quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Marcel Proust / “Os prazeres e os dias”

 

Marcel Proust
Andy Warhol

Marcel Proust: “Os prazeres e os dias”


“Os paradoxos de hoje são os preconceitos de amanhã, pois os mais repugnantes preconceitos de hoje tiveram um momento de novidade em que a moda lhes emprestou a sua frágil graça.” (p.114)

Valentin Louis Georges Eugène Marcel Proust (Auteuil, 10/07/ 1871 – Paris, 18/11/1922), filho de  Achille Adrien Proust, um médico importante na época e da dona- de- casa Jeanne Weil, família tradicional e católica (apesar de sua mão ter origem judia). Teve um irmão que era médico, Robert,  que publicou as obras póstumas de Proust. O escritor estudou em bons colégios e cursou Ciências Políticas na Universidade de Sorbonne, frequentou a alta sociedade francesa. Era homossexual assumido e seu amante era o músico venezuelano Reynaldo Hahn, nacionalizado alemão (segunda foto abaixo).

Na foto, Proust aos 38 anos:

O seu melhor livro considerado pela crítica “uma obra- prima da literatura do século XX”, composto por 16 livros,  “Em busca do tempo perdido” custou- lhe a vida para ser escrito. Abaixo um trecho do manuscrito em sua escrita caótica:

Proust tinha uma escrita labiríntica, detalhista, prolixa, sensível e em vários dos seus textos mostrou descontentamento com a falta de sinceridade que havia na sociedade parisiense: para se ter amigos e ser popular havia que ser hipócrita. Em “Os prazeres e os dias”, a maioria dos textos trata sobre a alta sociedade de Paris do início do século XX, Proust narra acontecimentos nos salões e festas da época, cria personagens que criticam negativamente músicos e escritores, “Mallarmé já não tem talento, mas é um conversador brilhante”(p.63), coloca a frase na boca de Pécuchet, no conto “Mundanismo e Melomania”. E assim vai soltando verdades que possivelmente ele mesmo gostaria de dizer, mas que sua maneira polida e gentil não permitia, não queria ferir sensibilidades, ele mesmo era muito sensível, dizem as várias biografias espalhadas pela internet. O povo da época deve ter notado, ele não foi um grande vendedor de livros.

Literatura fina para bons leitores: “Os prazeres e os dias” (1924) consta de 67 textos curtos e brilhantes, a maioria criticando os usos e costumes da sociedade burguesa de Paris, delata os “snobes”, fala das fraquezas humanas, dos sentimentos e usa o lirismo em “Argumento” (p. 53), trata dos males de amor e dos amantes compulsivos, mas o que parece incomodar mesmo é a falta de franqueza: não poder dizer a verdade, a sinceridade é confundida com falta de respeito- naquela época e ainda hoje- os textos são super atuais.

A ironia e a sátira dão o tom na maioria dos textos, mas também há uma certa amargura e tristeza, como no conto “Melancólica vilegiatura de Madame de Breynves”, onde Françoise se apaixonou por um homem feio e sem talento, e preferiu amá- lo de forma platônica “(…) que, ao conhecê- lo melhor, tudo isso havia de se dissipar, ela dava a esta miragem toda a realidade da sua dor e volúpia”. (p.79). M. de Laléande nem sabia que a madame da alta sociedade existia e nem que ela estava tão apaixonada, ele tão feio e com sua vida tão medíocre, ele que apreciava péssima música e o mais exótico que tinha na sua casa era uma foto da praia de Biarritz. “Ela o vê, brilham- lhe os olhos.” (p.83). A madame preferiu ficar só que aparecer em sociedade com um homem feio e medíocre, melhor a ilusão.

Quadro de Jean Beraud, “No café”. Beraud foi contemporâneo de Proust.

Proust também dedica um capítulo aos versos em “Retratos de pintores e de músicos”, onde escreve poemas- homenagens a músicos e pintores que parece admirar muito. Os últimos versos, da última estrofe do poema que escreveu sobre Mozart:

“Escoa a sua flauta encantada, com amor,

Dos sorvetes, dos beijos e do céu o frescor.”

