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sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Albert Einstein / A “mais bela” explicação sobre a Criação

Albert Einstein

A “mais bela” explicação sobre a Criação, 

segundo Albert Einstein

O belga Georges Lemaître também foi sacerdote, além de um formidável matemático

  • Papa Francisco: “O Big Bang não contradiz Deus, o exige”

Einstein e Lemaître, juntos na Califórnia, em 1933.
Sabemos que ciência e religião nunca se deram muito bem. Houve um tempo, já distante, que conciliar os dois termos não só era aconselhável, mas quase obrigatório. Caso contrário, perguntem às cinzas de Giordano Bruno ou a seu compatriota Galileu, forçado muito a contragosto a reposicionar a Terra no centro do Universo quando esta já havia encontrado seu lugar. Se para os católicos a situação era difícil, os protestantes não ficavam muito atrás, e Kepler, um contemporâneo de Galileu e Bruno, esteve a ponto ver sua mãe queimada na fogueira assim como a imaginação de Bruno por suposta bruxaria.
No entanto, nem sempre os preconceitos circulam na mesma direção. Mesmo em tempos mais recentes.
Talvez um exemplo disso seja o físico e matemático belga Georges Lemaître. Nem mesmo uma cratera na Lua e o nome de uma nave espacial da ESA —o ATV5, que também já virou cinza— nos faz lembrar dele. E isso porque estamos falando do homem que se atreveu a corrigir —educadamente, é verdade— o próprio Albert Einstein, antevendo o que Edwin Hubble comprovaria mais tarde com telescópios de Mount Wilson: a expansão do Universo. O que todos nós conhecemos hoje como o Big Bang.

MAIS INFORMAÇÕES

Lemaître nasceu em Charleroi (Bélgica), em 1894. Apaixonado pelas ciências e engenharia, teve que interromper seus estudos aos 20 anos para defender seu país, imerso na Primeira Guerra Mundial, sendo até mesmo condecorado como oficial de artilharia. Não deve ter gostado nada da experiência e, horrorizado, decidiu virar padre.
Era o ano de 1923. Mas Lemaître não abandonou sua primeira vocação. Sua formação acadêmica em física e matemática foi formidável, começando por sua passagem pela Universidade de Cambridge e terminando com um doutorado no ainda mítico Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
Pouco depois, em 1927, publicaria em uma revista local o esboço de seu modelo de universo. Partindo dos postulados de Einstein —um cosmos estático de massa constante—, chega a um resultado totalmente diferente: o raio do universo tinha de crescer continuamente para ser estável. Ao tomar conhecimento da hipótese, o gênio alemão rejeita a ideia veementemente: "Seus cálculos estão corretos, mas o modelo físico é atroz". E isso mesmo levando em conta que Lemaître sempre fazia uso da famosa constante cosmológica inventada pelo próprio Einstein, a qual mais tarde o alemão renegaria com mais veemência do que a utilizada por Galileu para escapar da fogueira purificadora. Em 1931, seu trabalho chegou às páginas da Nature, detalhando sua teoria completa do "átomo primordial" ou "ovo cósmico", e de suas linhas surgiria o que depois foi chamada exclusivamente Lei de... Hubble.

Nunca será possível reduzir o Ser Supremo a uma hipótese científica
Einstein e Lemaître concordaram em várias ocasiões. Einstein, agnóstico, duvidava do padre belga, já que seu modelo cosmológico logicamente era acompanhado de uma origem divina (?) no espaço-tempo, e tanto ele quanto muitos astrofísicos não gostavam nada disso. Mas o admirava. Uma vez, durante uma estadia em Bruxelas e dando uma palestra diante de um público erudito, Einstein espetou: "Suponho que não devem ter entendido nada, exceto, claro, o abade Lemaître". Em território comanche, juntos em Princeton, Einstein também deixou escapar ao ouvir seu colega belga pregar: "Esta [de Lemaître] é a mais bela explicação da Criação que já ouvi". O detalhe é que realmente estava falando sério.
Naturalmente, a fama de Lemaître não demorou para chegar ao Vaticano. Apesar das tentativas depreciativas do tão brilhante quanto desbocado Fred Hoyle e dos seguidores da teoria do universo estacionário — o mesmo Hoyle, durante um programa da rádio BBC, batizaria com bastante veneno a teoria de Lemaître como Big Bang, em 1949 —, o modelo de universo em permanente expansão era imparável. Lemaître ocupou diferentes cargos na Academia Pontifícia das Ciências, sendo assessor pessoal do Papa Pio XII. E este não queria deixar passar tal oportunidade. Se o Universo tem 13,7 bilhões de anos, importaria muito se fosse criado em sete dias bíblicos ou em pouco mais de 10 segundos? Para o grande pesar de Pio XII —que, curiosamente, foi elogiado por Einstein em sua defesa dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial—, Lemaître evitou explorar a ciência para o benefício da religião. São suas as palavras:

