A história de Elizabeth Bishop e Lota de Macedo Soares
Poesia no concreto
A construção do afeto por outra pessoa e a aceitação do afeto de outra pessoa podem ser muito complicadas. Geralmente, quando essa dificuldade se apresenta na vida adulta, fatos da infância podem ajudar a compreender esse bloqueio emocional. E não foi diferente com a escritora norte-americana Elizabeth Bishop.
Nascida em 1911, em Worcester, próximo de Boston, a escritora passou a ser criada por uma sucessão de parentes depois da morte de seu pai e da internação de sua mãe em um hospital psiquiátrico. Essa falta de vínculo afetivo fez com que, mais tarde, Elizabeth desenvolvesse uma grande dificuldade para encontrar um lugar para chamar de lar. Além dos problemas psicológicos, enfrentou a asma e a dependência do álcool.
Ao terminar a faculdade, Bishop foi para Nova York e lá deu início à sua vida adulta, que foi constantemente assombrada pelo sentimento de solidão. Não pertencer a lugar algum ou a alguém fez com que a escritora empreendesse uma série de viagens ao redor do mundo.
Em 1951, com o dinheiro de uma bolsa, decidiu viajar de navio pela América do Sul, mas essa viagem precisou ser interrompida após uma forte crise alérgica. Para se recuperar, Bishop se hospedou na casa de Lota de Macedo Soares, em Samambaia, na região Serrana do Rio de Janeiro. Foi através desse contratempo que se iniciou a história de amor intensa entre as duas.
Lota, apesar de não possuir uma formação acadêmica, era muito conhecida no meio artístico e é reconhecida, até hoje, como uma arquiteta autodidata. Além de ter grande influência política e social, devido a seu pai José Eduardo de Macedo Soares, um jornalista importante entre os anos 20 e 50. A companhia da arquiteta fez com que Bishop, finalmente, se sentisse amada, encontrando seu lar e estabilidade emocional. Além disso, Lota cuidava para que a escritora não tivesse acesso a bebidas alcoólicas, controlando seu vício.
A casa em que Lota vivia ainda estava sendo construída quando Elizabeth chegou, e assim a arquiteta decidiu construir um estúdio especialmente para sua amada ter um local reservado para escrever seus poemas e trabalhar. Além dessa casa em Petrópolis, Lota também possuía um apartamento no Leme, e foi nele que as duas passaram a morar quando o governador Carlos Lacerda convidou a arquiteta para realizar o projeto do Parque do Flamengo.
Acostumadas à vida reclusa e calma da serra, a ida para o Rio abalou o relacionamento das duas. Lota dedicou-se integralmente ao projeto do Aterro, que era seu projeto mais especial e sua maior realização profissional. Enquanto sua companheira trabalhava, Bishop permanecia em casa tentando escrever, sendo constantemente interrompida por recaídas com a bebida.
Durante os anos de residência no Brasil, a poeta pôde observar os costumes e culturas do país, com sua desigualdade social escancarada e sua beleza de tirar o fôlego. Foram esses extremos que Bishop buscou reproduzir em seus textos, colocando seu ponto de vista de estrangeira que, apesar de ter uma relação nem sempre positiva com o país, encontrou aqui o seu lar.
Mesmo que o casal tentasse manter uma certa discrição com relação à sua vida amorosa, nunca esconderam que formavam um casal. Mesmo em seus poemas, Elizabeth sempre buscava não definir o gênero do sujeito, por mais que, indiretamente, se tratasse de Lota.
No poema “O banho de xampu”, a escritora conta sobre o momento em que costumava lavar os cabelos de sua amada na banheira e encontrava os fios grisalhos, “no teu cabelo negro brilham estrelas”. Bishop temia que seu poema pudesse ser visto como explicitamente queer, por isso, referia-se a Lota muitas vezes como “minha amiga” ou “minha querida”.
Foi só depois de sua morte que seus poemas mais descritivos foram publicados, como “Querida, minha bússola” (que termina com ela e sua “querida” indo “para a cama... cedo, mas nunca/ para se manterem aquecidas”), sugerindo intimidade interpessoal.
Em 2013, o filme “Flores Raras”, com Glória Pires no papel de Lota e Miranda Otto no papel de Elizabeth, foi responsável por recuperar a história dessas duas figuras importantes para a literatura e para a arquitetura, despertando o interesse de estudiosos sobre suas vidas e obras.
- Arquiteta projeta no papel
- Elizabeth Bishop e Lota de Macedo Soares
- Escritora lê poemas para inspiração
- Lota de Macedo Soares, arquiteta
- Escritora utiliza tinta e pluma
- Elizabeth Bishop, escritora
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