sábado, 24 de outubro de 2015

A intimidade exposta de Hilda Hilst

Hilda Hils

EXPOSIÇÃO EM SÃO PAULO

A intimidade exposta de Hilda Hilst

Ocupação em São Paulo explora a vida íntima da escritora e poeta brasileira



    A escritora, em 1954. / FERNANDO LEMOS (ACERVO BANCO ITAÚ )
    "Eu contei pro papi que gosto muito de ser lambida, mas parece que ele nem me escutou, e se eu pudesse eu ficava muito tempo na minha caminha com as pernas abertas mas parece que não pode porque faz mal, e porque tem isso da hora. É só uma hora, quando é mais, a gente ganha mais dinheiro, mas não é todo mundo que tem tanto dinheiro assim pra lamber". Assim é um trecho do livro O caderno rosa de Lori Lamby, uma das obras mais polêmicas da escritora e poeta Hilda Hilst.
    O livro é o primeiro de uma tetralogia obscena, lançada em 1990, depois de ser recusado por algumas editoras e causando, posteriormente ao lançamento, espanto e polêmica. Escrito no formato de um diário, o livro narra em primeira pessoa a história de uma menina de oito anos que vende o corpo incentivada pelos pais. A linguagem é própria de uma criança dessa idade e a história nada tem de dramática, muito pelo contrário. Daí o espanto, causado até hoje por quem lê.
    Embora não tenho sido sua única obra, foi com o Caderno rosa que a escritora, nascida no interior de São Paulo em 1930 (na cidade de Jaú) ficou mais conhecida. "Gosto muito de Lori Lamby, e ela colaborou para me deixar mais conhecida", disse Hilda Hilst certa vez. "Graças à Lori, muita gente procurou meus outros textos". O livro prova que nem todo autor expõe parte de sua biografia em todas as suas obras. Nada pode ser comparado ao Caderno rosa.
    Agora, grande parte do acervo da escritora, poeta e dramaturgaestará exposta, com entrada gratuita, a partir deste sábado 28 no Itaú Cultural. Lori Lamby é apenas uma parte genial de Hilda Hilst, que publicou dezenas de obras entre poemas, ficções e peças de teatro. Seu lado obsceno talvez seja o mais conhecido, mas Hilda Hilst tem textos que exploram outras questões como a busca pelo significado de Deus e da morte.
    A ocupação acompanha o cotidiano da escritora, por meio de notas, agendas, registros de sonhos e reflexões. Parte dos escritos de Hilda Hilst estão expostos para o público ver e manipular e a cenografia promete reproduzir um ambiente intimista, inspirado pela Casa do Sol, em Campinas (SP), onde ela viveu dos 35 anos até morrer, em 2004. Dividida em cinco núcleos, a ocupação é focada nas obras Júbilo,MemóriaNoviciado da Paixão,KadoshA Obscena Senhora DCom os meus olhos de cão e O caderno rosa de Lori Lamby. Parte do conteúdo é inédito em exposição.
    Além do espaço expositivo, a ocupação terá uma programação paralela, incluindo quatro peças baseadas em textos da escritora e um show do cantor Zeca Baleiro com composições sobre os versos de Hilda Hilst.
    A ocupação Hilda Hilst fica em cartaz até o dia 21 de abril, de terça a sexta, das 9h às 20h, no Itaú Cultural (Avenida Paulista, 149). A entrada é gratuita. A programação completa, incluindo as atividades paralelas, podem ser acessadas pelo site do local.




    sexta-feira, 23 de outubro de 2015

    Albert Einstein / A “mais bela” explicação sobre a Criação

    Albert Einstein

    A “mais bela” explicação sobre a Criação, 

    segundo Albert Einstein

    O belga Georges Lemaître também foi sacerdote, além de um formidável matemático

    • Papa Francisco: “O Big Bang não contradiz Deus, o exige”

