sábado, 13 de novembro de 2021

Mohamed Mbougar Sarr, o novo fenômeno literário da língua francesa

 

O romancista Mohamed Mbougar Sarr posa após ser premiado com o Goncourt por ‘La plus secrète mémoire des hommes’.BERTRAND GUAY


Mohamed Mbougar Sarr, o novo fenômeno literário da língua francesa

‘La plus secrète mémoire des hommes’, a ficção sobre a busca de um escritor lendário e esquecido, conquista o Goncourt, prêmio de maior prestígio das letras francesas


MARC BASSETS
Paris - 

O novo fenômeno das letras francófonas, Mohamed Mbougar Sarr (Dakar, 31 anos), é um escritor com estilo acelerado e torrencial, um romancista que escreve sobre romancistas africanos perdidos na Europa e doentes de literatura, um narrador que agarra o leitor na primeira linha e não o solta ao longo de mais de 600 páginas. Seu modelo literário, seu ídolo, como proclamou em romances e como se adivinha em cada parágrafo de La plus secrète mémoire des hommes (A mais secreta memória dos homens), premiado na quarta-feira com o Goncourt, é Roberto Bolañrobeo (1953-2003), o último clássico da literatura latino-americana, o último com uma verdadeira irradiação global.


“Um mestre da escrita, um mestre da leitura”. É assim que o vencedor do prêmio de maior prestígio da literatura na França define o autor de Os detetives selvagens. Bolaño, explicou em uma entrevista ao jornal Libération, mudou sua vida como leitor e como escritor. Uma longa citação sobre a perenidade e o ocaso das grandes obras, extraída de Os detetives selvagens, abre o romance premiado. O título sai desta citação. Tanto a estrutura —um misto de diários, depoimentos, relatos— quanto o tom e os temas —exilados ou expatriados que sonham ser escritores, jovens românticos e atrevidos atrás do rastro de um autor lendário e esquecido— são devedores do escritor e poeta chileno.


Mohamed Mbougar Sarr cresceu no Senegal, ex-colônia francesa. É o mais velho de uma família de sete irmãos; seu pai é médico. Foi educado em uma prestigiosa escola militar de seu país e na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Mora na França e sua língua literária é o francês. Escreveu três romances que receberam o aplauso da crítica e prêmios, mas obtiveram pouca repercussão pública. O Goncourt, concedido a um romance publicado no ano em curso por um júri de dez escritores durante um almoço no restaurante parisiense Drouant, muda tudo. O vencedor recebe um cheque de 10 euros, mas o verdadeiro prêmio são as vendas: o Goncourt de 2020, Hervé Le Tellier, que venceu com L’anomalie (A anomalia, ainda sem edição no Brasil), vendeu mais de um milhão de exemplares.


La plus secrète mémoire des hommes venceu na primeira votação. Competia com três outros finalistas: Christine Angot, com Le voyage dans l’Est; Sorj Chalandon, com Enfant de salaud e o haitiano Louis-Philippe Dalembert com Milwaukee blues. No mesmo restaurante estava sendo concedido outro dos grandes prêmios de outono, o Renaudot, que foi para Amélie Nothomb, com Premier sang. Nas últimas semanas, dois outros grandes prêmios foram entregues: o Médicis, para Angot, e o Fémina para S’adapter, de Clara Dupont-Monod.


O prêmio de Mohamed Mbougar Sarr coincide com o centenário do Goncourt concedido ao martiniquense René Maran pelo romance Batouala, o primeiro negro a recebê-lo. O prêmio conquistado por Sarr chega depois de o escritor tanzaniano de língua inglesa, Abdulrazak Gurnah, ter ganhado o Nobel de Literatura. Em declarações à imprensa no restaurante Drouant, o novo Goncourt, que iniciou uma tese de doutorado sobre o pai da literatura negra em francês, Léopold Sedar Senghor, declarou: “Não gostaria que se pensasse que esta recompensa é algo excepcional, um favor que se faz a um escritor africano que o recebeu porque é africano”.


Em La plus secrète mémoire des hommes, o narrador zomba dos escritores africanos “que se deixavam encerrar no olhar dos outros (...), um olhar-armadilha que exigia deles, ao mesmo tempo, que fossem autênticos —ou seja, diferentes— e no entanto similares —ou seja, compreensíveis”. No mesmo parágrafo investe contra “seus leitores ocidentais (ousemos dizê-lo: brancos), entre os quais muitos os liam como um ato de caridade, encantados que lhes divertissem ou lhes falassem do vasto mundo com aquela famosa truculência natural dos africanos que carregam o ritmo na pluma, os africanos que possuem a arte de narrar como à luz da lua, os africanos que não complicam as coisas, os africanos que sabem tocar o coração com histórias emocionantes...”


Narrado por um escritor senegalês que vive em Paris chamado Diégane Latyr Faye, o livro conta a história da descoberta de um romance indescritível, O labirinto do inumano, “o livro sagrado de um deus eunuco”, e a busca por vários continentes de seu autor, TC Elimane, “um Rimbaud negro”. A publicação de O labirinto do inumano em 1938 causou um escândalo; o autor desapareceu. O fictício Elimane é baseado em um autor real: o malinês Yambo Ouloguem, que em 1968 ganhou o prêmio Renaudot com Le devoir de violence (O dever de violência) e, depois de acusações de plágio, desapareceu do mapa. Tanto ele quanto sua obra passaram para o que Mohamed Mbougar Sarr chama de “a outra história da literatura (que talvez seja a verdadeira história da literatura), a dos livros perdidos no corredor do tempo, nem sequer malditos, mas simplesmente esquecidos”.

Mohamed Mbougar Sarr depois de receber o Goncourt.LEWIS JOLY (AP)

Mohamed Mbougar Sarr é o vencedor mais jovem desde Patrick Grainville, ganhador em 1976, com 29 anos. Concedido pela primeira vez em 1903, o Goncourt retoma assim seu espírito original: segundo o testamento de Edmond de Goncourt, deveria ser concedido a um jovem talento, embora ao longo da história esse desejo tenha sido interpretado com excessiva flexibilidade e muitos dos laureados foram autores com uma sólida carreira por trás e, às vezes, próximos da terceira idade.


Que La plus secrète mémoire des hommes, publicada pela editora francesa Philippe Rey e pela senegalesa Jimsaan, consagraria Mohamed Mbougar Sarr foi algo que se viu assim que aterrissou nas livrarias, em agosto. O boca a boca funcionou rápido: ninguém conhecia o autor, mas os que entravam nas primeiras páginas caíam rendidos. “Você já leu?”, dizia-se nos conciliábulos literários do início da rentrée, o início do ano literário em que são publicados mais de 500 romances ao mesmo tempo. A escritora Camille Laurens, que também faz parte do júri do Goncourt, dedicou a ele ardorosos elogios no artigo semanal que publica no suplemento de livros do Le Monde. “Seu domínio impressiona tanto quanto sua recusa às concessões”, afirmou Laurens.


La plus secrète mémoire des hommes foi indicado para os prêmios Médicis, Fémina e Renaudot, além do Goncourt, o que colocou Mohamed Mbougar Sarr em uma situação difícil, pois ele prometeu a Philippe Rey, seu editor, que se figurasse nas listas de três prêmios correria uma maratona, como explicou em setembro em entrevista à agência France Presse. O escritor, que sonhou ser jogador de futebol, alegou não ter a condição física necessária: a turnê de apresentação do livro não lhe deixou tempo para treinar; agora, depois do Goncourt, terá ainda menos.



EL PAÍS


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