segunda-feira, 14 de julho de 2025

Já faz 30 anos que Novo Pesadelo – O Retorno de Freddy Krueger deixa Hollywood sem dormir

Cena do filme O Novo Pesadelo – O Retorno de Freddy KruegerNa imagem, o personagem Freddy Krueger está centralizado, fazendo uma pose de mau. Ele está mostrando a parte de cima da mão direita, que possui garras e está em carne viva e ossos aparentes. Seu rosto está também ferido, com carne e pele clara se misturando. Seus olhos são verdes. Ele veste um suéter de frio com listras vermelhas e verde escuro.
Na versão original, o nome do autor aparece antes do título do filme, Wes Craven’s New Nightmare (Foto: New Line Cinema)

Já faz 30 anos que Novo Pesadelo – O Retorno de Freddy Krueger deixa Hollywood sem dormir

CategoriasDavi Marcelgo
11/12/2024

Franquias em Hollywood não faltam, tem para todo tipo e gosto. Mas o que acontece quando elas, ou até mesmo um gênero, se tornam um pesadelo? Quando em 1984, o primeiríssimo A Hora do Pesadelo estreou, mal sabia Wes Craven que, dez anos mais tarde teria, que desconstruir sua maior criação: Freddy Krueger. O Novo Pesadelo – O Retorno de Freddy Krueger (1994) completa 30 anos em 2024 com muita coisa a ensinar ao Cinema, principalmente ao de super-heróis. 

Além do primeiro e último filme (até 1994), a saga teve outras cinco sequências, todas com outros diretores, algumas com outros protagonistas e uma que até ignora o original. Chegou um momento em que o título original, A Nightmare On Elm Street (algo como O Pesadelo da Rua Elm, em tradução livre) perdeu sentido: a rua nem era mais a protagonista. O local onde os jovens de 1984 viviam é de suma importância para narrativa; a residência que deveria ser lar de proteção é inseguro, namorados e amigos moram em frente, as relações entre os personagens e o público são dependentes da geografia. 

Os personagens deixaram de ser filhos dos responsáveis pela morte de Krueger (Robert Englund) e, cada vez mais, os longas entravam em uma espiral de novos conceitos mirabolantes e cenas de ação (não mais Terror) cada vez mais absurdas, tudo para, de alguma forma, manter-se relevante e cativante ao público. Diferente de outros assassinos slasher, subgênero que sofreu com um tremendo desgaste nas décadas de  1980 e 1990, os filmes do ‘bicho-papão’ não são de todo mal. O quarto filme possui uma atmosfera teen maravilhosa, que combina bem com o fim dos sonhos – afinal, quem mais aspira do que adolescentes? –, e, com todo teor gay, o segundo, apesar das polêmicas, é excelente. Ainda com acertos, os pesadelos ficaram piores e desconectados do que um dia foi a rua Elm.

Cena do filme O Novo Pesadelo – O Retorno de Freddy KruegerNa imagem, a personagem Heather está com expressão de medo. Ela é uma mulher branca, na faixa dos 30 anos, de cabelos claros e cacheados. Seu olho é azul. Ela usa uma roupa escura e um colar. O cenário é um quarto comum, com uma cama e quadro atrás.
Embora seja a protagonista do clássico de 1984, Heather Langenkamp estrela apenas três longas (Foto: New Line Cinema)

Depois de tanta profanação, como fazer do pesadelo um sonho? Wes Craven achou a saída na metalinguagem. Transformou A Hora do Pesadelo em um mero filme dentro de outro filme, e a protagonista Nancy (Heather Langenkamp), na verdade, é Heather, uma atriz de Hollywood. Na trama, ela convive com intensos terremotos e ligações ameaçadoras, a situação se agrava quando seu filho começa a ter crises de sonambulismo. 

Ao longo das sequências, Krueger virou um ícone da cultura pop, e passou de vilão para um personagem ácido e carismático. Quando Wes Craven deu à luz ao ícone, ele havia atribuído tais características, porém, ainda parecia apavorante. A partir do terceiro filme não mais tememos os pesadelos, mas ansiamos para vê-los. Então, o diretor e roteirista decide repaginá-lo.

Em O Novo Pesadelo, ele perde a ‘malemolência’, agora, é malvado em sua totalidade, como um fenômeno da natureza, definido por nascença. Além de mudar a aparência, Craven aposta em uma direção que esconde o personagem. As aparições, em primeiro momento, se garantem em garras saindo do lençol e sentimos a presença de Krueger através de sonhos e elementos familiares, como a cena em que a criança tem facas de cozinha encaixada nos dedos. Quando ele finalmente aparece, é filmado com muita imponência. Ali, o ícone ressuscitava.

