SÉRGIO AUGUSTO lembra Garcia Márquez no Estadão: Uma história menos conhecida de Gabriel García Márquez
Enquanto esperava para pôr as mãos no romance póstumo de García Márquez, Em Agosto nos Vemos, pensei em antecipar-me ao auê em torno dos 10 anos da morte do escritor daqui a um mês contando alguma história menos manjada a seu respeito.
Uma de minhas hipóteses – explorar as superstições de García Márquez – foi antecipada, em grande estilo, por Álvaro Costa e Silva, em sua crônica de domingo passado na Folha de S. Paulo.
Gabo, apesar de supersticioso (cultuava o número 13, não usava nada de ouro), tinha medo de aquários e flores de plástico, mas não, surpreendentemente, do aziago mês de agosto, para ele, o mais benfazejo do calendário. Sobravam-lhe bons motivos para tal indulgência: foi num dia de agosto, por exemplo, que ele despachou para as Ediciones Minotauro, em Buenos Aires, os originais de Cem Anos de Solidão.
Por falar em Buenos Aires, um modesto acréscimo ao rol de fobias e fricotes de Gabo: o mal-estar que ele sentia ao viajar à Argentina. “É lá que o mundo acaba”, dizia, como se depois de Ushuaia houvesse um apavorante abismo.
Agora, a minha historinha. Que não é minha, mas de Gabo, do romancista norte-americano William Styron, de seu confrade mexicano Carlos Fuentes e do presidente Bill Clinton, tal como a relatou o colombiano em sua revista Cambio, em janeiro de 1999. Quatro anos antes, Clinton, em seu primeiro mandato, aceitou jantar com os três escritores na casa de veraneio de Styron, na ilha de Martha’s Vineyard (Massachusetts). Noitada inesquecível, inimaginável com a participação da grossa maioria dos líderes políticos passados e presentes.
A primeira coisa que impressionou Gabo, 1m65, foi a altura de Clinton, 1m87. A segunda: seu poder de sedução. A terceira: “O fulgor de sua inteligência, que lhe permite falar sobre qualquer assunto, por mais espinhoso que seja”. Trocaram ideias sobre o problema das drogas, a miséria na América Latina, as nefastas consequências do bloqueio a Cuba. Para amenizar um pouco a conversa, fincaram pé no cinema e na literatura.
Clinton, que em sua primeira campanha presidencial revelara ter Cem Anos de Solidão como seu romance favorito, deu provas de conhecer bem Dom Quixote e as Meditações de Marco Aurélio, seu livro de cabeceira. Gabo escolheu Dumas (O Conde de Monte Cristo), Styron cravou Mark Twain (Huckleberry Finn) e Fuentes fechou com Faulkner (Absalão, Absalão!).
Ao recitar de memória o monólogo de Benji em O Som e a Fúria, Clinton ampliou na tertúlia a presença de Faulkner, fulcro, aliás, de uma estimulante divagação sobre as afinidades históricas e culturais entre escritores da bacia do Mississippi, do Caribe e do Nordeste brasileiro.
Fuentes provocou o presidente a respeito de seus inimigos, se os tinha e quais eram. ‘Meu único inimigo”, respondeu Clinton, “é o fundamentalismo religioso de direita”. Não creio que tenha mudado de opinião nesses últimos 25 anos.
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