sábado, 31 de julho de 2021

Caixinhas de música / A magia sem tempo de tesouros encantados

 


Caixinhas de música

A magia sem tempo de tesouros encantados

Maria Antónia Jardim
11 MARÇO 2014


O nascimento oficial das caixas de música dá-se em 1796, quando o relojoeiro suíço Antoine Favre teve a ideia de integrar este tipo de mecanismo musical dentro dos relógios. Este é o berço da caixinha de música: um relógio musical!

E de facto, se pararmos um pouco para pensar, percebemos que a música está associada ao Tempo da melhor maneira possível: faz dele nosso aliado! Ao ouvirmos música, neste caso uma caixinha de música, seja ela qual for, parece que o Tempo parou e nós humanos, regressamos á nossa infância, ao Tempo em que a nossa Humanidade está mais desperta, mais livre, mais entusiasmada com o mundo e com a vida, porque quer descobrir coisas, tesouros, mistérios! Quer apaixonar-se! De volta ao Cupido, o romance dá lugar ao enlace ao som de All You Need is Love!

Ontem, como Hoje, as caixinhas de música são um motor de arranque para viajarmos no tempo. A magia da música suave e macia, cristalina, aguada, vai deslizando sobre a nossa memória que persiste em ficar lá nos lados do Tempo em que os serões se passavam a contar histórias á lareira, convívio e tertúlia bem regada e sobretudo carinho, mimo e paixão! Hoje o trono do Tempo está situado em cima de tabuadas, contas de multiplicar e subtrair, mágoas e angústias existenciais que fazem do dia a dia um Hipermercado de interesses, vaidades e obrigações recheadas como um Perú, de tabus, preconceitos e medos!

Vamos mudar isto! Um pequeno objecto, mágico, poderá fazer a diferença! Em vez de roupa, dinheiro, jóias, ofereçam caixinhas de música, ofereçam pedaços de alegria musical, de memória feliz, de romance!

A vida é um abrir e fechar de olhos, um breve "Olá" e "Adeus", sempre á procura de tesouros encantados. Onde, onde, onde? No Porto, numa loja de caixinhas mágicas. Símbolos de encantamento, maravilha, espanto.

Meu amor, meu bem, caixinhas de música quem as não tem?

WSI



Project Room / A memória na obra de Manu Menezes

Project Room
Manu Menezes


Project Room

A memória na obra de Manu Menezes

31 JULHO 2021, 

 

Recuerdo (creo) sus manos afiladas de trenzado. Recuerdo cerca de esas manos un mate, con las armas de la Banda Oriental; recuerdo en la ventana de la casa una estera amarilla, con un vago paisaje lacustre. Recuerdo claramente su voz; la voz pausada, resentida y nasal del orillero antiguo, sin los silbidos italianos de ahora (…).

(Jorge Luis Borges)

Em Funes, el Memorioso, Borges conta-nos a história do magnífico e inimitável Ireneo Funes, um jovem que, ao sofrer uma queda que o deixou imobilizado, foi ao mesmo tempo presenteado com uma memória miraculosa. Funes era capaz de se lembrar de cada minuto do dia, “(…) el presente era casi intolerable de tan rico y tan nítido, y también las memorias más antiguas y más triviales.” Aos 19 anos, a sua vida transformou-se num processo de rememoração infinito, passou a habitar as memórias do visível e, num certo sentido, passou a viver de trás para frente. “Pensó que en la hora de la muerte no habría acabado aún de clasificar todos los recuerdos de la niñez”. A memória é um tema que sempre interessou ao escritor argentino – esta capacidade que temos de reviver momentos que já cá não estão, mas que, ao mesmo tempo, podem impedir de vermos o que temos no preciso instante diante de nós. É um paradoxo, que a arte, nas suas diversas modalidades e aceções, tem tentado resolver ao longo dos séculos. Regis Debray afirma que a criação das imagens é fruto do desejo humano de permanecer: sabendo que nossa memória não é infinita, como a de Funes, as imagens existem para nos ajudar a reviver o passado, a torná-lo presente e visitável.



