segunda-feira, 29 de novembro de 2021

A simplória estreia de Tarantino como escritor

Quentin Tarantino


A simplória estreia de Tarantino como escritor

O romance “Era uma vez em Hollywood”, adaptado do roteiro homônimo de um filme do cineasta norte-americano, mostra que não dá para vencer todas
26/08/2021

A carreira do roteirista e diretor norte-americano Quentin Tarantino é inegavelmente bem-sucedida, com alguns clássicos contemporâneos na conta — como Cães de aluguel (1992), Pulp fiction (1994) e os dois volumes de Kill Bill, sendo o primeiro de 2003. São nove filmes ao todo — e o mais recente, Era uma vez em Hollywood (2019), acaba de ser adaptado para um romance homônimo. A obra foi traduzida pelo gaúcho André Czarnobai, que conversou com o Rascunho por e-mail.

Na história, ambientada no final de 1969, o ator Rick Dalton e o dublê (assassino, veterano de guerra) Cliff Booth dividem cena com a Família Manson, responsável — no mundo real, não na recriação de Tarantino — pela morte da atriz Sharon Tate, e um sem-fim de referências aos programas, filmes e até produtos da época. Trata-se, grosso modo, de dois amigos às voltas com os perrengues de um mundo em desencanto. “As maiores dificuldades [de tradução] ficaram por conta dessa mistura maluca de personagens (e situações) ficcionais e reais”, explica Czarnobai.

Apesar dessa “mistureba”, bem condizente com a “pegada” de Tarantino enquanto diretor de cinema (afeito aos acenos para clássicos da sétima arte, exageros de todo tipo, diálogos marcantes), o tradutor gaúcho explica: “O texto original era extremamente limpo e fluido, direto ao ponto, sem grandes malabarismos estilísticos”. No português, também, a prosa não parece truncada em nenhum momento.

O livro se desenvolve por meio de recursos literários “simples”, como saltos temporais, lembranças e uma narrativa bem dilatada — percorridas 200 páginas, passa-se somente um dia no tempo da história. Há uma forte impressão, em geral, de que se trata de um escritor começando a lidar com os recursos disponíveis na arte da escrita — o que se evidencia bastante nos momentos que se pretendem mais dramáticos, por exemplo, protagonizados por uma pequena atriz que interpreta Mirabella Lancer.

“Achei um bom livro, com bons personagens e ótima história. Estilo inexiste, voz meio neutra”, comenta Czarnobai. “Achei tudo bem certinho, morninho, sem grandes momentos de genialidade (mas também nada passível de crítica). Bem correto, eu diria. Mas sem brilho”, completa um dos criadores do pioneiro fanzine CardosOnline, o COL, que existiu por 278 edições.

 • 

A prosa do Tarantino, em português, veio bem “limpa”. Teve alguma dificuldade específica na tradução?
Que bom saber disso. Sinal de que fiz bem meu trabalho de tradutor. O texto original era extremamente limpo e fluido, direto ao ponto, sem grandes malabarismos estilísticos. Praticamente não teve uso de gírias ou expressões idiomáticas muito obscuras (apesar de ser um livro que se passa nos anos 1970, finzinho dos 60), e eu não lembro sequer de ter de consultar o dicionário com muita frequência. As maiores dificuldades ficaram por conta dessa mistura maluca de personagens (e situações) ficcionais e reais. Tive que fazer bastante pesquisa específica sobre filmes e seriados de TV da época (com uma dificuldade adicional, pois vários deles — sobretudo os com temática de faroeste — não foram exibidos no Brasil). Volta e meia o Tarantino mete um nome de um diretor, produtor, dublê ou até contrarregra real no meio de vários personagens que ele inventou, ou (pior) coloca um personagem fictício num acontecimento real. Isso deu um certo trabalho. Fora isso, algumas referências específicas a produtos (tipo um substituto para o café que um personagem idoso bebe) ou radialistas de Los Angeles. Mas foi só.

• Acha que o Tarantino estreou com uma mão boa para a literatura? O que mais te agradou na obra?
Os personagens são ótimos e as situações sensacionais, mas não achei particularmente exuberante o texto em si. Em texto, não achei que ele tem uma voz muito destacada ou marcante.