    Einstein e Lemaître, juntos na Califórnia, em 1933.
    Sabemos que ciência e religião nunca se deram muito bem. Houve um tempo, já distante, que conciliar os dois termos não só era aconselhável, mas quase obrigatório. Caso contrário, perguntem às cinzas de Giordano Bruno ou a seu compatriota Galileu, forçado muito a contragosto a reposicionar a Terra no centro do Universo quando esta já havia encontrado seu lugar. Se para os católicos a situação era difícil, os protestantes não ficavam muito atrás, e Kepler, um contemporâneo de Galileu e Bruno, esteve a ponto ver sua mãe queimada na fogueira assim como a imaginação de Bruno por suposta bruxaria.
    No entanto, nem sempre os preconceitos circulam na mesma direção. Mesmo em tempos mais recentes.
    Talvez um exemplo disso seja o físico e matemático belga Georges Lemaître. Nem mesmo uma cratera na Lua e o nome de uma nave espacial da ESA —o ATV5, que também já virou cinza— nos faz lembrar dele. E isso porque estamos falando do homem que se atreveu a corrigir —educadamente, é verdade— o próprio Albert Einstein, antevendo o que Edwin Hubble comprovaria mais tarde com telescópios de Mount Wilson: a expansão do Universo. O que todos nós conhecemos hoje como o Big Bang.

    MAIS INFORMAÇÕES

    Lemaître nasceu em Charleroi (Bélgica), em 1894. Apaixonado pelas ciências e engenharia, teve que interromper seus estudos aos 20 anos para defender seu país, imerso na Primeira Guerra Mundial, sendo até mesmo condecorado como oficial de artilharia. Não deve ter gostado nada da experiência e, horrorizado, decidiu virar padre.
    Era o ano de 1923. Mas Lemaître não abandonou sua primeira vocação. Sua formação acadêmica em física e matemática foi formidável, começando por sua passagem pela Universidade de Cambridge e terminando com um doutorado no ainda mítico Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
    Pouco depois, em 1927, publicaria em uma revista local o esboço de seu modelo de universo. Partindo dos postulados de Einstein —um cosmos estático de massa constante—, chega a um resultado totalmente diferente: o raio do universo tinha de crescer continuamente para ser estável. Ao tomar conhecimento da hipótese, o gênio alemão rejeita a ideia veementemente: "Seus cálculos estão corretos, mas o modelo físico é atroz". E isso mesmo levando em conta que Lemaître sempre fazia uso da famosa constante cosmológica inventada pelo próprio Einstein, a qual mais tarde o alemão renegaria com mais veemência do que a utilizada por Galileu para escapar da fogueira purificadora. Em 1931, seu trabalho chegou às páginas da Nature, detalhando sua teoria completa do "átomo primordial" ou "ovo cósmico", e de suas linhas surgiria o que depois foi chamada exclusivamente Lei de... Hubble.

    Nunca será possível reduzir o Ser Supremo a uma hipótese científica
    Einstein e Lemaître concordaram em várias ocasiões. Einstein, agnóstico, duvidava do padre belga, já que seu modelo cosmológico logicamente era acompanhado de uma origem divina (?) no espaço-tempo, e tanto ele quanto muitos astrofísicos não gostavam nada disso. Mas o admirava. Uma vez, durante uma estadia em Bruxelas e dando uma palestra diante de um público erudito, Einstein espetou: "Suponho que não devem ter entendido nada, exceto, claro, o abade Lemaître". Em território comanche, juntos em Princeton, Einstein também deixou escapar ao ouvir seu colega belga pregar: "Esta [de Lemaître] é a mais bela explicação da Criação que já ouvi". O detalhe é que realmente estava falando sério.
    Naturalmente, a fama de Lemaître não demorou para chegar ao Vaticano. Apesar das tentativas depreciativas do tão brilhante quanto desbocado Fred Hoyle e dos seguidores da teoria do universo estacionário — o mesmo Hoyle, durante um programa da rádio BBC, batizaria com bastante veneno a teoria de Lemaître como Big Bang, em 1949 —, o modelo de universo em permanente expansão era imparável. Lemaître ocupou diferentes cargos na Academia Pontifícia das Ciências, sendo assessor pessoal do Papa Pio XII. E este não queria deixar passar tal oportunidade. Se o Universo tem 13,7 bilhões de anos, importaria muito se fosse criado em sete dias bíblicos ou em pouco mais de 10 segundos? Para o grande pesar de Pio XII —que, curiosamente, foi elogiado por Einstein em sua defesa dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial—, Lemaître evitou explorar a ciência para o benefício da religião. São suas as palavras:

    Einstein, agnóstico, duvidava do padre belga, já que seu modelo cosmológico era acompanhado de uma origem divina Mas o admirava
    Depois de escutar Lemaître, o prudente Pio XII abandonou a ideia de transformar o Big Bang em um dogma de fé
    "O cientista cristão tem os mesmos meios que seu colega não crente. Também tem a mesma liberdade de espírito, pelo menos se a ideia que tem das verdades religiosas está à altura de sua formação científica. Sabe que tudo foi feito por Deus, mas também sabe que Deus não substitui suas criaturas. Nunca será possível reduzir o Ser Supremo a uma hipótese científica. Portanto, o cientista cristão avança livremente, confiante de que sua pesquisa não pode entrar em conflito com sua fé". Depois de escutar Lemaître, o prudente Pio XII abandonou a ideia de transformar o Big Bang em um dogma de fé.
    Lemaître morreu em 1966, apenas dois anos após a descoberta irrefutável da radiação de fundo em micro-ondas, o eco proveniente da origem do Universo, de seu Big Bang. Talvez seu nome pintado na placa de uma nave espacial não faça justiça suficiente a uma mente —crente ou não— divina.
    Enrique Joven Álvarez é doutor em Ciências Físicas e trabalha como engenheiro no Instituto de Astrofísica de Canarias (IAC). Combina suas tarefas técnico-científicas com a divulgação e publicação de obras de ficção. Publicou dois romances com a astronomia como eixo principal: El Castillo de las Estrellas (RocaEditorial, 2007) e, recentemente, El Templo del Cielo (RocaEditorial, 2013)





    quarta-feira, 21 de outubro de 2015

    Admirado senhor Rivera, caro doutor Einstein

    Admirado sr. Rivera; caro dr. Einstein

    A Feira Internacional do Livro de Guadalajara mostra a relação entre o pintor e o cientista, com duas cartas de 1934 nunca antes exibidas

      MARI LUZ PEINADO Guadalajara (México) 7 DEZ 2013 - 16:33 BRST

      Carta de Diego Rivera a Albert Einstein
      Foto de Saúl Ruiz

      O homem das ciências escreveu a sua carta em 13 de fevereiro de 1934, a máquina, em alemão e sem emendas, no seu gabinete da Universidade de Princeton. O artista respondeu três semanas mais tarde, à mão e em francês, da sua casa no bairro de Coyoacán, na Cidade do México, depois de preparar um esboço que guardou entre seus papéis. O cientista – Albert Einstein – queria dizer ao artista – Diego Rivera – que uma das suas obras o havia comovido, e que o admirava. Rivera, no seu texto, expressou seu fascínio pelo trabalho do cientista de origem judaica. As cartas, que até agora nunca haviam sido exibidas, podem ser vistas atualmente na Feira do Livro de Guadalajara, onde Israel é o país convidado.
      A breve relação entre esses dois personagens parecia condenada ao esquecimento. “Nunca soube que tivessem tido contato, só que meu pai o admirava muito, e que o considerava uma das figuras mais importantes da história”, diz Guadalupe Rivera Marín, filha do muralista e da sua segunda esposa.
      Foi com a abertura do banheiro da Casa Azul, onde Rivera viveu com a pintora Frida Kahlo, que o assunto começou a se iluminar. O cômodo permaneceu fechado durante 50 anos, por desejo de Diego Rivera, que no seu testamento pediu que ninguém entrasse ali durante os 15 anos posteriores à sua morte. A colecionadora de arte Dolores Olmedo, executora do testamento, manteve o veto até morrer. Em 2007, esse banheiro foi aberto, e entre milhares de vestidos, fotos, quadros e cartas, apareceu o esboço da carta que Rivera dirigia a Einstein, como resposta a uma anterior.
      “Com a ajuda do arquivo Einstein, de Israel, foi possível reconstruir essa correspondência entre os dois intelectuais”, declarou na época a pesquisadora Ingrid Suckaer. Após descobrir o esboço, os curadores do arquivo do cientista, mantido no Centro Einstein da Universidade Hebraica de Jerusalém, mergulharam entre os mais de 30.000 documentos pertencentes a essa personalidade, doados por ocasião da sua morte. “Einstein guardou uma cópia da sua carta [a que enviou ao pintor], como fez com muitas outras, em seu arquivo particular”, diz Lior Haiat, porta-voz da delegação israelense na FIL. Em meio a todos aqueles papéis também foi localizada a carta original de Rivera, que ele afinal enviou depois de fazer o esboço que apareceu na Casa Azul.

