segunda-feira, 30 de março de 2015

Robin Wright / Estou cansada de segurar a língua


PROTAGONISTA DE 'HOUSE OF CARDS' 

Robin Wright: 

“Estou cansada de segurar a língua”



Após romper com o passado, atriz é uma mulher segura que triunfa no amor e na carreira


    Robin Wright
    Robin Wright, em uma entrevista coletiva em janeiro. / MUNAWAR HOSAIN (CORDON PRESS)r
    “Trabalho nesta indústria há 30 anos e estou cansada de segurar a língua”. Assim Robin Wright começa a entrevista com o EL PAÍS. Veste Ralph Lauren dos pés à cabeça, marca em que se diz viciada desde que lhe mandaram “uma sacola cheia de roupas” com as que evita andar o dia todo de jeans e tênis. A nova dama de ferro da televisão norte-americana deixa claro desde o primeiro minuto que vem pisando em forte. Fala do trabalho, da carreira, do sucesso profissional na televisão – em 2014 ganhou um Globo de Ouro pelo papel de Claire Underwood em House of Cards –, onde começou antes de dedicar-se ao cinema, e de suas primeiras tentativas como diretora em uma indústria dominada por homens. Está certa de que chegou seu momento de brilhar com luz própria. “Tive filhos muito cedo e nesta indústria tudo são aparências. Você precisa saber quem você é”, afirma agora com total segurança.

    A atriz premiada com o Globo de Ouro de melhor atriz de televisão no ano passado, junto a seu companheiro, Ben Foster / CORDON PRESS
    Também fala de amor, de sexo, de encontrar-se às portas dos 50 e sentir-se mais desejada que nunca. Por seu companheiro, o ator Ben Foster (quase 15 anos mais novo), pela indústria e pelo público. “Suponho que cresci tarde. Levei tempo. Mas agora estou preparada”, acrescenta.
    Esperta e sem papas na língua, ultimamente solta tudo. O único assunto de que não fala é seu ex-marido, Sean Penn, o homem junto ao qual passou quase 19 anos entre casamentos, separações, reconciliações e divórcios e com quem teve dois filhos, Dylan e Hopper, agora adolescentes e fazendo sua própria vida fora de casa. Como diz na revista Vanity Fair, que dedica a ela sua capa no número de abril, respeita muito Penn e seus filhos “extraordinários” e por isso não se presta a vender “felicidades e penúrias passadas” para consumo do público. Com o resto de sua vida, fala sem restrições. Se na revista reconhece que nunca tinha sido tão feliz, que nunca riu tanto e que nunca tinha tido tantos orgasmos, agora acrescenta, como quem não quer nada, que beijar seu novo amor “é minha comida favorita”.


    A princesa Buttercup que precisava ser resgatada em A Princesa Prometida, a jovem à sombra de Forrest Gump em todas as suas andanças, a esposa e mãe eclipsada por esse furacão chamado Sean Penn, nunca tinha brilhado tanto. Demorou três décadas para chegar a este ponto. Agora seu sobrenome já não precisa apoiar-se no de seu ex-marido, como fez durante anos (quando mudou seu nome para Wright-Penn). A única coisa de que não gosta nesta transição é a gravidade. Refere-se à força terrestre que faz com que, na sua idade, suas carnes se pendurem mais do que gostaria. Algo incrível tendo em conta o corpo que mostra como primeira dama em House of Cards, série em que usa vestidos sóbrios e justos, saias tubo, saltos agulha e uma infinidade de malhas para correr. “É uma armadura”, confessa, um estilo desenhado por Kemal Harris, seu estilista, e que exige uma boa cinta, mais incômoda que um espartilho. “Não sei quem poderia pensar em vestir algo assim diariamente”, queixa-se, apesar da invejada silhueta que lhe proporciona na tela.

    Robin Wright, en un capítulo de 'House of cards'Robin Wright, como Claire Underwood, em ‘House of cards’. / CORDON PRESS
    Perguntada sobre seu cuidado pessoal, prefere desconversar. “Você quer mesmo saber todos meus conselhos de beleza? Contar com uma boa equipe de maquiadores! Eu, nem me visto”, diz. Sua única recomendação é a meditação, que pratica quase todos os dias por 15 minutos desde que tinha 16 anos. E ter a seu lado um homem chamado Ben Foster: “Ele me iniciou na meditação transcendental, que faz desde os quatro anos de idade”.