Cena do filme O Novo Pesadelo – O Retorno de Freddy KruegerNa imagem, Freddy Krueger está saindo de dentro de um lençol de cama. O lençol na cor azul está com um buraco, Freddy está com a cabeça saindo para fora, encarando, com uma expressão de raiva. Ele está com as mãos nos cantos, abrindo o buraco para enfim sair do lençol. Na esquerda, sua mão possui garras e está em carne viva e ossos aparentes. Seu rosto está também ferido, com carne e pele clara se misturando. Seus olhos são verdes. O ambiente é um quarto iluminado por uma luz azul, noturna.
Além de sete longas nas décadas de 1980 e 1990, a franquia teve série de TV, remake e até crossover com Jason de Sexta-Feira 13 (Foto: New Line Cinema)

A estratégia de descrever uma obra por si mesmo foi utilizada, mais uma vez pelo diretor, dois anos mais tarde, no célebre Pânico (1996), que também crítica o desgaste do gênero. No entanto, não é ‘só’ isso que é motivo de êxtase no último filme da rua Elm dirigido por Wes Craven. Branca de NeveChapeuzinho Vermelho, todos contos de fada que você já leu, ouviu, assistiu e sabe se lá mais o que fizeram com eles, também se tornaram banais, fato é que perderam até o tom macabro pós-adaptação da Disney. O cineasta, então, permite fazer de Freddy Krueger como um conto, capturado por ele e usado tantas vezes que perdeu o sentido e o medo. Só quem poderia sentir medo seria uma criança, que nunca tivera antes contato com esse personagem. Nessa hora, Dylan (Miko Hughes), filho de Heather, entra na história. 

O papel inverte, Heather agora é a mãe que precisa proteger, não mais ser protegida. Nessa tarefa, a nota dela é dez. No que pode ser considerado como um dos grandes momentos do filme, ela confronta médicos que a julgam de louca, mas é ela quem entra no mundo dos pesadelos para salvar seu filho. Em uma bela alusão ao conto João e Maria, dos irmãos Grimm, que é lido por ela antes de pôr o menino para dormir, eles conseguem, juntos, enfiar Krueger no forno. 

Wes Craven entende que, para novamente provocar medo, é preciso voltar às origens, no que provocava medo no passado e o que faz o público fazer xixi nas calças: a relação de mãe e filho parece uma boa pedida. Uma mãe que luta e acredita em seu filho. Nada adianta sonhos megalomaníacos se a conexão de espectador com personagens seja escassa, inclusive, todas as sequências oníricas do filme nem passam perto da loucura dos filmes anteriores. São  mais sutis e simples. 

Cena do filme O Novo Pesadelo – O Retorno de Freddy KruegerNa imagem, Dylan tem facas coladas com esparadrapo nos dedos da mão direita, que está levantada em pose de ataque. A expressão do garoto é de raiva. Ele está na cozinha, ao fundo, em desfoque, há mesa, cadeiras, bancada e utensílios de cozinha. A iluminação é azul escuro. Dylan é uma criança na faixa dos 10 anos, de cabelos castanhos curtos e lisos, pele clara. Ele veste um pijama xadrez verde e branco. Ele veste uma blusa de manga longa.
Miko Hughes ficou conhecido por seu papel como Aaron em Full House (Foto: New Line Cinema)

Tal movimento sobre o gênero se repete agora com o de super-herói. O número de produções ao ano aumentou desde o pré-histórico X-Men (2000), assim, o público caminha para uma certa saturação – ainda que alguns filmes alcancem uma bilheteria grande – e as histórias ficam cada vez mais maximalistas. Porém, com a repetição formulaica e visando somente lucro, a potência desses atos ficaram vazios. Um raio azul em Nova York é só um raio azul; um primeiro voo é só um voo; vestir o traje é vestir pijama. Assim como o slasher perdeu o poder de apavorar, os heróis não encantam

Deadpool (2016) fez uma espécie de crítica aos arquétipos e clichês dos filmes, mas nada tão a fundo quanto Deadpool & Wolverine (2024) fez ao esbanjar da metalinguagem e auto referências de estúdios. O fato é que Shawn Levy, o diretor, não é Wes Craven. A função linguística é usada por mero fanservice, não para discutir como está o gênero e para onde ele vai. Os poucos filmes que deram certo na leva pós Vingadores: Ultimato (2019) foram justamente os que tinham um certo coração, de personagens com vínculos entre si e com público, como Guardiões da Galáxia Vol.3 (2023). 

Coincidentemente, James Gunn, diretor da trilogia cósmica da Marvel, está no comando de Superman (2025) e, talvez, este filme seja a resposta para o desgaste de gênero de super-herói. Retornando às origens, ao Superman: The Movie (1978) de Christopher Reeve, a inocente cueca por baixo da calça, aos pets, às histórias sinceras e não cínicas ou pessimistas. Por ironia do destino, Pânico já está cambaleando e sofrendo dos mesmos efeitos que um dia Hora do Pesadelo sofreu.