 

QUENTIN TARANTINO COM BRAD PITT E LEONARDO DICAPRIO, PROTAGONISTAS DE “ERA UMA VEZ EM HOLLYWOOD”

 

• Alguma coisa te incomodou nesse livro de estreia, esteticamente falando?
Nada em específico. Achei um bom livro, com bons personagens e ótima história. Estilo inexiste, voz meio neutra. Tem um trecho específico em que Cliff Booth entra numa loja de discos pra comprar uma fita (que inclusive não é muito conhecida por aqui, “8-track”) e, como a vendedora é loira como o dublê, ele faz uma analogia muito fora do tom sobre planetas e sóis e órbitas (algo assim). Aquilo me incomodou bastante. De resto, achei tudo bem certinho, morninho, sem grandes momentos de genialidade (mas também nada passível de crítica). Bem correto, eu diria. Mas sem brilho.

• Acompanha o trabalho cinematográfico do Tarantino? Acha que ele pode se tornar um escritor tão cultuado quanto é como roteirista e diretor?}
Gostei mais de seus filmes na primeira vez que os vi, embora alguns eu siga revendo e gostando muito (principalmente Bastardos inglórios e Pulp fiction). O último que vi foi Django livre (do qual também gosto), mas não vi nada depois disso. Se ele pode se tornar um escritor tão cultuado quanto roteirista e diretor? Não sei. Pelo que entendi, esse livro não é original, mas sim apenas uma novelização do seu filme (que é uma prática altamente difundida no mercado editorial americano, bastante rara por aqui). Talvez depois que ele lançar um livro com uma história (e um estilo) totalmente originais seja mais justo fazer essa projeção. Nesse primeiro momento acho muito difícil dizer qualquer coisa.

• E aquela incontornável: o livro faz jus ao filme — ou vice-versa?

 

Não faço a menor ideia, pois não assisti ao filme. Só entendi que o livro contava exatamente a mesma história do filme (e não se propunha a relatar o que aconteceu ou antes ou depois com os personagens) quando estava em dúvida sobre um trecho específico, procurei no Google e caí num link do YouTube para uma cena específica, que então assisti. Fiquei com vontade de assistir ao filme algum dia (algumas sequências parecem ótimas quando as imaginei filmadas), mas sem muita pressa.

RASCUNHO


quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Mark Strand / 89 nuvens

 

Mark Strand
John Dubrok



89 nuvens, de Mark Strand

Rodrigo Garcia Lopes traduz as “89 nuvens” do autor que venceu alguns dos principais prêmios dos Estados Unidos, como o Pulitzer e a Bolsa MacArthur