Einstein, agnóstico, duvidava do padre belga, já que seu modelo cosmológico era acompanhado de uma origem divina Mas o admirava
Depois de escutar Lemaître, o prudente Pio XII abandonou a ideia de transformar o Big Bang em um dogma de fé
"O cientista cristão tem os mesmos meios que seu colega não crente. Também tem a mesma liberdade de espírito, pelo menos se a ideia que tem das verdades religiosas está à altura de sua formação científica. Sabe que tudo foi feito por Deus, mas também sabe que Deus não substitui suas criaturas. Nunca será possível reduzir o Ser Supremo a uma hipótese científica. Portanto, o cientista cristão avança livremente, confiante de que sua pesquisa não pode entrar em conflito com sua fé". Depois de escutar Lemaître, o prudente Pio XII abandonou a ideia de transformar o Big Bang em um dogma de fé.
Lemaître morreu em 1966, apenas dois anos após a descoberta irrefutável da radiação de fundo em micro-ondas, o eco proveniente da origem do Universo, de seu Big Bang. Talvez seu nome pintado na placa de uma nave espacial não faça justiça suficiente a uma mente —crente ou não— divina.
Enrique Joven Álvarez é doutor em Ciências Físicas e trabalha como engenheiro no Instituto de Astrofísica de Canarias (IAC). Combina suas tarefas técnico-científicas com a divulgação e publicação de obras de ficção. Publicou dois romances com a astronomia como eixo principal: El Castillo de las Estrellas (RocaEditorial, 2007) e, recentemente, El Templo del Cielo (RocaEditorial, 2013)





domingo, 4 de outubro de 2015

Stephen Hawking diz que os buracos negros não existem

Stephen Hawking

Stephen Hawking diz que os buracos negros 

não existem

A informação sobre a matéria e a energia estaria prisioneira apenas de forma temporária, e poderia emergir depois, embora de forma caótica