Cena do filme O Novo Pesadelo – O Retorno de Freddy KruegerNa imagem, Freddy Krueger e Dylan estão de frente um para o outro. Dylan no lado direito, de costas. Krueger está do lado esquerdo, com a boca arreganhada, o queixo para baixo do pescoço, pronta para devorar Dylan. Dylan é um garoto na faixa dos 10 anos, de cabelos castanhos curtos e lisos, pele clara. Freddy Krueger tem o rosto com cicatrizes, com carne e pele clara se misturando. Seus olhos são verdes. Ambos estão dentro de uma fornalha.
Freddy Krueger foi inspirado em um acontecimento da infância do próprio Wes Craven (Foto: New Line Cinema)

A metalinguagem não é mais novidade e a graça de adivinhar quem é o ghostface já virou conto de natal. Guilherme Leal, redator do Persona – olha aqui a metalinguagem –em sua crítica sobre Pânico 6 (2023), diz que “seria bom dar um descanso a sua imagem e deixá-lo se aposentar como um personagem icônico em vez de torná-lo maçante e superficial”. Era esse o sentimento na década de 1990, antes de O Novo Pesadelo. Infelizmente, Wes Craven não está mais entre nós para tirar sarro de sua própria criação e movimento, porque ele sim iria garantir ao seu público fiel, a pior noite de sono de suas vidas

É como se o gênero tivesse nascido com ele. Afinal, desconstruir sua maior criação, deixá-lo de cara limpa e, ainda assim, manter a curiosidade, o suspense e a tensão na trama, ao mesmo tempo que critica a indústria – sobre fenômenos que acontecem ainda hoje – enquanto equilibra todos esses elementos em um filme que não deixa a ‘peteca’ cair, não é para qualquer um. 

O cineasta intensifica os tormentos porque entende o Terror, o buscando nas origens e nas primeiras histórias que apavoram crianças. Acima de tudo, tal como uma criança chama de madrugada pela mãe, Wes Craven sabe que apenas quem nos ama pode nos tirar do pior pesadelo. Hollywood precisa olhar para as origens e traçar novos caminhos, aprender com Wes Craven, que sempre amou o Terror e foi um dos responsáveis pela solidificação do gênero nos EUA. Chegou a hora de chamar o pai.

PERSONA




domingo, 13 de julho de 2025

Após 15 anos de Arraste-Me para o Inferno, ser levado para os confins da Terra talvez não seja má ideia

 

Cena do filme Arraste-Me para o Inferno Na imagem, a personagem Christine Brown está sendo atacada pelos braços de uma pessoa. Ela está com lama cobrindo todo o cabelo e sujando o rosto, em sua volta tem mais lama. Christine está com expressão de dor. Ela é uma mulher na faixa dos 30 anos, de pele clara e cabelos loiros.
Em 2022, o filme entrou no top 10 dos mais assistidos na Netflix no Brasil (Foto: Ghost House Pictures)

Após 15 anos de Arraste-Me para o Inferno, ser levado para os confins da Terra talvez não seja má ideia

Davi Marcelgo
02/12/2024

Desde Sally (Marilyn Burns) de 
O Massacre da Serra Elétrica (1974) até Grace (Samara Weaving) de Casamento Sangrento (2019), a final girl é praxe no Terror, principalmente no slasher. É ela quem vence o assassino, sobrevive e, de quebra, aparece nas continuações. Mas para Christine Brown (Alison Lohman), do grotesco Arraste-Me para o Inferno (2009), já faz 15 anos que ela está perpetuada nos confins da Terra. O aniversariante que não é um filme de mascarados empunhando facas, sem dúvidas garante uma curiosa discussão sobre mulheres no gênero. 

O recorte de classe também é uma temática já perpassada pelo horror e, neste longa, também é comentado. Morto Não Fala (2018) e Alien, o Oitavo Passageiro (1979) são ótimos exemplos de como o mal age em corpos marcados por alguma razão de exclusão – no caso do filme de Ridley Scott, gênero e cor também fazem parte das discussões que o diretor propõe. Nele, os dois últimos personagens a morrer são um homem negro e uma mulher branca, ambos operários. A final girl, logicamente, é uma mulher. Ripley, sobrevivente, segue protocolos, normas e diretrizes de segurança durante toda história; o irônico é que, para sobreviver na realidade, mulheres e outras minorias também precisam seguir ‘regras’. 