Em “Confissão de uma jovem”(p. 90), Proust cita a Imitação de Jesus Cristo, Livro I, c. XVIII:

“Os desejos dos sentidos arrastam- nos para cá e para lá, passado instante, que ganhais? remorsos de consciência e dissipação de espírito. Parte- se no meio da alegria e regressa- se na tristeza, os prazeres da noite entristecem a manhã. Assim, a alegria dos sentidos adula- vos pela manhã, mas acaba por vos ferir e matar.”

O conto é genial, ele conta a história de uma moça que se confessa no leito de morte. O texto é sobre imposição social, familiar e a culpa. A menina não era dona do seu próprio corpo e nem dos seus desejos, fazia de tudo para agradar a mãe.

Proust viveu uma juventude boêmia, era muito apegado aos seus pais, será essa a conclusão que ele chegou depois de tudo? Teria sido parte dos seus pensamentos depressivos esse moralismo e arrependimento tardios? Sim ou não, o arrependimento é um sentimento universal.

Para quem ama a cidade de Paris como eu, vai se deliciar com a beleza dos textos “As mágoas- devaneios ao ritmo do tempo” (p. 108). São trinta textos que passeiam pelos bairros parisinos e nos deixam frases belíssimas, e outros que nos deixam alguns ensinamentos para a vida, são quase fábulas do cotidiano, com pequenas lições, que me fizeram refletir sobre os meus próprios sentimentos, porque Proust falou sobre sentimentos universais, no fundo, somos todos muito parecidos.

Asmático e alérgico desde criança, faleceu por causa de uma pneumonia mal curada aos 51 anos de idade, junto com uma depressão que carregava desde a morte dos seus pais. Ele recusou- se a receber um médico e fazer exames, e foi seu irmão, o dr. Robert, que o obrigou a tratar- se, mas já era tarde demais. Ele tomava estimulantes para manter- se acordado de dia e calmantes para conseguir dormir de noite, e isso acabou debilitando o seu organismo. Nessa etapa, ele dava os últimos retoques na sua obra- prima, que o manteve recluso, obcecado e cheio de manias até os seus últimos dias, como a aversão ao barulho e à luz do dia, precisava manter- se muito abrigado mesmo no verão, ele tinha comportamentos autodestrutivos e antissociais.

Sou fã de Proust, porque ele disse o que pensava fingindo não dizer, um não- dizer totalmente ao estilo Fernando Pessoa. Não é coisa de gênio?!

“Um dia ventoso”, de Jean Beraud

“Extenuado, nem sequer já aquecido pelo sol raro, o Outono perde uma a uma as suas últimas cores.” (p. 109)

Aos vinte e cinco dias de outubro, nesse outono em Madrid.

Proust, Marcel. Os prazeres e os dias. Editorial Estampa, Lisboa, 2010.


FALANDO EM LITERATURA


sábado, 23 de janeiro de 2021

De duplos e únicos / Criação e tradução em Beckett

Samuel Beckett
Mathieu Laca

 

De duplos e únicos: criação e tradução em Beckett 


Ana Helena Souza
QORPUS
Edição N. 029


Este artigo foi reelaborado a partir da palestra apresentada no dia 3 de outubro de 2018 no evento Samuel Beckett e tradução: teatro, prosa, música, corpo e performance, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da UFSC. Foi um grande prazer participar dessa jornada, na qual foram compartilhados diversos modos de experimentar a obra beckettiana por meio da tradução, seja ela linguística, performática, musical ou interpretativa. Foi como tradutora de cinco livros de Beckett – MolloyMalone morreO inominávelComo é e Companhia e outros textos – que dei a minha contribuição em outubro e que a retomo aqui.