      Imagem do mural da New Worker's School no que aparece Einstein (abaixo à esquerda). / © ARCHIVO DIEGO RIVERA Y FRIDA KAHLO, BANCO DE MÉXICO, FIDUCIARIO EN EL FIDEICOMISO RELATIVO A LOS MUSEOS DIEGO RIVERA Y FRIDA KAHLO.
      Os fac-símiles das duas cartas que estão expostas em Guadalajara refletem uma grande admiração entre dois dos personagens mais importantes do século XX. “Não poderia citar qualquer outro artista contemporâneo cujo trabalho tenha sido capaz de exercer sobre mim um poderoso efeito similar. Espero que o mundo perceba cada vez mais o que possui no senhor”, datilografou Albert Einstein. “É uma exposição pequena, mas significativa, além de inédita. Trata-se do intercâmbio epistolar de dois dos personagens mais importantes da sua época”, afirma o professor Hanoch Gutfreund, diretor do Centro Einstein e ex-reitor da Universidade Hebraica.
      Einstein louvava o talento de Rivera como muralista, mas foi uma obra em especial que o motivou a lhe escrever. Tratava-se de uma série de 21 painéis portáteis, chamada Retrato da América, que o mexicano pintou em 1933 para a New Worker’s School, de Nova York. Essa série de afrescos de Rivera era a continuação da obra inacabada do mexicano para o saguão do Rockefeller Center. Uma obra que afinal foi destruída porque o muralista nela incluiu um retrato de Lênin, o que não foi visto com muito bons olhos pelos integrantes de uma dinastia que é símbolo do capitalismo. Por isso, eles decidiram tampar o mural, primeiro, e depois mandaram destruí-lo. Rivera se vingou reproduzindo parte daquela obra na New Worker’s School e também no Museu de Belas Artes da Cidade do México, onde se pode ver a obra O Homem numa Encruzilhada.
      Nessa série de painéis, que representavam a história dos EUA, Rivera retratou Albert Einstein. Quando foram revelados os segredos que Diego e Frida escondiam na sua casa, dois livros do cientista foram achados entre os pertences do artista, outro dado que mostra a admiração que Rivera dedicava à figura de Einstein, como também fez constar em sua carta: “Agradeço-lhe por ter, de uma maneira tão valente, tomado partido das minorias espoliadas e dos homens perseguidos, e contra a atual profusão sobre a terra das forças obscuras que ameaçam fazer o mundo cair nos fundos mais baixos da barbárie”.
      Não consta que essas duas figuras tenham tido mais contato nas suas vidas além dessas duas cartas, que durante décadas estiveram perdidas entre milhares de documentos. Inclusive, o fogo apagou o retrato de Einstein, num incêndio que consumiu em 1969 os murais feitos para a New Worker’s School.