Cena do filme Arraste-Me para o Inferno Na imagem, o rosto da personagem Sylvia Ganush está bem próximo. Em detalhe, estão o nariz e os olhos dela. O olho direito é cego, possuindo uma coloração esverdeada e branca.O olho esquerdo é castanho. Sylvia Ganush é uma mulher de pele clara, na faixa dos 60 anos.
O filme mantém a marca autoral de Raimi; a estética combina nojeira com o cartunesco (Foto: Ghost House Pictures)

Sam Raimi, escritor e diretor, já tinha subvertido expectativas com o inaugural Evil Dead (1981), finalizando-o sem as esperanças de um amanhecer que traz tranquilidade após uma noite alucinante. Considerando os finais de filmes anteriores  dirigidos por Raimi ao terror de 2009, era de se esperar conclusões impactantes, afinal, Homem-Aranha 2 e 3 encerram com sentimento agridoce. Com a história de Chris Brown não foi diferente: após o roteiro enganar os cinéfilos com uma falsa libertação da personagem contra seus demônios, ela é arrastada para o inferno. Na trama, Brown precisa conseguir uma promoção em seu emprego de bancária, para isso, ela recusa o aumento dos prazos para o pagamento das prestações da casa de uma senhora. Revoltada, a cliente a amaldiçoa com poucos dias de vida.

Os personagens já escritos e dirigidos pelo cineasta possuem semelhanças, por exemplo, assim como o trio de Um Plano Simples (1998), Peter Parker e Brown estão ligados pela falta de dinheiro. A only girl de Arraste-Me para o Inferno não só convive com a grana curta, mas também é oprimida pela família de seu namorado, Clay (Justin Long), que tem uma excelente condição financeira. Opressão condicionada inclusive no ambiente de trabalho, ao competir com um colega por um novo cargo, com a garantia de mais renda e status do ponto de vista da sogra. 

O terror vivido por Chris Brown ultrapassa qualquer espírito ‘zombeteiro’ que arremessa panelas em sua cozinha. Começando antes mesmo da praga ser lançada sobre ela, estando presente no recorte social: mulher e pobre. Brown é incentivada a competir com alguém da mesma classe, uma lógica do capitalismo, além de ser incentivada a não ajudar uma senhora também pobre, quando podia fazer isso, sendo castigada pelas suas atitudes. Em uma sociedade patriarcal, ser mulher é estar nessa posição de ganhar menos que o namorado e ter que provar sua capacidade para homens em situações de poder, que vão a legitimar ou não. Vítima do sistema, a protagonista é penalizada sem qualquer análise das motivações durante a vida. 

Em paralelo, no final da terceira temporada de The Good Place (2016-2020) é descoberto que, há mais de 500 anos, ninguém entra no bom lugar (céu), porque realizar uma ação intrinsecamente boa é uma tarefa difícil na contemporaneidade. De repente, comprar uma simples peça de roupa financia indiretamente tráfico humano ou adquirir uma fruta implica no apoio de indústrias alimentícias que expulsam famílias de suas terras. No caso de Chris Brown, ela não realizou uma ação boa, foi apenas para seu próprio benefício, mas assim como a humanidade da série citada, ela é vítima. 

Neste caso, não é tão certo que Sam Raimi e seu irmão Ivan Raimi, que assinam o roteiro, estejam fazendo alguma crítica quanto ao capitalismo ou religiões punitivas, talvez, eles só estejam reproduzindo elementos do Terror sem nenhum tipo de recorte. Porém, na trilogia do aracnídeo, diferente do que muitos autointitulados ‘nerds’ pensam, a personagem Mary Jane (Kirsten Dunst) está longe de ser interesseira e infiel. O diretor sempre pensa em texto e encenação com muita delicadeza, exemplo é a cena de Homem-Aranha 3 (2007) em que ela se sente mais uma em meio a multidão. Raimi também sempre deixou com transparência o relacionamento abusivo com o pai, que leva a ruiva a ter certos comportamentos. Por isso, é possível estender a análise para uma crítica consciente ao capitalismo e seus operários. 

Cena do filme Arraste-Me para o Inferno Na imagem, os personagens Clay e Chris Brown estão em um quarto, sentados na cama, de frente para o outro. Ela está à direita, é uma mulher na faixa dos 30 anos, de pele clara e cabelos loiros. Veste uma roupa de mangas curtas em cores de tom terroso. Ele está à esquerda, é um homem na faixa dos 30 anos, de pele clara, cabelos escuros e lisos. Ele veste camisa social na cor azul e gravata. Ao lado de Chris Brown tem um abajur verde com estampa de folhagens.
Justin Jacob Long tem experiência no gênero, já atuou em Olhos Famintos (2001), Tusk (2014) e Noites Brutais (2022) [Foto: Ghost House Pictures]

Sites e espectadores via Reddit já comentaram que o filme faz uma alegoria a transtorno alimentar. Realmente, Chris Brown vomita e é alvo de vômitos sobre seu corpo ao longo do filme, passa por vitrine de doces e outras cenas que envolvem comida. Ademais, há uma citação sobre ela ter perdido peso e uma fotografia dela, alguns anos antes, posando ao lado de um porco. Dessa forma, outra camada de opressão é adicionada à história: adequação aos padrões estéticos. 