Manu Menezes (em exposição na Associação 289) é uma jovem artista que faz da memória o fio condutor da sua obra. Esse fio não é apenas metafórico, mas é a matéria a que recorre para construir objetos, frutos de suas vivências, das memórias transmitidas por gerações de mulheres, que, antes dela, fizeram do bordado uma ocupação, muitas vezes uma obrigação – uma função feminina de entre as muitas que a mulher foi obrigada a ocupar ao longo dos anos. Enquanto Ulisses navegava em mares bravios e desbravava o desconhecido, Penélope esperava e tecia. A tessitura da vida está também nas mãos de três mulheres, as Moiras ou Parcas, que decidem quando esticar ou cortar o fio que nos sustenta neste mundo. Tecer, bordar e coser são ações associadas ao mundo feminino.






Mesmo na arte, muitas são as mulheres que usaram os fios como ferramenta e matéria para construir discursos plásticos. Também alguns homens, como o artista brasileiro Leonilson, recorreram ao bordado para dar vida ao gesto artístico. No seu caso, bordava palavras e construía novos sentidos, desviando os tecidos e as rendas do lugar mais doméstico e expondo com eles, e através deles, as suas mais íntimas (e por isso universais) feridas. É esta tessitura desvirtuada, feita em croché, que respira na falsa delicadeza das peças de Manu Menezes – objetos desviados da sua função doméstica e convocados como discurso artístico. Cadeiras, molduras, mesas de canto. Lugares de memória e também espaço de ausências. O croché é feito de pontos que se compõem de cheios e de vazios e este vazio é acentuado, pela artista, quando deixa a peça incompleta, com a linha à espera, de algo ou de alguém que componha o retrato, que preencha os vazios, que reconduza o fio ao princípio, onde tudo começou. Uma lata de biscoitos que a avó guardava no armário, que todas as avós guardavam nos armários que habitam as casas dos avós, é recoberta com um naperon, ou uma teia, que uma aranha laboriosa teceu à volta. Um sinal do tempo, uma marca da resistência dos objetos, mesmo os mais inúteis, como essa lata de biscoitos, que se fixam na nossa memória e fazem parte de nós.



Retrato de FamíliaO vazio que não vi chegarO espelho das gerações passadas são nomes das obras que, interligadas entre si, compõem um cenário íntimo e acolhedor, mas profundamente nostálgico. Seria a nostalgia, palavra tão pesada quanto bela, possível numa artista tão jovem? É tão possível que uma das obras se chama Talvez lembrar seja pesado demais. Para combater esse peso, Manu Menezes atua com leveza – as peças de croché, ora penduradas, ora encaixadas noutras peças, são ligeiras e aconchegantes. Funcionam como um catalisador de lembranças, contam-nos histórias – e, com as suas histórias insinuadas, a artista pretende que o espectador entre na obra, convocando memórias próprias. É inegável a presença do elemento dialógico que nos remete, invariavelmente, para uma amplificação do conceito criado por Nicolas Bourriaud da estética relacional: a arte só funciona quando habitada e vivenciada.



Entro no universo de Manu Menezes como entrava, nas tardes quentes de Verão, na sala da casa dos avós que só era aberta às visitas. Resguardada por cortinas espessas, portas fechadas e silêncio. Aquela sala que, em criança, ia espreitar enquanto todos dormiam a sesta. Tanto calor, a casa parecia vazia, pé ante pé, andava por ali, sem fazer barulho. E tudo parecia diferente, novo. Outra casa na mesma casa, desabitada àquela hora do dia. Não me comovo com facilidade, mas a obra de Manu Menezes toca-me no lugar mais sensível – o das ausências. Aquele lugar que a só arte é capaz, muitas vezes, de preencher.

WSI





quinta-feira, 29 de julho de 2021

Jack LaMotta / Gallery

 

Vikki y Jake LaMotta


Jake LaMotta

GALERÍA


Jack LaMotta


Robert De Niro y Jack LaMotta


Jack LaMotta y Robert De Niro


Robert De Niro y Jack La Motta

sexta-feira, 23 de julho de 2021

Dylan Penn, a filha rebelde de Sean Penn e Robin Wright, surpreende em Cannes


Sean Penn dirige a filha Dylan no drama 'Flag day'.
Sean Penn dirige a filha Dylan no drama 'Flag day

Dylan Penn, a filha rebelde de Sean Penn e Robin Wright, surpreende em Cannes

Nascida do casamento dos dois atores, ela deixa para trás uma história pessoal conturbada e aos 30 anos brilha na competição de cinema sob a direção do pai. Nasce uma estrela?