    Sean Penn e Robin Wright, com seus filhos Dylan e Hopper, na estreia do filme ‘I am Sam’, em 2001. / CORDON PRESS
    Foster ocupa o centro desta nova mulher, nascida no Texas há 48 anos, que rompeu com seu passado. Uma relação que nasceu como todas as relações da atriz. Conheceu seu primeiro marido, Dane Witherspoon, quando rodavam a série Santa Barbara. Ficaram juntos dois anos. Conheceu Penn, na filmagem de Um Tiro de Misericórdia (1990), e além de sua amante e esposa, foi sua musa para seus primeiros filmes como diretor. Cruzou com Foster na filmagem deRampart, mas, desta vez, não carregava mais o rótulo de “mulher de” e foi ele que assumiu o papel de “namorado de”. Disso sim, ela fala a todo momento. “Gosto de tudo nele”, diz de um ator e produtor que Wright sente “na medula” que é o homem de sua vida.
    As coisas não são tão fáceis como sua euforia parece refletir. Apesar de seus anéis de compromisso e de suas tatuagens (um R no anular de Ben, um B no mesmo dedo da mão de Robin), no final de 2014 os dois terminaram a relação em que estavam desde 2011. Mas agora voltaram a desfilar juntos nos tapetes vermelhos. “Vai passar logo” é seu lema. “É a melhor parte do crescimento, você deixa de se preocupar com coisas pequenas”.