O físico Stephen Hawking concede entrevista coletiva à imprensa galega no Hotel Porta do Camiño, durante sua visita a Santiago da Compostela. / ANDRES FRAGA
Stephen Hawking e os buracos negros estão indissoluvelmente ligados. Não é que ele os tenha descoberto, nada disso, mas suas pesquisas e importantes contribuições sobre esses exóticos objetos previstos teoricamente e detectados (por seus efeitos) no universo remontam a trabalhos cruciais feitos há mais de quatro décadas. Agora, porém, ele afirma que os buracos negros não existem, pelo menos não como se entendem habitualmente. Nesta semana ele apresentou um artigo, uma pré-publicação que ainda não passou pelo processo normal de revisão científica, mas que imediatamente ganhou notoriedade. Assina-o sozinho, tem quatro páginas (uma de apresentação, duas de argumentos e a última de referências) e recebeu um título estranho:Conservação da Informação e Previsão Meteorológica para os Buracos Negros. Os físicos habitualmente apresentam seus artigos no site arXiv, onde são públicos, antes de submetê-los ao processo de avaliação por pares, algo obrigatório para a sua publicação oficial.
Um buraco negro, em princípio, é algo simples: um lugar em que a matéria e a energia são tão densas que sua gravidade curva o espaço-tempo, a ponto de que nada, nem mesmo a luz, pode escapar. Mas além disso, dadas as suas condições extremas, trata-se de um campo de provas predileto dos físicos teóricos para explorarem suas conjecturas.
O ponto crítico dos buracos negros que Hawking agora ataca é o denominado “horizonte de acontecimentos”, essa fronteira a partir da qual nada pode escapar da atração gravitacional, nem a luz. “Não há saída de um buraco negro na teoria clássica, mas a teoria quântica permite que a energia e a informação escapem dele”, explicou o próprio Hawking à revista Nature, que informa em sua seção de notícias on-line sobre esse último artigo do célebre físico britânico. Para explicar todo o processo, seria necessário obter finalmente a plena integração, sob uma teoria única, da gravidade com as outras duas forças fundamentais da natureza (ou seja, a relatividade geral, que rege o universo macroscópico, e a mecânica quântica, que rege o mundo subatômico), reconhece o cientista. Mas essa fusão há muito tempo desafia os esforços dos físicos, e, por enquanto, “o tratamento correto continua sendo um mistério”, acrescenta Hawking.
Em seu novo artigo, ele propõe que não há um horizonte de acontecimentos em torno do buraco negro, e sim um horizonte aparente, que “aprisiona a matéria e a energia apenas temporariamente, antes de emiti-la de novo, embora de forma caótica”, relata Zeeya Merali na Nature. A ideia de Hawking é que os efeitos quânticos ao redor do buraco negro provocam flutuações muito violentas para que essa fronteira definida possa existir.
O horizonte de acontecimentos, consequência direta da Teoria da Relatividade de Einstein, é a superfície ao redor do buraco negro que não pode ser superada por nada que esteja apanhado dentro dele, nem sequer a luz, razão pela qual nenhuma informação poderia sair de lá. Segundo a teoria clássica, num famoso experimento teórico um astronauta que caísse em um buraco negro atravessaria o horizonte de acontecimentos sem notar nada de especial, e a partir daí ficaria inicialmente esticado como um espaguete (a enorme atração gravitacional é maior nos seus pés do que na cabeça), para então acabar completamente esmagado no núcleo imensamente denso do buraco.
Mas, há alguns anos, o físico Joseph Polchinski alterou esse cenário propondo em troca um muro de fogo: segundo a teoria quântica, o horizonte de acontecimentos é na realidade uma região de energia muito alta, em que o astronauta acabaria torrado. Isso pressupõe um desafio à relatividade, recorda Merali na Nature, já que, segundo a teoria einsteiniana, o horizonte de acontecimentos do buraco negro “deveria passar despercebido” para o astronauta em queda. A alternativa que Hawking propõe, respeitando tanto a relatividade como a teoria quântica, é que os efeitos quânticos ao redor do buraco negro provocam uma violenta flutuação do espaço-tempo, o que impede a existência de uma fronteira bem definida, descartando assim o muro de fogo.
O horizonte aparente, que a luz não consegue superar para emergir do buraco negro, prossegue Merali, e o horizonte de acontecimentos seriam idênticos em um buraco negro que não variasse. Mas, se o buraco negro vai tragando mais material, o horizonte de acontecimentos cresce e se torna maior do que o aparente. Além disso, com a famosa radiação Hawking, proposta há quatro décadas, o buraco negro pode encolher, e o horizonte de acontecimentos seria menor que o aparente. Essa variação permitiria, na teoria, que a luz escape do buraco.
O físico britânico sugere que a fronteira real é o horizonte aparente, e que “a ausência de um horizonte de acontecimentos significa que não há buracos negros […] no sentido de regimes dos quais a luz não pode jamais escapar”, embora ele não especifique como esse horizonte de acontecimentos pode desaparecer.
“A ideia de um horizonte aparente não é completamente nova”, observa Jacob Aron na New Scientist. Ele e Roger Penrose, recorda, já utilizaram a relatividade geral para demonstrar que os dois horizontes eram idênticos. Agora, “nesse último artigo seu, [Hawking] está propondo que a mecânica quântica pode revelar que eles são diferentes”. Mas essa não é a maior novidade do seu último trabalho, considera Aron, e sim “a tentativa de utilizar essas ideias para resolver a paradoxo do muro de fogo: ao eliminar o horizonte de acontecimentos, mata-se também esse muro de fogo”. E isso significa que desaparece também a consequência óbvia do mesmo, a saber, que a informação não pode emergir de maneira alguma do sumidouro negro, porque o muro de fogo a destrói.
Assim, Hawking dá uma oportunidade para que a informação escape da matéria aprisionada no buraco negro. Mas com limitações: “A estrutura de um buraco negro imediatamente por baixo do horizonte é caótica, o que dificulta a compreensão da informação que possa sair dele, em outras palavras, a informação se perde, no sentido de que seria quase impossível interpretá-la, mas não está destruída”, afirma Aron. É como a previsão meteorológica – daí o título do artigo do físico britânico –, porque “não se pode predizer o tempo senão com alguns poucos dias de antecedência”.
Don Page, especialista em buracos negros da Universidade de Alberta, no Canadá, observa na Nature que o caos da informação no buraco negro é tal que tentar interpretá-la após sua saída seria pior do que tentar reconstruir um livro queimado a partir de suas cinzas.
O breve artigo do Hawking não inclui cálculos, salienta Aron, “o que torna difícil tirar conclusões sólidas”. A nova ideia será estudada e discutida, e inclusive pode ser que o físico britânico faça alguma nova aposta com seus colegas, como já fez no passado – e às vezes perdeu –a respeito de questões profundas da física teórica. O que está claro é que nem a gravíssima incapacidade física da qual sofre nem seus 72 anos recém-completados comprometem a mente desse grande cientista.