Carlos Megía
16 Jul 2021

Existe um trabalho mais complicado em Hollywood do que ser uma estrela de sucesso, milionária e adorada em todo o mundo e não morrer tentando: ser filho da estrela em questão. São numerosos os casos de superfilhos nascidos entre vivas e ostentação, privados de uma infância normal e que depois mergulharam numa espiral autodestrutiva que tingiu de escândalo e vulgaridade seu sobrenome ilustre. Como Chet Hanks, filho de Tom Hanks, acusado de maus-tratos e vinculado a movimentos de extrema direita; Cameron Douglas, filho de Michael Douglas, viciado em drogas e condenado a vários anos de prisão; ou Weston Cage, filho de Nicolas Cage, preso por causar um acidente de trânsito e depois fugir. A anos-luz da gravidade dos fatos recém-mencionados, os episódios vividos por Dylan Penn, filha de Sean Penn e Robin Wright, também não foram de fácil digestão. Mas esta primogênita duplamente ilustre, que por muito tempo parecia destinada a ser a próxima ovelha desgarrada da meca do cinema, de repente surpreendeu e se tornou a próxima grande estrela das colinas de Los Angeles. E com o tapete vermelho de Cannes como catapulta.

Porque o boulevard da Croissette, prolífico berço de estrelas como Jodie Foster ou Robert de Niro, pôs os olhos nesta californiana de 30 anos que, pelas mãos de seu pai, apresenta no festival o papel mais importante de sua recente carreira. Flag day, dirigido e coestrelado por Sean Penn, adapta as memórias da jornalista Jennifer Vogel, filha de um vigarista e assaltante de bancos que conta no livro a complexa reconciliação com seu pai ausente. Sua estreia em Cannes teve uma recepção ambígua entre a crítica que, no entanto, é unânime quando se trata de elogiar o debut da jovem num papel de calibre festivaleiro. “Sua interpretação é fantástica. Revela que pode ser uma grande atriz”, diz a Variety. “Dylan é natural, equilibrada e cativante. Parece uma veterana”, acrescenta The Washington Post. Pete Hammond, do Deadline, acredita que Dylan herdou as habilidades artísticas dos pais. “Ela cumpre as expectativas com um papel multidimensional que a posiciona de forma decisiva como uma estrela em formação”, acrescenta.

A californiana deslumbrou no tapete vermelho do festival francês.

A californiana deslumbrou no tapete vermelho do festival francês.VITTORIO ZUNINO CELOTTO / GETTY IMAGES FOR KERING

Com apenas um punhado de trabalhos no currículo, ela mesma tornou pública sua preocupação de que assumir o papel principal em Flag day fosse visto como um ato descarado de nepotismo. “Aterrorizada” porque as pessoas poderiam pensar que ela conseguiu o papel só porque seu pai era o diretor, a até agora modelo lhe pediu que adiasse o projeto para que antes ela fizesse mais alguns filmes e, assim, sentisse que o estava “conquistando”. No entanto, a imprensa especializada valoriza a química que a dupla exibe na tela e Dylan revela que enriqueceu essa dinâmica com sua própria experiência paternal: “Temos uma relação complexa. Nós dois somos alfa e às vezes colidimos”.

Fotograma de ‘Flag day’, que disputa a Palma de Ouro em Cannes.
Fotograma de ‘Flag day’, que disputa a Palma de Ouro em Cannes.


Imagem de empresas como Ralph Lauren, Gap, Rag & Bone e Stuart Weitzman e espectadora recorrente nas semanas da moda de Paris ou Nova York, há anos argumenta que seu trabalho como modelo era mais uma forma de ganhar a vida do que uma paixão profissional. Depois de trabalhar como editora de roteiro e desenhista de storyboard (criação de roteiros gráficos), seu futuro parecia destinado ser atrás das câmeras e não o de seguir os passos de seus célebres pais. Mas foram eles que a convenceram a dar uma chance à profissão, quando confessou que seu sonho era se sentar na cadeira de diretora. “Os dois me disseram, em separado: você não vai ser uma boa diretora se não souber o que é estar no lugar do ator”, disse ela na entrevista coletiva de apresentação do filme.