    sexta-feira, 27 de março de 2015

    Urariano Mota / O escritor Mario Vargas Llosa e sua tia Júlia


    Urariano Mota 
    O escritor Mario Vargas Llosa e sua tia Júlia

    Em 2010, quando publiquei o texto “Mario Vargas Llosa, Nobel de Literatura”, de passagem eu criticara a infeliz recriação do peruano no livro A Guerra do Fim do Mundo. Ainda que na época o comunicado de Estocolmo informasse que na literatura de Llosa o tema central era a luta pela liberdade em seu país, pois os prêmios, como os obituários, mentem na proclamação das virtudes, maior foi a mentira na imprensa brasileira ao noticiar o livro sobre Canudos como um dos seus grandes feitos.
    Pelo contrário, já ali eu havia notado que pelo menos em A Guerra do Fim do Mundo Mario Vargas Llosa havia sido um portentoso fracasso ao cometer um livro falho, indigno de um criador um pouquinho acima da média, porque não se sustentava em vários níveis: a) pela criação mesma de personagens – e um deles era nada mais, nada menos, que Antonio Conselheiro; b) pela desproporção de abismo entre a dimensão humana/política de Canudos e o livrinho realizado; c) pelo cotejo inevitável com a obra-prima Os Sertões – o de Llosa e o de Euclides eram dois mundos estranhos, antagônicos, repelentes recíprocos; d) pela aviltação de Euclides da Cunha, um intelectual de honestidade absoluta, que só era recuperado para o grande público em recriações constrangedoras (e fugia do objeto do texto, na ocasião, e por isso não foi lembrada a insultuosa minissérieDesejo, da Rede Globo, onde o drama familiar de Euclides se transformara em realce para uma personagem feminista de vanguarda). Mas, digamos, isso é passado.
    O diabo é que o passado na literatura é um infindável presente. Nela não há jornal velho ou produto com a validade vencida. Se nos perdoam os norte-americanos, na literatura há uma eternidade muito acima da dos diamantes, pois em vez de pedras a humanidade é que brilha. E se perdoam o passo, passagem e queda, queremos dizer, aquele passado ruim, precário e pretensioso de Mario Vargas Llosa torna a voltar em Tia Júlia e o escrevinhador. Então digamos, isto é presente.
    Para o caso de Tia Júlia, pouco importa se o narrado se atribua a um autor de radionovela, Pedro Camacho, louco de frases sonoras e de extravagâncias, ou a um escritor cujas recordações se confundem com as do tido como o Magnífico Mario Vargas Llosa. Importa o conjunto, a forma da argamassa geral do livro, e o sentimento de dó, constrangimento que causa até nos olhos de quem desejava apenas se entreter, mas sem rebaixar a própria inteligência. Pois o que diria um leitor diante desta literatura cuja eternidade está mais para diamantes que para a humanidade?
    “Demorou para pegar no sono e, quando pegou, começou imediatamente a sonhar com o negro. Via-o cercado de leões e cobras vermelhas, verdes e azuis, no coração da Abissínia, de cartola, botas e uma varinha de domador. As feras faziam graças ao compasso de sua varinha e uma multidão espalhada pelas moitas, troncos e galhos alegrados pelos cantos dos pássaros e o chiar dos macacos, o aplaudia loucamente”. Dirá no mínimo que estamos ante um mau escritor, que divaga para expressar o mundo dos sonhos sem entrar na pele do personagem. E pior, que neste romance não há uma seleção de fatos, que são substituídos por amontoados descritivos. Mas o trecho é de Pedro Camacho, ruim e extravagante de ruim de propósito. Então vamos ao próprio escritor.
    Além da falta de seleção de pessoas e circunstâncias, com narração sonolenta, em um relato de paixões e carnalidade quase não há sexo, ou o que seria mais humanamente literário, de promessa de sexo entre belos e saudáveis primos que se contam segredos, por exemplo. Em um trecho, o narrador fala a sua prima, e dela faz uma confidente amorosa. São dois jovens que se falam de amor e paixão, sem que se envolvam na chama. O que vem a seguir não é crível, acreditem, quando um impetuoso rapaz de 18 anos conta para a linda prima:
    “– Você gosta da Julita só ou está apaixonado por ela?
    Houve tempo em que lhe fizera confidências sentimentais e agora, como ela já sabia da história, fiz de novo. Tudo havia começado como uma brincadeira, mas, de repente, exatamente no dia em que senti cumes de um endocrinologista, me dei conta de que estava apaixonado. Porém, quanto mais voltas dava, mais me convencia de que o romance era um quebra-cabeça. Não só por causa da diferença de idade. Ainda me faltavam três anos para terminar a advocacia e eu desconfiava que nunca exerceria essa profissão, porque a única coisa de que gostava era escrever. Mas todos os escritores morriam de fome. Por ora, só ganhava para comprar cigarros, alguns livros e ir ao cinema. E tia Júlia ia me esperar até que eu fosse um homem capaz de saldar suas dívidas, se é que algum dia chegaria a isso. Minha prima Nancy era tão boa que, em vez de me contradizer, me dava razão:
    – Claro, sem contar que aí você talvez não goste mais da Julita e largue dela – me dizia com realismo. – E a coitada terá perdido tempo miseravelmente. Mas, me diga uma coisa, ela está apaixonada por você ou está só brincando?
    Respondi que tia Júlia não era uma biruta frívola como ela (coisa que a encantou).”
    A isso caberia só uma anotação ao lado: absurdo! O autor relata como um burocrata, isso conta sem que se reflita nos personagens o que ele conta do que fazem. Em romance, ou melhor, em arte, isso é grave. Ele descreve fatos, não narra gente. O reflexo do acontecimento na pessoa navega ao largo. Aquilo que aprendemos em desenho, em imagens do bom e velho cinema, de que a sombra do personagem, em momentos dramáticos, é mais humana que a pessoa, e nem precisaríamos ir a Eisenstein, pois nos basta o que o genial Kafka ensina quando elude o prosaísmo que é o simples contar fatos, esqueçam. Ou melhor, lembrem por oposição neste passo do Tia Júlia:
    “– O que eu não gosto nem um pouco é a história do revólver – comentou tia Júlia. – Acho que é em mim que ele haverá de dar um tiro. Olhe, Varguitas, espero que meu sogro não me mate em plena lua de mel. [Negrito desta resenha] E o acidente? Coitado do Javier! Coitado do Pascual! Que confusão a gente aprontou para eles com nossas loucuras…
    Pagamos o hotel, fomos tomar um café com leite na praça de Armas e meia hora depois estávamos outra vez na estrada, em um velho lotação, rumo a Lima.Durante quase todo o trajeto, fomos nos beijando, na boca, no rosto, nas mãos, nos dizendo ao ouvido que nos amávamos e brincando com os olhares inquietos dos passageiros….”.
    Para não dizer absurdo, digamos, isso é falso. O jovem Vargas de 18 anos e sua tia de mais de trinta estavam sob a mira de uma explosão familiar, com ameaças de morte de um senhor arbitrário, pai do narrador, sob escândalo moral e de costumes. E no entanto rumavam para o centro do vulcão em Lima aos beijos e apertos. Quem já passou pelo amor e paixão tensos e perseguidos sabe que as linhas citadas acima são vazias de significado. Amantes à beira do limite de uma dissolução não agem com tamanha leviandade, digamos, para dizer o mínimo. Nesses dois falhos personagens não há o morre e renasce, morre e renasce, como as batidas de um músculo no peito. Júlia e Varguitas longe estão de seguir para o centro de suas vidas com os olhos vermelhos, porque desejariam renascer, quando na verdade fariam um nascimento a fórceps, vindo daquela luz emitida por Goethe. “Enquanto não compreenderes que tudo morre e que tudo renasce, continuarás a ser apenas um visitante de um triste planeta”.
    Qual. Para quê um clássico luminoso, para que exigências de humanidade em personagens cômicos, burlescos? Em Tia Júlia e o escrevinhador, Mario Vargas Llosa vence o escândalo, os traumas, a tempestade, a inexperiência de adolescente, pelo que conta em suas linhas. “O casamento com tia Júlia foi realmente um sucesso e durou bem mais do que todos os parentes e até ela mesma tinham temido, desejado ou prognosticado: oito anos”. Que sucesso! O narrador venceu todas as dificuldades. Em Tia Júlia e o escrevinhador, Mario Vargas Llosa perdeu apenas o mais essencial para um escritor: a construção e a responsabilidade da arte de narrar.
    ***
    O livro de Urariano Mota publicado pela Boitempo, Soledad no Recife, já está à venda em versão eletrônica (ebook), agora com novo preço: R$10. Para comprar, clique aqui ou aqui.
    ***
    Urariano Mota é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e Os corações futuristas (Recife, Bagaço, 1997). Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.
    BLOG DA BOITEMPO




