1993), ambos sucessos de crítica e de bilheteria, que ele estabeleceu a reputação de diferentão.

No total, dirigiu 18 longas-metragens, passeando pelos gêneros mais variados, inclusive a biografia – vide Ed Wood, filme de culto de Burton sobre a vida desse que foi considerado o pior diretor de todos os tempos, responsável pelos filmes de terror da sua infância. Em Peixe grande(2003), levou a crítica às nuvens com um enredo adaptado às telas a partir do romance de Daniel Wallace, em que Ed Bloom, um contador de histórias, dá a volta ao mundo e, com tanto prazer que sente em relatar suas experiências, já não distingue realidade de ficção. Outro mito de sua carreira, surgido em 1997, é uma versão de Superman com Nicolas Cage (Superman lives) que nunca veio à tona –fracasso que deu origem ao documentário The Death of ‘Superman Lives’: What Happened? (A morte de Superman lives: que aconteceu?), com imagens de Cage experimentando uma roupa azul como a do super-herói, feita à sua medida.


O fato é que o “show de aberrações de Tim Burton”, como muitos descreveram, parece colocar esquisitice e normalidade em extremos opostos, mas não é necessariamente assim. Suas criaturas, distantes de qualquer realismo em animações e também em filmes comuns onde o caráter ilustrativo fica por conta da maquiagem, são caricaturas de humanos, mas em todo caso são seres tratando de distinguir o bem do mal (e, em geral, ficar do lado do verdadeirobem). Um exemplo: em Edward mãos de tesoura, Johnny Depp e Winona Rider – dois de seus colaboradores fiéis, assim como a ex-esposa Helena Bonham Carter, com quem tem dois filhos – vivem um romance bem tradicional. A despeito de sua estranheza, Edward (Depp) termina com Kim (Rider) depois de disputá-la com seu ex-namorado Jim, muito normal na aparência e muito mal caráter também.

claro que os mocinhos de Tim Burton têm tesouras no lugar de mãos, e essa é um ponto de desencontro vital com a narrativa clássica da Disney. Se nas histórias dos estúdios, que só evoluem ao passo da (lenta) evolução do American way of life, o futuro é melhor e a concordância entre todos sobre a Terra reside no sucesso material, para o cineasta – que exala mais nostalgia em relação ao passado do que fé no que virá – o dinheiro é o que corrompe as sociedades. Assim foi com o Ed Wood, um gênio, talvez (sobretudo para Burton), mas cuja carreira fracassou, e assim se nota na sequência em que o Coringa (Jack Nicholson) espalha notas de dinheiro pelos ares antes de sair matando em seu episódio de Batman.

Talvez a parceria Burton-Depp, assim como outras parcerias do diretor, antes tão provocadoras, tenham sido superadas pelos próprios limites do mundo. Eles se expandiram bastante nos últimos anos, fazendo com que as tesouras não assustem e que cachorros ressuscitem diante dos olhos de criancinhas sem maiores problemas. Mas o fascínio de seu eterno desajuste, e como o transforma em arte, não deixarão tão cedo de tocar a maioria de nós, os desajustados.





EL PAÍS


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