      terça-feira, 20 de outubro de 2015

      Frida e Diego discutem no teatro sua conturbada relação

      Diego Rivera e Frida Kahlo

      Frida e Diego discutem no teatro 

      sua conturbada relação



      Leona Cavalli e José Rubens Chachá caracterizados. /DIVULGAÇÃO
      É comum encontrar quem adore Frida Kahlo e também Diego Rivera, dois grandes artistas do começo do século XX no México, assim, separados em sua personalidade e na genialidade que os caracteriza. Menos comum, pelo menos aqui no Brasil, é entender que da soma destes dois resulta uma terceira entidade: o casal.
      Os dois foram retratados em uma biografia de Jean-Marie Gustave Le Clézio – o autor francês que é prêmio Nobel de literatura – que se detém pouco nas trajetórias individuais de cada um para se concentrar nas histórias conturbadas e nas experiências amorosas polêmicas da dupla. O livro se chama Diego e Frida e com uma leve diferença – o nome dela antes do dele – a peça Frida y Diego, em cartaz em São Paulo até 14 de dezembro no Teatro Raul Cortéz, cumpre a mesma missão.
      Escrita pela dramaturga Maria Adelaide Amaral, nome forte do teatro e, de uns bons anos pra cá, também da televisão, e dirigida por Eduardo Figueiredo com cuidadosa direção artística de Guga Stroeter, a obra conta com as atuações despojadas de Leona Cavalli e José Rubens Chachá, caracterizados com toda a pompa e circunstância. Tem início em 1940, momento em que Frida reata seu casamento com Diego depois de um ano separados. Em seguida, faz um flashback para resgatar momentos importantes do dia a dia do casal, até chegar a 1953, um ano antes da morte da pintora em decorrência dos graves problemas de saúde com os quais lutou a vida inteira, principalmente depois de ter sofrido um acidente em um bonde. Ela tinha somente 16 anos, e, no choque, uma barra de ferro “a partiu pelo meio”, prejudicando para sempre sua coluna e seu aparelho reprodutor.
      Está tudo lá: amor desmedido, traições constantes, separações e reconciliações, vontade incontrolável de Frida de ter um filho, visões políticas e a certeza de ambos de que o comunismo era a resposta para as mazelas do mundo em épocas de miséria e guerra. Mas nada na montagem toma o lugar de uma intensa discussão da relação, em que tanto Frida como Diego demonstram que mais impossível do que viver juntos era viver separados. Por isso, a única solução que encontraram foi manter um relacionamento aberto, em que ele seguia adiante com suas amantes, assim como Frida, que foi abertamente bissexual, passou a fazer.
      Maria Adelaide Amaral conta que partiu de pesquisas em livros – certamente uma referência central na peça é a biografia de Le Clézio –, cartas e leituras para escrever o texto. Em todo esse vasto material disponível aí, para todos os curiosos, o interessante é que a autora tenha feito certa homenagem a ela, Frida, usando para isso inclusive a própria boca de Diego: "Você é melhor que eu, meu amor", diz Rivera em um dos trechos, referindo-se ao talento artístico de Frida. "O gênio é você, sou só sua sombra", responde ela.
      Chamam a atenção, na composição geral do espetáculo, a aposta pela trilha sonora ao vivo, feita especialmente para ele pelos músicos Mauro Domenech e Wilson Feitosa, que intervêm 37 vezes entre trocas de cenário e figurino. A plateia vibra sempre que um dos personagens aparece de um canto inesperado do palco, e principalmente quando Frida entra em cena deitada em sua famosa cama, disposta, apesar de convalescente, a participar de sua primeira exposição individual no México, justamente um ano antes de morrer.


      Ambos eram politicamente ativos e ligados ao Partido Comunista. /DIVULGAÇÃO
      Ficam o tempo todo evidentes para o espectador as dores físicas e emocionais dela, mas, mais do que isso, o que ela desejava que o mundo registrasse de sua passagem pela Terra: sua disposição de viver e a paixão desmedida por Diego Rivera. Assim, quem sai do teatro Raul Cortez fica às voltas com a lição ensinada pelo casal: o amor é imperfeito, mas quando de fato existe, se faz maior do que a vida. E não deixa outra saída que vivê-lo até a morte.




      segunda-feira, 19 de outubro de 2015

      As cartas do inédito amor entre Frida Kahlo e um artista espanhol

      Uma das cartas de Frida Kahlo a Bartolí. DOLYLE NEW YORK

      As cartas do inédito amor entre Frida Kahlo 

      e um artista espanhol

      Casa de NY leiloará 100 páginas de correspondências entre mexicana e pintor Bartolí

       Cidade do México 6 ABR 2015 - 20:51 BRT


      A artista mexicana Frida Kahlo. / DOYLE NEW YORK
      Ele dava uma aula de amor que ela nunca tinha experimentado antes. Era apaixonado, carnal, mas também terno. É o que ela diz nas cartas que não assinava como Frida Kahlo, mas como Mara. E ele não era Josep Bartolí, o artista espanhol que teve de fugir da Guerra Civil e sobreviver a campos de concentração, mas Sonja – nome de mulher – e respondia de Nova York. Nessa cidade serão leiloadas em 15 de abril as mais de 25 cartas inéditas que a artista mexicana enviou a seu amante entre 1946 e 1949 em que, além disso, fala de uma possível gravidez até agora desconhecida.
      Em uma carta de 46, a artista confessa ter tido um atraso menstrual. E então aparece a Kahlo mais melosa: “Consegue imaginar um pequeno Bartolí ou uma Marita?”