Seja porque supostamente pecam contra a castidade, bebem ou aproveitam a juventude, é válido questionar o que já foi e é indagado no gênero e no Cinema: por que mulheres são mortas com tanta violência? Mas não pensando em como a Arte é um mal que deseja a morte de pessoas e, sim, como de fato é um espelho do contexto social em que estamos inseridos. Para sobreviver, Brown tem de se adaptar às regras das corporações, à etiqueta da família do namorado e também aos padrões de corpo. O verdadeiro terror, este não cartunizado como os outros do filme, é a injustiça de um sistema e de crenças justapostas contra um corpo feminino e pobre. 

PERSONA




sexta-feira, 11 de julho de 2025

10 anos depois, Alien / Isolation continua a nos levar ao espaço para gritar

 

Imagem do jogo Alien: Isolation. A imagem se trata de um close-up do rosto do alienígena Xenomorfo. É uma criatura preta com dentes prateados e afiados. A cabeça longa não apresenta olhos e possui uma testa lisa. De dentro da boca completamente, há outra boca menor com dentes tão brilhantes e afiados quanto a maior que ocupa o lugar da língua da criatura.
É tempo de aproveitar o hype de Alien: Romulus e revisitar essa experiência inesquecível (Foto: SEGA)

10 anos depois, Alien: Isolation continua a nos levar ao espaço para gritar

Iris Italo Marquezini
18 / 11 / 2024

Quando Alien: O Oitavo Passageiro estreou nos cinemas em 1979, a audiência foi surpreendida com uma explosão vinda do peito de um homem. De dentro dele, uma nova criatura surgia repleta de sangue e ansiando, sedenta, por muito mais. Anos depois, sequências bem diferentes do filme original foram lançadas para expandir a história da protagonista Ellen Ripley, incluindo o também clássico dirigido por James Cameron, Aliens (1986). Durante muitos anos, os fãs mais assíduos do primeiro longa, dirigido por Ridley Scott, ficaram órfãos de obras que tivessem uma ambientação claustrofóbica e aterrorizante à altura. Alien: Isolation, jogo diretamente inspirado pelo pioneiro, foge desse cenário ao passo que é exatamente a experiência que os fãs tanto queriam de volta. 

inspiração não é qualquer segredo para os desenvolvedores. O jogo deve tanto ao filme original que a história dele é ligada diretamente com a trama do clássico do Terror,  ainda fazendo o favor de resolver um furo de roteiro de Aliens. Na história, Amanda Ripley precisa encontrar a caixa preta da nave-cargueira Nostromo para chegar a alguma conclusão sobre o paradeiro da mãe, Ellen Ripley, a protagonista do primeiro capítulo da franquia. Após um acidente, a engenheira vai parar na estação espacial de Sevastopol – uma espécie de versão infernal e misteriosa da Deep Space Nine de Star Trek – após ser abandonada por investidores, repleta de vestígios sangrentos de revoltas e massacres. Foram os próprios moradores em uma guerra civil que fizeram isso? Foi o Xenomorfo? É função do jogador preencher as lacunas.

Desenvolvido pela Creative Assembly e distribuído pela SEGA, o jogo, lançado em 2014, decepcionou em vendas, mas não deixou de chamar a atenção. Era comum, na época, o compartilhamento de vídeos de pessoas aterrorizadas e gritando conforme o grande predador da história finalmente percebia a presença da vítima indefesa. Até hoje, inclusive, muitos podem conhecer a obra justamente por causa da viralização desses conteúdos. Outros games da franquia Alien foram lançados, deixando o terror de lado e focando mais na ação presente na sequência de Cameron. Em meio a Outlast (2013), Dead Space 3 (2013) The Evil Within (2014), o jogo conseguiu se destacar dentro do gênero e vencer prêmios, recebendo até indicações ao Game of the Year.

Imagem do jogo Alien: Isolation. Da esquerda para a direita, há um sensor de movimento com tela verde e preta fora de foco. No centro da imagem, mais ao fundo, há um Alien andando prestes a atacar cercado de um laboratório futurista em chamas. Há mesas, armários, cabos e líquidos desconhecidos espalhados para todos os lados.
A visão em primeira pessoa oferece uma imersão ainda maior na narrativa (Foto: SEGA)

Não é à toa que Alien: Isolation encanta fãs do filme original e continua a conquistar um público assíduo mesmo 10 anos depois. A ambientação do jogo é diretamente inspirada na obra de Ridley Scott e H. R. Giger, trazendo a estética retrofuturista única e o sentimento pesado de estar dentro de corredores de maquinários escuros sem ter para onde fugir. Chega a ser divertido pensar que a franquia Dead Space se inspirou diretamente no universo Alien para causar tensão nos jogadores e como a linguagem dessas histórias se converge nesta obra à sua própria maneira. 