‘Minha breve história´

Com uma clara alusão ao seu famoso livro de física Uma Breve História do Tempo: do Big Bang aos Buracos Negros (1988), Stephen Hawking escreveu recentemente sua autobiografia com o título de Minha Breve História (Editora Intrínseca). O livro reúne suas recordações da infância na Londres do pós-guerra, seus estudos, seu trabalho e sua evolução intelectual, tudo isso salpicado de fotografias inéditas ou pouco conhecidas desse homem que não se rende nunca.
Ele acaba de completar 72 anos e continua trabalhando em sua adorada física teórica. Ocupou, até 2009, a cátedra Lucasiana de Matemática na Universidade de Cambridge (Reino Unido) e já escreveu ao longo de sua vida numerosos livros de divulgação, além de importantes trabalhos científicos.
Com 21 anos, Hawking foi diagnosticado com uma grave doença degenerativa, a esclerose lateral amiotrófica, que lhe provocou uma paralisia muscular progressiva. Apesar de a expectativa de vida de quem tem essa enfermidade ser geralmente de poucos anos, o cientista britânico sobreviveu, mesmo sofrendo problemas de saúde devastadores, como a traqueotomia que salvou sua vida em 1985, mas o deixou sem fala. A perspectiva de morrer cedo, recorda Hawking agora em seu livro, o impulsionou para o desafio intelectual.
“Hawking escreve de uma maneira comovedora”, escreveu o Financial Times sobre a autobiografia, salpicada de curiosidades de sua vida. “Nessa obra podemos escutar como sua voz é irradiada diretamente do buraco negro de sua doença, sem a amplificação e o detalhamento que acrescentavam os coautores com os quais escreveu seus últimos livros.”





sábado, 3 de outubro de 2015

Stephen Hawking /“Raça humana terá que sair da Terra se quiser sobreviver”

Stephen Hawking

STEPHEN HAWKING | ASTROFÍSICO 

Stephen Hawking: “Raça humana terá que sair da Terra se quiser sobreviver”

Físico britânico reflete sobre a origem do universo em entrevista exclusiva ao EL PAÍS

Merry Christmas”. A emblemática voz metálica do cientista mais famoso do planeta soa em meio à orla marítima da praia de Camisón, em Tenerife, na Espanha, provocando as gargalhadas dos turistas que se aglomeram ao seu redor, sussurrando entre si: “É Stephen Hawking”, a medida que passa por eles. “É uma brincadeira que costuma fazer para que as pessoas riam”, explica uma das responsáveis da equipe que o segue por todas as partes. Hawking (Oxford, 1942) se encontra na ilha espanhola para apresentar a terceira edição do festival científico Starmus, realizado a cada dois anos e que em sua edição de 2016 reunirá uma dúzia de prêmios Nobel, entre outras figuras reconhecidas da ciência, da divulgação e exploração especial.