    PESSOA

    Miley Cyrus / Uma mulher nua

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    Miley Cyrus
    UMA MULHER NUA

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    Miley Cyrus nude in Wrecking Ball

    Miley Cyrus nude in Wrecking Ball

    Miley Cyrus nude in Wrecking Ball

    Miley Cyrus nude in Wrecking Ball

    Miley Cyrus nude in Wrecking Ball

    Miley Cyrus nude in Wrecking Ball

    Miley Cyrus nude in Wrecking Ball

    Miley Cyrus nude in Wrecking Ball



    terça-feira, 24 de março de 2015

    Grimm / O bando de maltrapilhos


    Jacob Grimm
    Wilhelm Grimm

    O bando de maltrapilhos

    Um conto de fadas dos Irmãos Grimm




    O galo uma vez disse para a galinha:

    - "Agora chegou a época das nozes amadurecerem, então, vamos subir juntos a colina e vamos ser os primeiros a comer até enfartar antes que o esquilo venha e leve todas as nozes embora."

    - "Sim," respondeu a galinha. "venha, nós vamos nos divertir muito juntos." Então, eles subiram a colina, e como estava um dia ensolarado eles ficaram até o anoitecer.

    segunda-feira, 23 de março de 2015

    Grimm / Os doze irmãos


    Jacob Grimm
    Wilhelm Grimm
    Os doze 
    irmãos

    Um conto de fadas dos Irmãos Grimm


    Era uma vez um rei e uma rainha que viviam felizes e em harmonia e que tinham doze filhos, sendo todos garotos. Então, o rei disse para a sua esposa:

    - "Se a décima terceira criança que você está para trazer ao mundo for uma garota, os doze meninos devem morrer, para que os bens dela sejam maiores, e para que o reino possa ser dela somente."

    Então, ele ordenou que doze esquifes fossem fabricados, os quais já estavam cheios de pedaços de madeiras, e em cada um havia um pequeno travesseiro para o morto, e os caixões tinham sido levados para uma sala fechada, e ele deu a chave para que a rainha guardasse, e pediu para que ela não falasse sobre isso com ninguém.

    domingo, 22 de março de 2015

    A Arte nas Indústrias Criativas / Pode a arte salvar o mundo?

    Pilsen (República Checa), Capital Europeia da Cultura de 2015

    A Arte nas Indústrias Criativas

    Pode a arte salvar o mundo?