Tratarei mais da tradução da prosa tardia incluída em Companhia e outros textos e analisarei também um pouco de traduções anteriores de Malone morre, que foi minha última tradução de Beckett a ser publicada, em 2014. Vou usar Malone para abordar o momento em que o escritor começa sua carreira de autor-tradutor, que depois se tornará uma marca de sua escrita, quando finalmente se transforma num autor bilíngue. Empregarei algumas considerações do escritor Milan Kundera para comentar a autotradução beckettiana. Depois, farei observações sobre um dos textos do volume Companhia e outros textos, chamado Worstward Ho, que traduzi como Pra frente o pior. Este texto, Beckett não traduziu. Para uma aproximação a como se coloca a questão da criação e da tradução nesse que é um dos últimos textos beckettianos, recorrerei aos ensaios de Paul Ricoeur, publicados no pequeno volume Sobre a tradução.

Textos duplos, textos únicos

O romancista, autor bilíngue e autotradutor Milan Kundera demonstra, numa análise das traduções francesas de O Castelo de Kafka, que o “bom estilo” dos tradutores de prosa de ficção muitas vezes apaga o que é mais característico na prosa do autor traduzido. Da análise de Kundera, três pontos serão destacados para servir de baliza aos comentários sobre um trecho de tradução de Beckett. O primeiro pode ser citado integralmente: “Nada exige mais exatidão, da parte do tradutor, que uma metáfora. É através dela que se toca o coração da originalidade poética de um autor.” (Kundera, 1994, p. 93) O segundo resume-se a apontar a inclinação dos tradutores de prosa a enriquecer o vocabulário, empregando a sinonímia no texto de chegada como meio de evitar a repetição de palavras presente no original. Esse uso da sinonímia para apagar as repetições presentes no original seria visto pelos tradutores como uma forma de afirmarem sua destreza tradutória (idem, p. 97). Além disso, ao constatar que “os tradutores (…) têm tendência a limitar as repetições”, Kundera chama a atenção para o sentido semântico de uma repetição como noção-chave e também para a sua importância melódica (idem, p. 101). No terceiro e último ponto a ser destacado, Kundera enfatiza o papel do “fôlego” na prosa, que pode ser entendido tanto no sentido da pontuação, bastante reduzida em Kafka, como no da “imagem tipográfica” do texto, às vezes um só parágrafo (idem, p. 105-106).

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Coisa mais linda

 


COISA MAIS LINDA

Eu incluiria no hall das fotos mais belas... amei... coisa mais linda... presente do amigo Francisco Alves da Silva (Chico do Forrò) essa capelinha fica no Sítio Várzea Comprida nas proximidades de uma localidade do distrito de Marruás divisa com o Município de Mombaça. Perfeita fotografia... a essência de uma fotografia não está nos efeitos especiais, na quantidade de mega pixels, no designer produzido... a essência da fotografia está no contexto que ela representa e na emoção que ela nos traz, bem como na dimensão a que ela nos remete... "A M E I E S S A F O T O" (Parabéns a quem registrou esse momento tão sertanejo... tão nosso. )


Franzé Mot

5 noviembre 2020




domingo, 3 de janeiro de 2021

Assim foi feito ‘Cem anos de solidão’

 

Gabriel García Márquez
Foto de Colita


Assim foi feito ‘Cem anos de solidão’

Álvaro Santana-Acuña, da Universidade do Texas, em Austin, onde está guardado o legado de García Márquez, publica em inglês uma reveladora biografia do romance



Juan Cruz
Tenerife, 1 Jan 2021


Álvaro Santana-Acuña nasceu em La Laguna (Tenerife) há 43 anos. Essa é provavelmente a cidade mais chuvosa das Ilhas Canárias, mas foi em Harvard, em 2007, onde associou o dilúvio a Cem Anos de Solidão, o principal romance de Gabriel García Márquez, em que chove até borboletas. Caía um dilúvio em Harvard quando ele teve que se reunir com a orientadora de sua tese e lhe veio à cabeça o imenso aguaceiro sobre Macondo, de modo que, quando a professora fez uma sugestão (Por que não trabalha em um projeto sobre como Cem Anos de Solidão se transformou em um clássico?”) não conseguiu lhe dizer que essa ideia já lhe havia ocorrido vendo chover em Harvard.