Seu rosto apareceu nas capas pela primeira vez em 2013, quando a mídia a apontou como culpada pelo traumático e midiático rompimento traumático entre Kristen Stewart e Robert Pattinson, um relacionamento que ela desmentiu. Pouco depois, Dylan Penn optou por estrelar uma reportagem fotográfica picante na revista Treats, para grande desgosto dos pais, que ela não avisou sobre o lançamento. “Meu pai me disse: ‘Ok, você atingiu seu limite. É melhor não ir mais longe”, embora reconhecesse na Vanity Fair: “Para ser sincera, se pudesse voltar, não teria tirado tanta roupa. Era um pouco ingênua”.

Dylan Penn foi qualificada pela mídia especializada em moda como uma ‘it girl’.
Dylan Penn foi qualificada pela mídia especializada em moda como uma ‘it girl’.

Mas seu desembarque neste verão na terra prometida de Hollywood é significativo não só por causa do peso de sua procedência, mas pela história pessoal controversa que mostrou até agora, o que a torna mais propensa a engrossar as páginas da crônica sensacionalista da TMZ do que as cinematográficas da Variety. De acordo com o site Radar, Dylan foi presa algumas vezes por dirigir sob o efeito do álcool e, em 2017, se internou em um centro de desintoxicação. Sua complicada maturidade foi retratada por algumas fotos que vieram à tona naquele ano e que mostravam Sean Penn tendo, em plena rua, uma acalorada discussão com o namorado dela na época, Jimmy Giannopoulos. Com uma Robin Wright como testemunha e incapaz de conter as lágrimas, o irado vencedor do Oscar repreende o genro por alguma coisa enquanto mostra uma foto na tela de seu celular. O segundo filho do casal, Hopper, que tem um papel coadjuvante em Flag day, também divulgou publicamente seu vício em metanfetaminas e foi preso em 2018 por porte de drogas.

A semelhança física entre mãe e filha salta à vista. Conseguirá Dylan Penn replicar também sua aclamada carreira?
A semelhança física entre mãe e filha salta à vista. Conseguirá Dylan Penn replicar também sua aclamada carreira?JOHN SHEARER / WIREIMAGE

Robin Wright e Sean Penn terminaram seu casamento de 14 anos em 2010. A atriz de House of Cards reconstruiu sua vida com o executivo francês da Yves Saint Laurent, Clement Giraudet, e Sean Penn se casou em meados do ano passado, e por meio de uma videochamada do Zoom, com sua namorada dos últimos cinco anos, Leila George. Embora fisicamente a semelhança com sua mãe seja mais do que evidente, Dylan afirma que sua personalidade é mais parecida com a do pai. “Nós dois temos muito ego. Somos muito cabeçudos e, não sei, às vezes temos tanta confiança que isso até pode ser um problema. Mas percebemos que precisamos relaxar. Ele demorou um pouco mais do que eu.”

Os jovens Robin Wright e Sean Penn brincam com a pequena Dylan.
Os jovens Robin Wright e Sean Penn brincam com a pequena Dylan. DONALDSON COLLECTION / GETTY IMAGES



Ser filha de duas das maiores estrelas de cinema de nosso tempo a levou a crescer entre estúdios, a pular de escola em escola, acompanhando as filmagens dos pais (ela se lembra com especial emoção dos meses em uma escola aborígine australiana enquanto Sean Penn estava filmando Além da linha vermelha) e de cumprimentar figuras como Fidel Castro. “Eu o conheci quando tinha 14 anos e ele me impressionou demais”, disse sobre o comandante cubano. No entanto, a jovem admite ter vivido uma vida com os pés fincados no chão graças à influência dos pais. Um exemplo: quando decidiu deixar um curso de fotografia na Universidade do Sul da Califórnia, depois de um semestre, eles pararam de lhe mandar dinheiro e ela começou a trabalhar como entregadora de pizza. “Quando me perguntaram umas três vezes se eu era a stripper, eu disse: ‘Tenho que parar com isso’, declarou ao NY Post. Depois de evitar ao longo de toda a adolescência a oportunidade de ficar na frente das câmeras, pela “timidez” e porque todos os papéis que lhe ofereciam eram de “de loiras bobas sem arco narrativo”, Flag day representa um antes e um depois para ela e, quem sabe, a tão esperada continuação de uma das mais ilustres linhagens da meca do cinema.