    MIRIAN NOGUEIRA TAVARES
    22 MARÇO 2015

    Em 1993, Antuérpia foi a capital europeia da cultura e escolheu, como mote, uma questão: “pode a arte salvar o mundo?” Não foi encontrada nenhuma resposta satisfatória, se é que há alguma. Mas este mote fez com que o ano de Antuérpia como centro das atenções culturais do mundo europeu fosse bastante produtivo e instigante. Uma cidade com grande tradição no comércio, com um dos maiores portos da Europa, decidiu abrir-se efectivamente às artes, permitindo o desenvolvimento de diversos espectáculos e mostras, dando aos criadores um grande espaço para desenvolver projectos ousados, sem impor um limite economicista para a criação artística. Se este projecto não salvou o mundo, deu alento ao mundo das artes, cujas produções ali realizadas aportaram em outras paragens nos anos que se seguiram.



    Mons (Bélgica). Capital Europeia da Cultura de 2015. Concerto


    O conceito de capital da cultura surge ainda nos anos 80 pelas mãos da então ministra grega Melina Mercouri. O Relatório Palmer, de 2004, faz uma extensa avaliação sobre as capitais da cultura, de 1995 a 2004, onde não só descreve os casos estudados como apresenta uma série[1] de recomendações. A ideia do relatório era estudar o impacto económico e cultural, bem como o possível impacto social resultante da escolha de determinada cidade assumir, por um ano, o papel de centro cultural da Europa. Mesmo que a finalidade do relatório seja a de orientar os organizadores das futuras capitais da cultura, é um documento bastante interessante para que se analise a pertinência económica, cultural e social de um evento como este. Uma das conclusões do relatório é a de que se não houver um entrelaçamento entre os objectivos sociais, culturais e económicos, e não houver qualquer mudança das políticas, públicas ou privadas, no que diz respeito ao investimento no sector cultural, o que fica, além das boas lembranças, são apenas dívidas[2].

    A relação entre as artes e a economia sempre foi bastante polémica. De um modo geral, os artistas negavam-se a admitir que as suas obras pudessem ser encaradas como um produto mais entre tantos outros que a cultura industrial produzia em massa. Nos anos 40, do séc. XX, os teóricos da Escola de Frankfurt criaram um termo para designar a nova forma de produção de bens culturais: Indústria Cultural[3]. Horkheimer e Adorno procuravam definir o novo papel da arte numa era de produção massiva orientada pelo capitalismo vigente. A produção artística saía da esfera dos bens de consumo espiritual para os bens de consumo primário, já que a sua produção e distribuição em nada diferia da produção e distribuição dos bens de consumo convencionais. A cultura de massa aparecia para substituir outras formas possíveis de cultura e, para estes filósofos, a única forma de resistir à massificação completa do pensamento artístico era viver nas margens, como faziam os artistas de vanguarda. As vanguardas artísticas apareciam como uma forma de resistência necessária, sem a qual a arte sucumbiria à barbárie.

    Pilsen (República Checa), Capital Europeia da Cultura de 2015


    A relação entre a cultura e o capitalismo fomentou, desde sempre, a reflexão intelectual dos membros da Escola de Frankfurt que não viam com bons olhos o processo de produção da cultura na primeira metade do séc. XX. A cultura passou a ser dividida em alta e baixa cultura. Na segunda categoria apareceria todo e qualquer produto que pertencesse à cultura de massas: filmes, programas radiofónicos, publicidade, música e literatura ligeiras. A condição de reprodutibilidade das novas tecnologias era encarada como um factor de empobrecimento da criação artística, tema caro ao filósofo Walter Benjamin.

    Para os sociólogos e filósofos da Escola de Frankfurt o problema da cultura de massa residia no facto de ser construída sobre uma ideologia fraudulenta. Adorno, Horkheimer e Marcuse, em diversas obras, elaboram o conceito de cultura a partir da distinção feita na Alemanha entre cultura e civilização. A cultura era o lugar dos sentimentos elevados onde conceitos como liberdade e felicidade poderiam ser postulados. À civilização caberia o papel de reprodutora de bens materiais. A ideologia burguesa do fim do século XIX difundia a cultura, como uma promessa de futuro, para que a população em geral não questionasse o sistema de produção, e distribuição, de bens materiais. As novas tecnologias permitiriam que mais pessoas desfrutassem dos bens culturais, através do seu processo de reprodução e difusão, aproximando todos do mundo idílico da cultura. O que seria, a partida, um bom negócio para todos. O problema, segundo Benjamin, é que a dissolução da cultura na civilização, ou seja, a conversão de bens simbólicos em bens materiais, não trouxe o prometido paraíso partilhado mas, pelo contrário, converteu a cultura em mercadoria, integrando-a completamente no sistema de valores capitalistas.