Tradução: Rodrigo Garcia Lopes

12 de octubre de 2021


  1. A cloud is never a mirror
    Uma nuvem nunca é um espelho
  1. Words about clouds are clouds themselves
    Palavras sobre nuvens são nuvens também
  1. If snow falls inside a cloud, only the cloud knows
    Se cai neve dentro de uma nuvem, só a nuvem sabe
  1. For every cloud there is another cloud
    Para cada nuvem há outra nuvem
  1. A cloud dreams only of triangles
    Uma nuvem sonha só com triângulos
  1. A cloud is a season of white
    Uma nuvem é uma estação de branco
  1. The dazzle of clouds is a falsehood
    O deslumbre das nuvens é uma falsidade
  1. The bones of clouds have been removed
    Os ossos das nuvens foram retirados
  1. The museum of clouds shows only Snow White
    O museu de nuvens exibe só Branca de Neve
  1. Clouds are soft fruit
    As nuvens são frutas macias
  1. The flowing of clouds is like afternoon after afternoon
    O fluir das nuvens é como uma tarde após a outra
  1. If a parrot is lost in a cloud, it turns into a rainbow
    Se um papagaio se perde numa nuvem, ela se torna um arco-íris
  1. Clouds are in love with horizons
    As nuvens estão apaixonadas pelos horizontes
  1. One speaks into a cloud as one would a telephone
    Alguém fala numa nuvem como se fosse num telefone
  1. A sky without clouds is bald and blue
    Um céu azul sem nuvens é careca e carente
  1. Clouds of the sea smell of the sea
    As nuvens do mar têm aroma de mar
  1. Black clouds are noble and troubled
    As nuvens negras são nobres e perturbadas
  1. The cloud that was gone would never come back
    A nuvem que foi embora nunca mais voltaria
  1. The sorrow of clouds is beyond our imagination
    A tristeza das nuvens está além de nossa imaginação
  1. Clouds are thoughts without words
    As nuvens são pensamentos sem palavras
  1. Clouds are slaves of the wind
    As nuvens são escravas do vento
  1. A cloud without shape is always open
    Uma nuvem sem forma está sempre aberta
  1. Clouds are drawn by invisible birds
    As nuvens são puxadas por pássaros invisíveis
  1. If clouds had arms, they would embrace
    Se as nuvens tivessem braços, se abraçariam
  1. A cloud without you is only a clod
    Uma nuvem sem você num vem só
  1. A cloud in Nevada is nothing in Utah
    Uma nuvem em Nevada não é nada em Utah
  1. A horse is a cloud with eyes and a tail
    Um cavalo é uma nuvem com olhos e um rabo
  1. Clouds at sunset put on their dresses and go out for the night
    As nuvens no poente põem seus vestidos e saem para a noite
  1. When a cloud smells of tuberoses it starts to die
    Quando uma nuvem cheira a tuberosa, ela começa a morrer
  1. The depth of a cloud depends on who’s listening
    A profundidade de uma nuvem depende de quem a ouve
  1. A wild cloud should never been ridden
    Uma nuvem selvagem nunca devia ser cavalgada
  1. A dirty cloud is a dirty joke
    Uma nuvem suja é uma piada suja
  1. An excess of cloud leads to despair
    Nuvens em excesso levam ao desespero
  1. A cloud in disguise is more of the same
    Uma nuvem disfarçada é mais do mesmo
  1. Every lake desires a cloud
    Todo lago deseja uma nuvem
  1. Clouds in closets become clothes
    As nuvens nos armários se tornam roupas
  1. The sane see themselves in one cloud, the mad in many
    Os sãos se veem em uma nuvem só, os loucos, em muitas
  1. Three round clouds went back and forth
    Três nuvens redondas num vaivém
  1. A necklace of cloud is a precious gift
    Um colar de nuvens é um presente precioso
  1. An anklet of clouds is in bad taste
    Uma tornozeleira de nuvens é de mau gosto
  1. When a cloud forgets, distance grows
    Quando uma nuvem se esquece, a distância cresce
  1. Clouds vanish before they are named
    As nuvens se desvanecem antes de ganharem nomes
  1. A cloud will follow whatever is moving, even a mouse
    Uma nuvem segue tudo o que se move, até um camundongo
  1. A cloud with furs tries to keep warm
    Uma nuvem com peles tenta se aquecer
  1. A cloud with a head in it isn’t a cloud
    Uma nuvem com uma cabeça dentro não é uma nuvem
  1. When a cloud barks, the dogs come running
    Quando uma nuvem late, os cães vêm correndo
  1. We keep our vigils that clouds may live
    Velamos para que as nuvens possam viver
  1. One listens to the sound of clouds as to a distant whisper
    Escuta-se o som das nuvens como um sussurro distante
  1. A cloud is a false heaviness
    Uma nuvem é um fardo falso
  1. When a cloud touches a cow nothing happens
    Quando uma nuvem toca uma vaca não acontece nada
  1. A cloud with grass growing on it is a wrong cloud
    Uma nuvem onde cresce capim é uma nuvem equivocada
  1. A cloud is a cathedral without belief
    Uma nuvem é uma catedral sem crença
  1. The tedium of clouds is endless
    O tédio das nuvens é infinito
  1. A cloud is mansion without corners
    Uma nuvem é uma mansão sem quinas
  1. A cloud lit from within is somebody’s study
    Uma nuvem acesa por dentro é o estúdio de alguém
  1. Sinuous clouds float above Singapore
    Nuvens sinuosas sobrevoam Singapura
  1. A humble cloud will never rumble
    Uma nuvem de boa nunca reboa
  1. The intelligence of cloud cannot be overstated
    A inteligência da nuvem não pode ser exagerada
  1. November is National Cloud month
    Novembro é o Mês Nacional da Nuvem
  1. The Prince of Cloud will reign for years
    O Príncipe das Nuvens reinará por muitos anos
  1. The cloud carousel is a sight to behold
    O carrossel da nuvem é uma coisa pra se admirar
  1. “Stand back, ye clouds!” it’s a brave line
    “Afastai-vos, nuvens!” é um verso corajoso
  1. Windows in the cloud chateau always need cleaning
    As janelas no castelo de nuvens sempre precisam de faxina
  1. A trivial cloud sits on a column
    Uma nuvem trivial senta-se numa coluna
  1. It is not like a cloud to be in two places at once
    Uma nuvem não costuma estar em dois lugares ao mesmo tempo
  1. Clouds cannot stand in the way
    As nuvens não podem atravancar o caminho
  1. Clouds cannot see what we do under the umbrella
    As nuvens não podem ver o que fazemos debaixo do guarda-chuva
  1. You can ban clouds, but so what
    Você pode proibir as nuvens, mas e daí
  1. There are the volumetric days of cloud parades
    Há dias volumétricos de desfiles de nuvens
  1. You are so handsome you must be a cloud
    Você é tão bonito, deve ser uma nuvem
  1. It’s a peanut, no, it’s a cloud
    É um amendoim, não, é uma nuvem
  1. Hola, thou pampered clouds of Asia
    Olá, nuvens mimadas da Ásia
  1. Super clouds speed across the sky
    Supernuvens aceleram pelo céu
  1. When a cloud hums, the willow weeps
    Quando uma nuvem cantarola, o salgueiro chora
  1. Tell me, old heart, who is the reddest cloud of all
    Me diga, velho coração, qual a nuvem mais rubra de todas
  1. A cloud that left a million years ago is back
    Uma nuvem que partiu há um milhão de anos está de volta
  1. A vertical cloud calls for champagne
    Uma nuvem vertical pede champanhe
  1. Call me back, my cloud, my love
    Me ligue de volta, minha nuvem, meu amor
  1. The kingdom of cloud disappeared overnight
    O reino da nuvem desvaneceu da noite pro dia
  1. A poet looks at a cloud the way a man looks at a shrub
    Um poeta olha uma nuvem do jeito que um homem olha um arbusto
  1. I love the cloud in you, she said, looking at my shirt
    Amo a nuvem em você, ela disse, olhando a minha camisa
  1. She was made of ice and I of cloud
    Ela era feita de gelo e eu de nuvem
  1. Ohio is mine, she said, it doesn’t need clouds
    Ohio é meu, ela disse, não carece de nuvens
  1. Golden memories, golden clouds, golden loss
    Lembranças douradas, nuvens douradas, perda dourada
  1. Squeeze an orange and get juice, squeeze a cloud and get nothing
    Esprema uma laranja e extraia suco, esprema uma nuvem e extraia nada
  1. The blond secretaries of the Royal Cloud lounge at the pool
    As secretárias loiras da Nuvem Real relaxam na piscina
  1. Here comes the cloud again, all foam and glare
    Lá vem a nuvem de novo, toda espuma e esplendor
  1. Slender shafts of sunlight shoot through the cloud
    Raios esguios de sol penetram a nuvem
  1. Feats of the inhuman: cloud love
    Façanhas do inumano: amor de nuvem