A trama é repleta de quebra de expectativas. Um dos exemplos mais claros desse aspecto é a primeira aparição completa do Alien. Surgindo algumas horas depois do começo do jogo, o predador desce de uma ventilação em meio ao silêncio do que parecia somente uma sala monótona repleta de computadores. É neste momento em que a jogabilidade furtiva da narrativa começa a brilhar, já que qualquer mínimo barulho, até mesmo do microfone de quem está jogando, pode chamar a atenção e causar uma morte violenta. 

Uma das maiores provas de como a linguagem de Alien: Isolation sabe causar tensão é a partir da perspectiva de duas das ferramentas adquiridas relativamente cedo na história: o sensor de movimento e o revólver. O sensor ajuda na criação de estratégias para evitar inimigos mas, proporcionalmente, causa medo, já que nem sempre o que aparece no visor está realmente visível nos corredores. Ou seja, mesmo possuindo uma ferramenta para a proteção, esse próprio recurso pode causar paranoia.

Imagem do jogo Alien: Isolation. Há uma mulher branca, de cabelo preto e enrolado e de olhos castanhos no centro da imagem. A personagem é Ellen Ripley, do filme original do Alien de 1979, mas a versão em videogame da personagem, com o mesmo rosto da atriz Sigourney Weaver. É possível vê-la somente do busto para cima. Ela está apoiada com os braços em cima de uma cadeira preta de couro, localizada à esquerda da imagem. Ela utiliza uma jaqueta jeans em cima de uma camiseta branca. Há um relógio retrô no pulso esquerdo dela, com um display e botões coloridos. A personagem possui um semblante sério, impaciente e desafiador.
Sigourney Weaver retorna ao papel de Ellen Ripley na dublagem do jogo (Foto: SEGA)

O revólver em si não é inútil e aparece como uma solução arriscada demais para os problemas. A arma faz muito barulho, depende de munições escassas e não é efetiva contra o Xenomorfo ou os androides, os outros principais inimigos na história, que não são fáceis de eliminar. A sensação de vulnerabilidade é uma constante na experiência; o ato de correr já causa barulho demais para chegar perto de um save point. No menu principal, recomenda-se jogar na dificuldade difícil e essa afirmação faz todo o sentido. Afinal, a narrativa faz o jogador se sentir uma presa que depende da própria criatividade e sorte para escapar de um inimigo quase onisciente. 

Outro complemento para a sensação de ser somente um ser humano indefeso contra a criatura mais brutal da galáxia é o design de som, encabeçado por Mark Angus juntamente a mais de 16 desenvolvedores. A experiência de desfrutar da história com fones de ouvido chega a ser obrigatória, tamanho o empenho dos envolvidos na criação de Alien: Isolation. O jogo nunca oferece um silêncio verdadeiro – há ruídos de computadores e de máquinas operando para manter a estação de Sevastopol funcionando. Em meio a essa cacofonia futurística e artificial, há batidas nas ventilações, e não há nada mais desesperador do que perceber que os passos pesados do Alien no chão de metal começaram a te perseguir. Toda essa ambientação condiz perfeitamente com as descrições de Alan Dean Foster na ‘novelização’ do filme de 1979. 

Por outro lado, uma das reclamações mais comuns acerca do game é a quantidade exaustiva e repetitiva de horas necessárias para zerar a campanha principal. Essa impressão fica clara na segunda metade da narrativa, quando há diversas reviravoltas, muito parecidas com as que a própria Ellen Ripley precisa encarar. A história parece estar prestes a encerrar e a heroína finalmente ficará segura, mas traições acontecem e retornos inesperados do Alien surgem para trazer o inferno à vida da protagonista. Todavia, essa experiência pode ser muito relativa, já que o jogo oferece sim muita variedade pelo aspecto mais memorável de Alien: Isolation uma década depois: a Inteligência Artificial.

Imagem do jogo Alien: Isolation. Em primeiro plano, um Xenomorfo olha para o lado. É possível observar as costelas expostas e o longo rabo e mãos afiadas da criatura. Em segundo plano, há uma porta pouco iluminada, assim como todo o cenário que cerca o Alien.
O ‘organismo perfeito’ do Alien cria dificuldades imprevisíveis para cada jogador (Foto: SEGA)

É a partir do desenvolvimento complexo dos sentidos apurados do Alien que um dos maiores desafios do gênero do Terror na mídia dos videogames nasce. O Xenomorfo pode circular por ventilações e corredores livremente em uma velocidade impressionante. Além disso, o inimigo é atraído pelo som e pela própria visão periférica. Mesmo que o jogador se mantenha distante, a I.A. do jogo é treinada para sempre guiar a criatura para próximo do player. Até mesmo buscar esconderijo dentro de armários da Sevastopol, durante a missão Quarentena, por exemplo, não é garantia de paz, já que existe ainda uma mecânica para segurar a respiração de forma correta. Se você falhar… bom, o Alien vai arrancar a porta fora, abrir a boca enorme e o resto você já sabe.  