EL PAÍS



quinta-feira, 22 de julho de 2021

terça-feira, 20 de julho de 2021

Quentin Tarantino / “Só um ‘nerd’ se referiria a si mesmo como cinéfilo”

 

O diretor norte-americano Quentin Tarantino.
ART STREIBER


Quentin Tarantino: “Só um ‘nerd’ se referiria a si mesmo como cinéfilo”

Cineasta estreia como romancista com uma adaptação de seu nono filme, ‘Era uma vez... em Hollywood’. “Este é o primeiro livro de vários”


LUIS PABLO BEAUREGARD
Los Angeles - 11 JUL 2021 - 19:52 COT

No ano da pandemia, transportou para as páginas de um livro seu nono filme, Era uma vez... em Hollywood, o filme de 2019 interpretado por Leonardo DiCaprio (Rick Dalton), Brad Pitt (Cliff Booth) e Margot Robbie (Sharon Tate). Quentin Tarantino (Knoxville, Tennessee, 58 anos) leva para o papel uma ficção cinematográfica que impedia que a Família Charles Manson ―seita que levava o nome de seu líder― assassinasse a atriz Sharon Tate, esposa de Roman Polanski. O diretor conseguiu levar à prosa seu inconfundível estilo cinematográfico, mesclando-o com referências eruditas a obscuras séries de televisão e filmes que aparecem na história e em suas conversas. “Você deve reconhecer que tem mérito não ser da Espanha e conhecer os irmãos Marchent!”, diz a certa altura da entrevista ao EL PAÍS, referindo-se aos pioneiros do western espanhol que infiltrou em seu filme.

Tarantino está de bom humor. Veste camisa de manga curta azul e acaba de terminar seu almoço, que tirou de uma lancheira de metal do Bounty Law, o programa fictício em que o ator interpretado por DiCaprio fica famoso no longa. Sobre a mesa da suíte de um hotel de luxo em Beverly Hills está um elegante exemplar de seu primeiro livro (publicado em português pela editora Intrínseca, com tradução de André Czarnobai). A edição é apenas para a promoção. Os exemplares que inundaram as livrarias dos Estados Unidos são de bolso e custam 9,99 dólares. O design, do diretor, imita os livros baseados em filmes que cresceu lendo nos anos setenta. Como quase todo primeiro romance, tem ecos autobiográficos e recordações de uma cidade à qual chegou quando tinha quatro anos.

Pergunta. Seu primeiro romance começa com uma cena muito própria, com muitos diálogos. Foi uma declaração de intenções?

Resposta. Esta história sempre começou com Rick e Marv [seu agente Marvin Schwarz, que é interpretado por Al Pacino no filme]. Primeiro o pensei como um romance, depois como uma peça de teatro; quando o pensei como um filme foi sempre com essa primeira cena. Não há muito enredo, mas há algo. Mostra Rick, confrontado com o dilema em que se encontra, que é uma coisa do passado para esta nova geração de protagonistas em Hollywood. Marv explica isso a ele, o que lhe permite percorrer toda a sua filmografia, a carreira, e informar o público.

P. Pouco depois, mostra sua intenção de fazer de Cliff um personagem central. Muito mais sinistro e complexo do que o da tela.

R. Sempre busquei isso para Cliff. No filme, os assassinos da família Manson deparam-se com Cliff em vez de com Sharon [Tate]. A ideia não era que se deparassem com um herói masculino. A ideia é que se deparassem com alguém 15 vezes mais perigoso do que eles. Alguém que era um assassino total, no sentido que a Família Manson queria.


Tarantino, Pitt e DiCaprio no set de ‘Era Uma Vez... em Hollywood’.
Tarantino, Pitt e DiCaprio no set de ‘Era Uma Vez... em Hollywood’.


P. Ao mesmo tempo, é um homem que só vai ao cinema para ver filmes de arte. Muitos pensariam que o gosto cinematográfico de Cliff não é o seu.

R. Eu concordo com muito do que Cliff pensa, mas não sou eu. É Cliff falando. Concordamos em muita coisa, mas por razões diferentes. Cliff nunca se referiria a si mesmo como cinéfilo. Apenas um nerd se referiria a si mesmo como cinéfilo. Mais do que falar sobre Kurosawa, ele gostaria de falar sobre motores e carburadores. Ele não vai ao cinema para ter emoções, para isso anda de motocicleta.