      Uma das cartas escritas por Kahlo a Bartolí. / DOYLE NEW YORK
      Imobilizada em uma cama de Nova York, esperando uma difícil operação em sua coluna vertebral, Frida conheceu Bartolí graças a sua irmã. Cristina, que tinha acompanhado a artista ao hospital, apresentou-os e ele a visitou nos dias em que esteve internada. Quando se recuperou e retornou ao México, começaram uma intensa correspondência. Sempre assinando com nome de mulher para evitar as suspeitas de seu marido. “Rivera tolerou o amor de Kahlo com outras mulheres, mas era tremendamente ciumento com os homens”, explica Hayden Herrera, biógrafa de Frida Kahlo.
      A casa Doyle, encarregada do leilão, explicou que as cartas contêm vários desenhos, fotografias, flores imprensadas e outras lembranças. Somam, ao todo, mais de 100 páginas. Bartolí guardou a correspondência com Kahlo até sua morte, em 1995, e posteriormente sua família vendeu-as a seu atual dono, que agora leiloa o material. A expectativa é que as cartas alcancem um valor entre 80.000 e 120.000 dólares (240.000 a 360.000 reais).
      Kahlo também fala em seus textos sobre algumas de suas pinturas mais conhecidas, de sua tumultuada relação com o muralista mexicano Diego Rivera, da dificuldade que enfrentava para desenhar por causa de sua doença e da solidão que sentia. Em uma carta datada de 12 de dezembro de 1946, a artista conta: “Estou trabalhando devagar, mas com muito prazer. Terminei um desenho que devia a Marte R. Gómez, e não é muito feio”.


      Uma das cartas de Frida Kahlo a Bartolí. / DOLYLE NEW YORK
      Hayden Herrera, adverte que as cartas fazem sentir certa claustrofobia, como a que ela devia sentir em sua vida. E faz certa chantagem emocional com Bartolí: “Promete que vai melhorar por ele, que só ele pode fazê-la feliz e que ele é o apoio sem o qual não poderia pintar”, aponta Herrera.
      Em outubro de 1946 Kahlo escreveu: “Meu Bartolí... não sei como escrever cartas de amor. Mas quero te dizer que meu ser está aberto para ti. Já sabes, meu céu, choves sobre mim e eu, como a terra, recebo-te. Mara”.



      domingo, 18 de outubro de 2015

      Frida Kahlo / Sempre Frida




      'Frida sentada no jardim', parte da exposição 'Frida Kahlo. Mirror, mirror...'. / FLORENCE ARQUIN
      Antes mesmo de ser vista, Frida Kahlo (1907-1954) era ouvida. Carlos Fuentes recordava o tilintar dos brincos, braceletes e miçangas que certa noite antecedeu a imponente chegada da pintora ao camarote do Palácio de Belas Artes, na Cidade do México. Ninguém ficava indiferente ao magnetismo irradiado pela mulher do imenso Diego Rivera, 20 anos mais jovem que ele, “uma boneca só no que se refere ao tamanho”, como descreveu o fotógrafo Edward Weston.
      Mais de seis décadas depois de sua morte, o fascínio em torno de Frida não só permanece vivo como ainda cresce, deixando de lado a sombra do seu marido. Centenários, biografias, filmes, documentários, óperas e ímãs de geladeira à parte, a popularidade de Kahlo vai além dos mapas e calendários de efemérides: em 2015, ao menos sete exposições ao redor do mundo celebraram diferentes aspectos do seu legado em São Paulo, Londres, Detroit, Cidade do México, Fort Lauderdale e Nova York. Atualmente, as abordagens a Kahlo incluem desde a exposição de algumas cartas dela até a recriação das plantas do seu jardim, passando por uma conferência sobre seus problemas médicos, proferida por uma reumatologista, além de pinturas de sua autoria.

      MAIS INFORMAÇÕES

      fridomania parece alcançar um novo apogeu. “Ela move muitas emoções em diferentes setores: a mulher traída, a deficiente, o que havia de aguerrido em sua personalidade apesar dos seus problemas físicos e da sua luta política. E, além disso, através da sua obra todos nos tornamos confidentes da sua vida”, diz por telefone a fotógrafa Cristina Kahlo, sobrinha-neta da artista e curadora da exposição Ecos de tinta e papel.A intimidade de Frida Kahlo. Até novembro, essa mostra reúne correspondências e fotografias no Museu Casa-Ateliê Diego Rivera e Frida Kahlo, na Cidade do México.
      Nessas cartas, dirigidas entre outros ao seu querido doutorzinho Leo Eloesser, fica patente a dor física que marcou a vida de Kahlo, assim como a profunda amizade que a uniu à atriz Dolores del Río e ao arquiteto Juan O’Gorman. Kahlo chegou a passar por 30 cirurgias e, depois de uma intervenção na coluna, sua irmã Matilde descreve ao médico como lhe fixaram as vértebras com osso, e o calvário que ela padeceu. Escreve que a dor não podia ser atenuada com morfina, pois Frida não a tolerava.