Ele recorda esse momento em uma atmosfera bem macondiana, o parque García Sanabria em Santa Cruz de Tenerife. Entrou em contato com a literatura do Nobel enquanto estudava com o professor Daniel Duque no Instituto Cabrera Pinto de La Laguna. Duque o pôs a trabalhar em Ninguém Escreve ao Coronel, e foi em uma dessas aulas que ouviu pela primeira vez o nome de Aracataca, onde se sucedem a chuva, as borboletas, as grandes árvores, as pedras pré-históricas, a fábrica de gelo e outros milagres que compõem o mundo de Macondo e de Cem Anos de Solidão. A partir daí leu esse livro cuja existência foi sua obsessão como aluno de Harvard e, agora, como professor e pesquisador em Austin (Texas), onde está guardado o imenso arquivo de Gabriel García Márquez.

Uma consequência desta obsessão com o que aconteceu em Macondo é Ascenso a la Gloria, Biografía de ‘Cien Años de Soledad’ (Ascensão à Glória, biografia de Cem Anos de Solidão) que acaba de ser lançado em inglês (Columbia University Press) e cuja versão em espanhol ele está preparando. “Fiquei fascinado com a fluência do livro, e, na minha adolescência, com as descrições da vida sexual dos personagens, dos cheiros... Na minha terra é fácil ter essa sensação de que você está naquilo que se conta em Cem Anos de Solidão.”

Álvaro Santana, escritor, no parque García Sanabria de Santa Cruz de Tenerife.

Leitores sensibilizados pelo livro

Será que todo leitor desse romance vê no livro algo que lhe diz respeito? “Esse é o grande segredo do romance e a grande dificuldade do que em literatura significa escrever. Na entrevista que concedeu a Luis Harss [autor de Los Nuestros, o primeiro estudo sobre o que acabaria sendo chamado de boom] García Márquez, que ainda não o tinha escrito, já conta que se sente capaz de escrever um romance que integrasse o sensível, o herói, as batalhas, o amor, o drama, a comédia, a tragédia, a alegria. São os elementos necessários para conseguir algo que chegue a muitos leitores... Como diz Natalia Ginzburg, nos anos 60 o romance burguês estava em crise e García Márquez inovou a partir do regresso ao passado. Como comenta Domingo Pérez Minik, Gabo propõe uma obra revolucionária porque devolve o romance à sua essência mais básica, que é narrar.”

“Ele sofre quando escreve o romance. Passou necessidade. Já havia fechado contrato com Carmen Balcells e sabia que o boom estava em andamento. Tento decifrar em meu livro o que aconteceu no verão de 1965 para que Gabo se sentasse para escrever o romance. Carmen Balcells viaja de Barcelona para a Cidade do México e se reúne com todos os editores e escritores para fechar contratos com eles. [José Manuel] Caballero Bonald lhe havia contado em 1962 que aquele jovem escritor andava por aí… É visível. Seus livros estão vendendo e ele está convencido de que aquele que o mantém sem dormir será uma porrada. E diz a Plinio Apuleyo: ‘Este é o nosso momento’. Santana-Acuña relata os estados de espírito de Gabo, sua obsessão por não perder tempo, e em junho de 1966 ele fez uma leitura no México. O jornal que noticia essa leitura na UNAM o anuncia como Gabriel García. Ele queria que “aqueles que não me conhecem digam se gostam ou não... E foi então que se convenceu de que o romance era bom”. “Fabuloso”, disse o editor da Sudamericana, Paco Porrúa. E teve início um enorme boca a boca.

Sem um dado fora de lugar, como um entomologista espetando borboletas, Santana-Acuña conta a história de sucesso do clássico do século XX. “É um livro raivosamente humano. Gabo não escreveu apenas um bom romance. Ele publicou muitos bons romances. E você tem como escolher”. Em nenhum, aliás, choveu tanto, e foi isso que ele sentiu quando decidiu fazer seu trabalho sobre a ascensão de Cem Anos de Solidão à glória enquanto chovia em Harvard como outrora chovera em Macondo. E como tantas vezes chove em La Laguna.