P. Não lhe preocupa que as pessoas comparem o romance com o filme?

R. Eu assumo. Quando estava escrevendo, fiquei convencido de que pelo menos nos próximos dois anos, 97% dos leitores terão visto o filme. Estou em paz com isso. Usarei isso a meu favor.

P. Espera que se transforme em algo próprio?

R. Seria muito interessante artisticamente se fosse apenas uma peça de acompanhamento ou se conversasse com o filme. Não pensava nisso quando estava escrevendo. Só acreditava que poderia ser um bom livro. Chegará o momento em que as pessoas o lerão sem ter visto o filme, mas demorará um pouco.
Pitt e DiCaprio, como Cliff e Rick, em ‘Era Uma Vez... em Hollywood’ (2019).
Pitt e DiCaprio, como Cliff e Rick, em ‘Era Uma Vez... em Hollywood’ (2019).


P. Começou com ideias da história quando estava fazendo À prova de morte (2007). Quando soube que tinha um livro?

R. Tudo começou como um romance. O primeiro capítulo que tinha não está aqui. Era um livro cinematográfico sobre Rick Dalton, seus filmes, algo que alguém que acompanhou sua trajetória escreveria em profundidade. O capítulo seguinte foi o de Aldo Ray...

P. Uma parte muito triste. Um ator alcoólatra na vida real que está filmando em Almería.

R. É um personagem fascinante de Hollywood. Há algo comovente em uma decadência tão pública. Onde estava e quão baixo caiu. Hollywood está cheia de estrelas que vivem momentos difíceis 20 anos depois, mas Aldo Ray é o santo padroeiro de todos eles. Ele também é um grande personagem. É patético, mas também acho que o retratei com dignidade. Queria colocá-lo com Cliff, outro herói da Segunda Guerra Mundial, em condições semelhantes em um hotel sem ar condicionado na Espanha durante as filmagens.

P. Hollywood continua triturando vidas assim?

R. Posso estar errado, mas acho que não. O equivalente a Aldo Ray nos anos cinquenta, e ainda teve uma queda acentuada até 1978, talvez fossem alguns atores dos anos noventa. Talvez houvesse pessoas que eram estrelas na época e agora estão na televisão sem serem protagonistas. Mas não é a situação de Aldo. Não existem pessoas que chegaram ao topo e acabaram fazendo pornografia ou filmes que vão direto para o vídeo.

P. Como você fez a pesquisa para este livro?

R. Tudo sobre a família Manson está em quatro ou cinco livros que têm a história oral e eu a conto novamente com minhas próprias palavras. Mas a carreira deste ou de outro ator, os lugares de Hollywood, os programas e filmes... passei minha vida inteira enchendo a cabeça com esse tipo de coisa. Quando estava escrevendo o roteiro, fiquei surpreso com a quantidade de coisas que tinha retido desde que tinha nove anos. Carregava 70 quilos de peso extra no meu cérebro. Eu não precisava mais deles porque agora as pessoas digitam algo no computador e têm as respostas imediatamente. Eu me orgulhava de ter aquilo na minha cabeça, mas agora me pergunto por quê.

P. Acredita que isso torna este romance a única adaptação literária possível de seus filmes?

R. Sim. Sabia que queria novelizar um filme. Tinha me apaixonado pela ideia. Tinha nove para escolher e isso tirava um pouco de pressão. Pensei que era este porque era o mais recente, as pessoas gostaram e os personagens tinham causado sensação. Também porque contém certos aspectos históricos da indústria e desta cidade.

P. Por que se colocou como personagem?

R. Simplesmente aconteceu. Quando tive a ideia de que o grupo de atores fosse beber alguma coisa depois de filmar, escolhi um lugar que conhecia. Meu padrasto tocava piano lá. Eu o visitei algumas vezes. Talvez uma vez à noite, quando ele estava tocando. Normalmente, se eu estava lá, era porque ele tinha ido me buscar na escola. Minha mãe era enfermeira, mas ele tocava à noite e estava disponível de manhã. E me levava de vez em quando com ele para receber cheques. Era um lugar fascinante. Então coloquei meu padrasto e fui com ele. Pareceu-me algo doce.
No filme ‘Era Uma Vez... em Hollywood’, de Quentin Tarantino, Margot Robbie interpreta a atriz assassinada Sharon Tate.
No filme ‘Era Uma Vez... em Hollywood’, de Quentin Tarantino, Margot Robbie interpreta a atriz assassinada Sharon Tate.SONY PICTURES


P. Teve que buscar uma voz para seu estilo narrativo?

R. Acho que não batalhei muito. Escrevo roteiros há muito tempo. E é muito fácil. É algo que flui... Um romance é algo parecido. Não quero dizer que foi difícil, mas também não foi fácil. Você escreve muitos capítulos, acha que fez muito bem, volta a lê-los e percebe que são horríveis... mas ao menos conseguiu colocar algumas ideias no papel. Depois você reescreve e fica um pouco melhor. Nos roteiros eu consigo o que quero muito mais rápido.