As leis da ciência bastam para explicar a origem do Universo. Não é preciso invocar Deus
O físico, recentemente retratado no filme sobre sua vida A Teoria de Tudo, que deu o Oscar de melhor ator a Eddie Redmayne, escreve graças a um sensor na bochecha, onde está um dos poucos músculos que ainda consegue mover por conta da doença neurodegenerativa que sofre. Apesar de contar com vários programas tecnológicos que o ajudam a agilizar o processo de escrita, algumas vezes, dizem seus acompanhantes, pode levar duas horas para responder a uma simples pergunta. Mas ele tem um botão especial para fazer gracinhas com um só clique.

MAIS INFORMAÇÕES

Na rua, uma mulher de maiô grita “obrigado por seu senso de humor, Stephen!”, prova do carisma do cientista, que penetrou fundo no imaginário coletivo global muito além dos fãs de ciência. Sete pessoas acompanham o físico nessa viagem, entre assistentes, médicos e gente de sua confiança, sempre atentos a sua frágil saúde de ferro, que o manteve vivo até os 73 anos “contra todos os prognósticos”. É como explica nessa entrevista exclusiva ao EL PAÍS, que teve a ocasião de passar um dia com ele e o organizador do Starmus, o físico Garik Israelian. Hawking fala sobre a necessidade de conquistar o espaço para sobreviver como espécie, do perigo do desenvolvimento da inteligência artificial e sobre o que os jovens cientistas no mundo todo devem esperar do futuro.
Pergunta. O senhor tem uma agenda vertiginosa de viagens, conferências, entrevistas, festivais... quase como uma estrela do rock. Por que vive dessa forma?
Resposta. Sinto que tenho o dever de informar as pessoas sobre a ciência.
P. Gostaria de fazer alguma coisa na vida que ainda não o fez?
R. Viajar ao espaço com a Virgin Galactic.

Se os extraterrestres nos visitarem, o resultado será muito parecido com o que aconteceu quando Colombo desembarcou na América: não foi uma coisa boa para os nativos americanos
P. Um de seus últimos livros fala sobre a teoria de tudo, que uniria a relatividade e a física quântica. Sobre o que será o próximo?
R. Pode ser que meu novo livro seja sobre minha sobrevivência, contra todos os prognósticos.
P. Em muitos países, como na Espanha, o orçamento para a ciência é limitado, e muitos cientistas jovens precisaram emigrar para encontrar trabalho. O que o senhor diria a um jovem de países como o nosso e que pretende ser cientista?
R. Que vá para os Estados Unidos. Lá valorizam a ciência porque ela produz tecnologia.
P. Recentemente o senhor criou uma iniciativa muito ambiciosa para buscar vida inteligente em nossa galáxia. Há alguns anos, entretanto, disse que seria melhor não estabelecer contato com civilizações extraterrestres, porque poderiam nos exterminar. Mudou de opinião?
R. Se os extraterrestres nos visitarem, o resultado será muito parecido com o que aconteceu quando Colombo desembarcou na América: não foi uma coisa boa para os nativos americanos. Esses extraterrestres avançados poderiam virar nômades, e tentar conquistar e colonizar todos os planetas aos quais conseguissem chegar. Para meu cérebro matemático, de números puros, pensar em vida extraterrestre é algo muito racional. O verdadeiro desafio é descobrir como esses extraterrestres podem ser.

De fato, de certo modo minha incapacidade foi uma ajuda. Não preciso dar aulas e participar de comitês chatos
P. Pouco tempo atrás o senhor disse que a informação pode sobreviver a um buraco negro. O que isso significa para uma pessoa comum?
R. Cair em um buraco negro é como se lançar das cataratas do Niágara em uma canoa: se você remar suficientemente rápido, pode escapar. Os buracos negros são a máquina de reciclagem definitiva: o que sai é a mesma coisa que entra, mas processada.
P. No ano de 2015 a teoria da relatividade geral completa cem anos. O que o senhor diria a Albert Einstein se pudesse falar com ele, e o que espera da ciência nos próximos cem anos?
R. Einstein escreveu um artigo em 1939 no qual afirmava que a matéria não poderia comprimir-se além de um certo ponto, descartando a possibilidade da existência de buracos negros.
P. Por que acredita que devemos temer a inteligência artificial? É inevitável que os humanos criem robôs capazes de matar?
R. Os computadores superarão os humanos graças à inteligência artificial em algum momento nos próximos cem anos. Quando isso acontecer, precisaremos nos certificar de que os objetivos dos computadores sejam os mesmos que os nossos.