MARK STRAND
Nasceu Summerside, no Canadá, em 1934. Poeta, escritor e tradutor, ganhou alguns dos mais importantes prêmios norte-americanos. Com “Blizzard of one”, de 1998, venceu o Pulitzer de Poesia. Anos antes, em 1987, foi contemplado com a Bolsa MacArthur. Morreu aos 80 anos, em 2014, nos Estados Unidos.




quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Contos inéditos de Naguib Mahfuz

 

Naguib Mahfuz



Contos inéditos de Naguib Mahfuz


“O sussurro das estrelas”, em pré-venda pela Carambaia, reúne narrativas breves do único escritor de língua árabe a vencer o Nobel de Literatura
Curitiba
11 de março de 2021


A Carambaia anuncia a pré-venda do livro O sussurro das estrelas, de Naguib Mahfuz (1911-2006). Traduzidos diretamente do árabe por Pedro Martins Criado, os 18 contos foram encontrados pelo jornalista egípcio Muhammad Shoair e liberados para publicação por Umm Kulthum, filha do autor.


Tradição, paternidade, casamento e maternidade são alguns dos temas presentes na seleta, que traz narrativas como PerseguiçãoO forno e A tempestade. Para Roger Allen, maior especialista ocidental na obra de Mahfuz, o conjunto apresenta “uma nítida unidade de localização, propósito e estilo”.

Agraciado com o Nobel de Literatura em 1988, o prosador e poeta transitou por vários gêneros literários e temas ao longo dos anos. Suas narrativas abarcam o romance histórico, o realismo social e, em sua última fase criativa, uma forte levada simbólica. Miramar (1967), Começo e fim (1949) e O sussurro da loucura (1938) são algumas de suas publicações.




O Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.