    Graz (Áustria). Capital Europeia da Cultura de 2003. Kunsthaus


    A cultura transformada em valor de troca perde as suas qualidades intrínsecas e reforça, ainda mais, o fosso entre a elite e o povo. Pode-se dizer que alguns conceitos da Escola de Frankfurt são datados ou muito marcados pela circunstância em que nasceram, mas não nos devemos esquecer de que a promessa de fusão entre civilização e cultura, de facto, não se concretizou. Os bens de cultura continuam a ser bens de consumo, com valor de troca, e aqueles que escapam a este destino são pertença de uma elite intelectual e/ou económica e estão cada vez mais distantes de uma circulação e consumos verdadeiramente democráticos.

    Nem todos os intelectuais de meados do séc. XX viram a questão da relação entre a cultura, e nesta esfera a arte, e a nova realidade de distribuição e consumo da mesma de foram negativa. O filósofo francês Étienne Souriau promoveu uma reflexão muito interessante sobre o papel das artes[4] na sociedade de consumo. Na sua obra ele analisa o PIB francês e destaca a importância das artes neste contexto. Chega a conclusão de que uma significativa fasquia dos dividendos em França provinham do consumo de arte, em forma de compras de obras, de antiguidades, da frequência regular a espaços como teatros, cinemas, salas de concertos, bem como a aquisição de livros de arte e idas a museus.

    Para Souriau, a arte não é sonho, é o contrário do sonho, porque é um gesto criador que implica uma acção. No campo da Estética a sua posição é bastante provocadora e, ao mesmo tempo, avança em algumas décadas a reflexão sobre o papel das artes na economia de um país. Nos anos 80, no Reino Unido, o Greater London Council começou a utilizar o termo Indústria Cultural para falar de actividades culturais que geravam riquezas e empregos e que não estavam integradas no sistema de financiamento público. O termo aqui não assume o aspecto negativo que lhe foi dado à nascença, mas serve para ilustrar a ligação entre arte e economia, sendo a primeira, como já havia dito Souriau, uma importante fonte de riqueza e trabalho. Nos anos 90, na Austrália, aparece o termo Indústrias Criativas, que incorporava áreas de produção que envolvessem a criatividade, competência e o talento individual, como potenciais geradores de trabalho e riqueza, sobretudo através da exploração da propriedade intelectual[5].


    Antuérpia (Bélgica). Capital Europeia da Cultura de 1993. Estátua de Silvio Bravo


    O conceito, no caso da Inglaterra, encontrou terreno fértil para desenvolver-se e não ficou submetido ao sabor de políticas culturais efémeras, mas esteve na base da criação de novas políticas e de uma postura diferente, dentro do Estado, em relação à produção artística e cultural:

    O caso inglês é comumente usado como referência, devido ao seu pioneirismo e à associação do tema com uma agenda política e econômica. A Inglaterra realizou um mapeamento detalhado das atividades criativas no país (DCMS, 2005) e conta com um Ministério das Indústrias Criativas[6].

    Percebeu-se que as artes e a cultura não eram actividades marginais, mas que, pelo contrário, estavam plenamente inseridas na lógica de produção e geravam riqueza e trabalho, bens essenciais para qualquer nação.

    Fala-se hoje de sociedades pós-indústriais, e mais ainda, de sociedades pós-materialistas. Não podemos deixar para trás um pensamento fundamental para alguns filósofos de Frankfurt: a ideia da diluição da cultura na civilização, que deveria ser um benefício, mas que foi desviada do seu fim reificando o universo à sua volta. A tão falada Sociedade do Conhecimento que reflectiria a mudança de paradigma económico e social, é uma realidade. Mas não é uma realidade (com)partilhada. A sua existência está vinculada a uma série de princípios de produção e circulação de bens que está longe de ser uniforme na nossa sociedade global. Talvez o nome tenha sido alterado, mas a ideologia permanece: os bens culturais são uma promessa de paraíso possível. Só que este paraíso está, definitivamente, vetado a muitas pessoas.