P. Aprendeu alguma coisa?

R. Sim, sou um escritor melhor depois de terminar um romance.

P. Manteve segredo por muito tempo que estava escrevendo um livro.

R. Só queria comentários positivos (risos). Contei quando tinha quatro ou cinco capítulos e percebi que escreveria o livro inteiro. Três ou quatro pessoas recebiam os textos. E era emocionante porque agora estava escrevendo para alguém. Já não era algo estranho que fazia apenas para mim.

P. Sentou-se para escrever com algumas das críticas do filme na cabeça? Gerou muito debate que no filme o personagem de Margot Robbie quase não tivesse diálogos, por exemplo.

R. Procurei que não, porque se isso me afetasse seria deixá-los ganhar a partida.

P. No romance agora lemos uma Sharon Tate de carne e osso, com uma história por trás.

R. Sim e não. Rejeito completamente a ideia de que um personagem se define apenas pelo número de frases que tem. Não conheço nenhum ator que pense isso, a menos que seja um ególatra. Não conheço nenhum dramaturgo que acredite nisso e, francamente, nenhum crítico. É um argumento absurdo. Poderia ter inventado uma melhor amiga com a qual conversasse sem parar e cumpriria a cota. Ou poderia tê-la colocado com Dr. Saperstein, seu cachorro, fazendo comentários. E isso teria resolvido a polêmica, mas não teria feito dela um personagem melhor.

P. Sentiu-se mais livre escrevendo um romance?

R. A grande diferença é que o filme custou 95 milhões de dólares e foi investido ainda mais para vendê-lo em todo o mundo. E não tem um para-raios diante das controvérsias. É bom ser parte da conversa, mas não a ponto de ser um demérito para seus parceiros comerciais. Mas este é um livro de 9,99 dólares. Quem diabos se importa com o que está dentro?

P. Entrou em um novo território, o literário, e a crítica disse que escreve como Elmore Leonard. Sente-se confortável com isso?

R. Não escrevo como ele, mas sou fã dele. Estou contente. Esperava que alguns críticos fossem duros, mas não, eles foram generosos comigo. Muitos pensam que é um livro divertido. O filme é muito engraçado, mas o livro é ainda mais.

P. Está experimentando novos terrenos agora que o sol está se pondo em sua carreira cinematográfica?

R. Sim, mas sempre fui identificado como escritor. E este é o primeiro livro de vários.

P. Escreveu um romance com um menino de 15 meses em casa. Como?

R. Funcionou muito bem. A pandemia chegou e todo mundo estava em quarentena. Eu tinha planejado ficar esse ano em casa por causa do bebê e para trabalhar no livro, um trabalho solitário. Foi grandioso. Ia ao meu escritório enquanto minha esposa ficava com ele, depois almoçava com eles, brincava e dava banho nele. Foi genial.

P. Está gostando de ser pai?

R. Amo cada segundo. Está sendo uma maravilha.

P. Já mostrou o primeiro filme a ele?

R. Sim. Foi Meu malvado favorito 2.

P. Você se identifica com Rick, alguém que tenta dizer adeus a Hollywood?

R. Não. Ele vem de um lugar cheio de ansiedade e eu não. Ele está na obsolescência, de onde eu não estou nem perto. Uma das coisas engraçadas sobre minha relação com Rick é que gosto do personagem e é muito fácil para as pessoas sentirem pena dele. Leo [DiCaprio] sabia que eu não me identificava de maneira alguma com ele. Penso que é um chorão. Sua carreira não é ruim. É uma carreira muito boa, ignoro que é demasiado egoísta para apreciá-la!

P. Não está preparando o terreno para sua aposentadoria?

R. Não, ao contrário. Se há algo que estou dizendo com este romance, é “Olá!”.