Um dos exemplos de como todas essas mecânicas anteriores somadas podem criar experiências marcantes para cada jogador acontece pouco depois da metade da narrativa, em que uma facção de humanos hostis surge em Sevastopol. Neste trecho, já é possível entender mais detalhadamente como os instintos do Alien funcionam. Os residentes da estação estavam fortemente armados e ameaçando acertar qualquer um que se mexesse. Realizar essa ação causa um tiroteio frenético, com todos os inimigos apontando as armas na direção do jogador. Mas o centro de todo o barulho vinha das armas nas mãos deles. Resultado? O Alien foi atraído e aniquilou todos os inimigos. Amanda Ripley consegue fugir. 

São tantos fatores que criam um senso de surpresa que chega a ser triste pensar que o mesmo não pode ser dito dos androides, também chamados de Working Joe. Pode soar irônico, mas esses personagens são extremamente mecânicos, engessados e previsíveis. Embora sejam lentos e fáceis de fugir, o jogo, às vezes, dependeu muito de puzzles para alguns trechos com as presenças deles, já que as ferramentas disponíveis não davam conta da quantidade de inimigos. O jeito, muitas vezes, era deixar a personagem agachada e se mover conforme a rota programada dos robôs ou, até mesmo, correr e tentar evitar ser pega.

Imagem do jogo Alien: Isolation. É uma imagem em close up da personagem Amanda Ripley. A engenheira está com um semblante preocupado e utilizando um equipamento na cabeça que inclui um microfone e uma lanterna, presos À cabeça por uma tiara prateada. Ela olha e conversa atentamente em direção a um computador que está fora do quadro.
Tal mãe, tal filha: Amanda Ripley também é uma final girl (Foto: SEGA)

Outro ponto não tão positivo é o mapa. Embora o radar possua uma espécie de bússola que guia o jogador para o objetivo, há diversos momentos que fica fácil se perder nas idas e vindas entre elevadores e transportes para outras partes da estação. É absolutamente admirável o quão bem feita e plausível é a arquitetura do jogo, com os cenários não envelhecendo e sem problema algum na questão gráfica, mesmo anos depois. Ainda assim, a criação de um labirinto pode até ser um conceito bom para aumentar a tensão de se perder com um bicho bem pior que um minotauro te perseguindo. Todavia, em momentos mais monótonos da história pode gerar, sim, uma frustração quando o mapa não oferece indicações claras. 

Alien: Isolation, porém, possui boas performances nas cutscenes, isto é, as cenas que são inseridas para conectar as fases do jogo e avançar na trama principal. São esses os momentos em que outros personagens começam a aparecer, como o paranóico Axel (Matheus Carrieri), o injustiçado Samuels (Paulo Ávila) e o delegado extremamente suspeito Waits (Hélio Vaccari). Nenhum desses personagens particularmente encanta, mas conseguem alcançar o nível de dramaticidade necessário em momentos marcantes. Nesse sentido, a narrativa acaba em uma situação complicada: para poder causar a sensação de isolamento pela jogabilidade, diálogos para quebrar o silêncio não são exatamente recorrentes. 

Imagem do jogo Alien: Isolation. Trata-se de uma cena na visão de Amanda Ripley. As bordas da imagem são curvas e tampadas e toda a imagem é repleta de reflexos de luz, pois Ripley está utilizando um capacete espacial. Na frente dela, quatro xenomorfos avançam em direção a ela. Todos estão com as bocas abertas, revelando uma segunda boca com os mesmos dentes brilhantes de dentro dela no lugar da língua. Em planos mais distantes, explosões e outros planetas no espaço são visíveis.
Alien: Isolation não poupa esforços para aproveitar o melhor do terror que a franquia tem a oferecer (Foto: SEGA)

A personagem de Amanda Ripley (Fernanda Bullara), inclusive, poderia se tornar menos interessante justamente por conta desse silêncio constante. Felizmente, isso não acontece. Em diversos momentos, é possível perceber como ela se demonstra uma personagem criativa, extremamente capacitada e bastante direta com os outros, pois sabe que não tem tempo a perder. Amanda parece muito com a própria mãe, obviamente, mas possui uma camada maior causada pelo luto nunca processado. 

Nesse sentido, dá a impressão de que ela já chega na aventura esperando algo de errado. A personagem segue o conceito apresentado em The Walking Dead, de que os protagonistas nunca viram nada parecido com zumbis, nem mesmo em filmes, e, por isso, sentem medo genuíno. Amanda Riley é uma personagem que nunca viu o Xenomorfo até o começo da história; no entanto, tem certeza, assim que o vê, que é a criatura mais mortífera da história do universo. É isso que a salva. 