Acho que todo mundo pode, e deve, ter uma ideia geral de como funciona o universo e de nosso lugar nele
P. Qual acredita que será nosso destino como espécie?
R. Creio que a sobrevivência da raça humana dependerá de sua capacidade para encontrar novos lares em outros lugares do universo, pois o risco de que um desastre destrua a Terra é cada vez maior. Desta forma, gostaria de despertar o interesse do público pelos voos espaciais. Aprendi a não olhar muito à frente, a me concentrar no presente. Ainda quero fazer muitas outras coisas.
P. O Governo espanhol aprovou grandes cortes na ciência nos últimos anos. O que o senhor diria ao Governo?
R. Os espanhóis têm muito interesse na ciência e na cosmologia. Foram grandes leitores do meu livro Uma Breve História do Tempo. É importante que todos tenham bons conhecimentos de ciência e tecnologia. A ciência e a tecnologia estão mudando drasticamente nosso mundo, e é fundamental assegurar que essas mudanças ocorram na direção correta. Em uma sociedade democrática, isso significa que todos precisamos ter conhecimentos elementares sobre ciência, de modo que possamos tomar nossas próprias decisões com conhecimento de causa e não as deixar nas mãos de especialistas. É preciso simplificar, com certeza. A maioria das pessoas não tem tempo para dominar os detalhes puramente matemáticos da física teórica. Mas acredito que todo mundo pode, e deve, ter uma ideia geral de como funciona o universo e de nosso lugar nele. É isso que tento transmitir em meus livros e minhas conferências.

Os computadores superarão os humanos graças à inteligência artificial em algum momento nos próximos cem anos
P. Acredita que é possível ser um bom cientista e acreditar em Deus?
R. Utilizo a palavra “Deus” em um sentido impessoal, da mesma forma que Einstein, para me referir às leis da natureza.
P. O senhor disse que não precisamos de Deus para explicar o Universo tal como ele é. Pensa que algum dia os seres humanos abandonarão a religião e Deus?
R. As leis da ciência bastam para explicar a origem do Universo. Não é preciso invocar Deus.
P. Muitas pessoas precisam de cadeiras de rodas por conta de doenças como a esclerose lateral amiotrófica e muitas outras. Frequentemente enfrentam numerosas dificuldades para levar uma vida normal. Por exemplo, não podem viajar de avião em suas próprias cadeiras [Hawking costuma viajar de barco]. Uma vez que o senhor mesmo experimentou essas dificuldades, tem alguma mensagem para elas sobre a vida e como vivê-la?
R. Apesar de ter a desgraça de sofrer uma doença neuronal motora, tive muita sorte em praticamente todo o resto. Tive a sorte de trabalhar em física teórica, um dos poucos campos nos quais minha incapacidade não era um obstáculo sério, e de ser premiado com a popularidade de meus livros. Meu conselho para outras pessoas com incapacidades seria que se concentrassem em coisas que sua deficiência não as impeçam de fazê-las bem feitas, e que não se lamentem por aquelas nas quais o problema interfere.
Tudo está na mente. Preciso admitir que, quando não sigo o assunto de uma conversa, costumo divagar em reflexões sobre física e buracos negros. De fato, de certo modo minha incapacidade foi uma ajuda. Não preciso dar aulas e participar de comitês chatos, e me deu mais tempo para pensar e pesquisar.

Aprendi a não olhar muito à frente, a me concentrar no presente
P. Muitos cientistas de renome mundial, entre eles 12 prêmios Nobel, participarão do Starmus 3 para reverenciá-lo. Será um acontecimento histórico. Existe algo especial que o senhor queira ver no Starmus 3?
R. O Starmus 3 não se trata somente de buracos negros, campo no qual realizei um trabalho importante, mas abarca também a música e a arte. O Starmus 3 é o lugar onde a ciência séria se encontra com um público mais amplo; onde o pensamento intelectual, as nuances e a complexidade são reverenciados; onde se explora a maneira como trabalham os cientistas e onde são forjadas novas ideias.