    Mons (Bélgica). Capital Europeia da Cultura de 2015. O mito de São Jorge eo Dragão


    Os teóricos, como Castells, Florida ou Inglehart, que reflectiram e reflectem sobre o conceito de indústria criativa, têm como assente que estas indústrias se instalam naturalmente em sociedades onde “o capital tem base intelectual, fundamentando-se no indivíduo, em seus recursos intelectuais, na capacidade de formação de redes sociais e na troca de conhecimentos”[7] o que, convenhamos, não é a realidade de muitos países, entre eles, Portugal. A ideia é fascinante: fomentar a criação de indústrias cuja produção seja baseada na criatividade e no talento. A verdade é que o grosso da produção das indústrias chamadas criativas está voltado para as telecomunicações e novas tecnologias o que inviabiliza, a partida, a distribuição democrática das mesmas num país centralista como o que temos.

    A arte não pode salvar o mundo. Mas deveria continuar a tentar. Não sou tão frankfurtiana ao ponto de pensar que os bens da cultura de massa são todos representantes da baixa cultura. Tampouco defendo que a reprodutibilidade mata, a partida, a artisticidade da obra, ou que o cinema, arte reprodutível por excelência, não possa ser considerado Arte. No entanto defendo que devemos olhar para aquilo que já foi feito, e pensado, e pararmos um pouco para reflectir. Até que ponto as indústrias criativas podem dar respostas a economias fragilizadas que, em muitos casos, nem sequer passaram pela fase de industrialização? Até que ponto o discurso construído à volta do tema não passa de retórica, bem elaborada, incitando mudanças de paradigmas e ruptura quando no fundo, o que defendem, é apenas a primazia da civilização sobre a cultura? As artes poderão salvar o mundo se servirem para fomentar uma discussão mais vasta e profunda sobre a criatividade, a criação e o conhecimento. E para isto, precisa de readquirir a sua independência. O problema é saber se os artistas estão dispostos, hoje em dia, a frequentar o lugar que outrora foi dos seus antepassados: as margens. E, de uma maneira criativa, trazer as margens para o centro.



    Notas

    [1] http://ec.europa.eu/culture/key-documents/doc926_en.htm
    [2] No dia 1 de Abril de 2010, António Pinto Ribeiro escreveu um artigo no Jornal O Público onde faz uma reflexão bastante pertinente sobre esta questão. O artigo pode ser consultado em: http://www.antoniopintoribeiro.com/cms/?capitais-europeias-da-cultura-que-fazer-com-elas-,68
    [3] Termo criado pelos filósofos e sociólogos Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973). O termo aparece no capítulo Kulturindustrie - Aufklärung als Massenbetrug na obra Dialektik der Aufklärung de 1947. Em 1941, Horkheimer utiliza o termo pela primeira vez num ensaio sobre a arte e a cultura de massa.
    [4] Obras de Souriau onde ele discute o papel das artes e da Estética no séc. XX: L'Avenir de l'esthétique: essai sur l'objet d'une science naissante, F. Alcan, Coll. «Biblio. de Philosophie Contemporaine », 1929 e Clefs pour l'esthétique, 1970 [5] Algumas definições de Indústrias Criativas podem ser encontradas em:
    Caves, R. Creative Industries. Harvard: Harvard University Press, 2000; DCMS (Department for Culture, Media and Sport). Creative industries mapping document. Hartley, J. Creative Industries. London: Blackwell, 2005
    Jaguaribe, A. Indústrias criativas.
    Blythe, M. The work of art in the age of digital reproduction: the significance of the creative industries
    Jade, v. 20, n. 2, p. 144-150, 2001
    Conrford, J; Charles, D. Culture Cluster Mapping and Analysis: A Draft Report for ONE North East. Centre for Urban and Regional Development Studies, University of Newcastle upon Tyne, UK, 2001. [6] Bendassolli, Pedro F; WOOD JR., Thomaz; KIRSCHBAUM, Charles e CUNHA, Miguel Pina e. Indústrias criativas: definição, limites e possibilidades. Rev. adm. empres. [online]. 2009, vol.49, n.1, pp. 10-18. ISSN 0034-7590
    [7] Idem

    WSI