É essa mesma sensação de completa vulnerabilidade, mas ao mesmo tempo de empoderamento e determinação diante do desconhecido, que torna Alien: Isolation uma experiência eufórica para quem joga também. Toda a gama de sentimentos possíveis sentida pela protagonista são transmitidas para quem está segurando o controle. Se o Alien é o organismo perfeito, a sensação de conseguir escapar utilizando poucos recursos, escondendo-se estrategicamente e utilizando ferramentas de forma criativa, causa um alívio que poucos jogos de terror conseguem oferecer. Alien: Isolation é um deles, mesmo 10 anos depois.

Imagem do jogo Alien: Isolation. Da esquerda para a direita, há um sensor de movimento improvisado com um sensor de LED azul de duas barras e coberto de fitas adesivas. No centro da imagem, mais ao fundo, há um alienígena de quatro patas e membros bastante finos andando e prestes a atacar. O cenário é ao ar livre, à noite, em um chão gramado com uma árvore À direita e uma estrutura metálica à esquerda
A Silent Place: The Road Ahead copia? Copia, sim, mas não faz igual (Foto: Saber Interactive)

Desde então, continuações espirituais – e bastante promissoras – inspiradas no game começaram a ser produzidas. Um jogo VR que está para ser lançado chamado Alien: Rogue Incursion, por exemplo, parece utilizar muitos elementos parecidos. Inclusive, demora aproximadamente cinco segundos lendo os comentários dos trailers de A Quiet Place: The Road Ahead (2024), inspirado na franquia Um Lugar Silencioso (2018), para encontrar comparações com o Alien: Isolation. Outra experiência que está por vir é Jurassic Park: Survivor, que aplica a fórmula em um cenário que também se passa bem próximo dos acontecimentos do clássico de 1993, dirigido por Steven Spielberg

Além dessas influências mais óbvias, pode-se dizer que Alien: Isolation teve seus toques em outros jogos como Prey (2017) e Amnesia: The Bunker (2023). Até mesmo Fede Alvarez, diretor do recentemente aclamado Alien: Romulus (2024), revelou ter jogado o game perto do lançamento de Don’t Breath (2013) e gostou do quanto o Xenomorfo e os cenários inspirados na Nostromo ainda podiam aterrorizar nos dias de hoje. Felizmente, mesmo após uma década, a aventura infernal de Amanda Ripley ganhou um aumento de 328% na quantidade de jogadores simultâneos na Steam. De certa forma, se Alvarez foi influenciado, agora é a obra dele que inspira uma série de pessoas a revisitar ou, até mesmo, experienciar esse jogo pela primeira vez. 

Para a surpresa e alegria de muitos fãs, justamente na data de comemoração dos 10 anos do jogo, o diretor criativo Al Hope anunciou nas redes sociais que uma sequência está em desenvolvimento. A Creative Assembly será, novamente, a desenvolvedora encarregada. Alien: Isolation teve, para o choque de muitos, uma  continuação oficial anos atrás: Alien: Blackout (2019). Todavia, trata-se de um jogo para o celular e nos moldes da gameplay de Five Nights at Freddy’s (2014). O game foi desativado e não está mais disponível nas plataformas de aplicativos. Agora, basta esperar para ver se a próxima aventura de Amanda Ripley vai fazer jus ao primeiro capítulo e expandir as pontas soltas, mecânicas e potenciais narrativas e tecnologias que podem oferecer mais uma experiência inesquecível.

Imagem do jogo Alien: Isolation. No centro da imagem há a silhueta de uma mulher de cabelos longos e enrolados. Ela utiliza uma regata e uma calça estilo cargo. Ao redor dela, um corredor cilíndrico cheio de cabos metálicoscanos e vigas a cercam. Há uma fonte de luz amarela forte vindo da frente da personagem, permitindo observar somente a silhueta aterrorizada e andando furtivamente.
Tanto Alien: Romulus quanto Alien: Isolation se passam cronologicamente entre o primeiro e segundo filmes (Foto: Disney+)

De forma geral, Alien: Isolation consegue trazer essa ‘ansiedade boa’ que somente as melhores obras do Terror oferecem. É o tipo de experiência que pode levar o dobro de tempo para quem sente medo até de correr em jogos do gênero para não chamar a atenção. Ainda assim, não há quem não sinta o tempo passar desfrutando dessa obra. Chega a ser impossível, depois de passar por tanta tensão, não esboçar um sorriso quando finalmente se desbloqueia o lança-chamas. Apesar de todo o estresse sentido por Amanda Ripley, o alívio quando o monstro vai embora também é sentido por quem segura o controle. Os sustos também, é claro. Muitos, muitos, muitos sustos mesmo.

PERSONA