      Exposições

      Ecos de tinta y papel. De la intimidad de Frida Kahlo. Museu Casa-Ateliê de Diego Rivera e Frida Kahlo, Cidade do México. Até novembro.
      Frida Kahlo. Mirror, Mirror... Galeria Throckmorton Fine Art, Nova York. Até 12 de setembro.
      Frida Kahlo. Art, Garden, Life. Jardim Botânico de Nova York. Até 1º. de novembro.
      Frida Kahlo - conexões entre mulheres surrealistas no México. Instituto Tomie Ohtake, São Paulo. De 27 de setembro a 10 de janeiro de 2016
      Mestra da autoexposição, retratando-se obsessivamente em suas telas, e paradoxalmente também da ocultação –camuflando sob folclóricas saias as sequelas da poliomielite que contraiu quando criança e do terrível acidente que sofreu mais tarde, ao ser esmagada na colisão entre um ônibus e um bonde –, Kahlo passou a vida diante das lentes. Quando morreu, cerca de 4.000 fotografias cuidadosamente arquivadas foram encontradas na sua casa.
      Antes do boom dos paparazzi e da explosão dos selfies, a icônica imagem projetada por Kahlo já parecia irresistível. A lista de fotógrafos que a retrataram começa com seu pai, Wilhem Kahlo, e inclui de Cartier-Bresson a Ansel Adams. “É excepcional como encontrou a maneira de evocar diferentes facetas de si mesma diante de cada lente. Refletia o que cada um queria ver”, diz o catedrático Salomon Grimberg, autor do texto que acompanha o catálogo deFrida Kahlo. Mirror, Mirror... (espelho, espelho meu...), exposição da galeria nova-iorquina Throckmorton que, até 12 de setembro, reúne meia centena de flagrantes de Kahlo clicados por Dora Maar, Nickolas Muray e Lucienne Bloch, entre outros. Grimberg argumenta que a fotografia foi a entrada de Frida para o mundo da estética, e se detém nas imagens que Lola Álvarez Bravo registrou da pintora em diferentes espelhos: “É como se o reflexo fosse o próprio sujeito. Mostram sua luta por manter seu sentido do eu”.


      Capa do livro 'Frida Kahlo: The Giséle Freund Photographs'.
      A artista desembarca em São Paulo em setembro, com o início da exposição Frida Kahlo - conexões entre mulheres surrealista do México, que acontece entre o dia 27 daquele mês até 10 de janeiro. Ela é o destaque da mostra no Instituto Tomie Ohtake, que reunirá obras icônicas de Frida e de outras artistas mexicanas, como Maria Izquierdo, Remedios Varo e Lenora Carrington.

      A lente de Gisèle Freund

      Aluna de Theodor Adorno, amiga de Walter Benjamin e integrante da agência MagnumGisèle Freund teve um privilegiado acesso ao entorno de Rivera e Kahlo. Seu trabalho foi exibido em julho no Museu de Arte Moderna do México, e algumas das suas imagens estão incluídas na exposição da galeria Throckmorton. Mas é no livro Frida Kahlo: The Gisèle Freund Photographs(editora Abrams & Chronicle Books, 2015) que melhor se pode apreciar a conexão da fotógrafa com o casal de artistas. “Muitas de suas fotos são naturezas-mortas da casa, uma espécie de retrato de ambiente onde transparece algo genuíno”, diz por telefone Lorraine Audric, especialista em Freund e autora do epílogo do livro. “São imagens que não oferecem respostas, e sim que propõem perguntas, que mostram a arte corriqueira, a magia que os rodeava.” E a cosmopolita Freund se rendeu àquilo. Como escreveu a fotógrafa em um perfil para uma revista, incluído no livro, Frida “fuma, ri, fala com uma voz melodiosa e cálida. Toda sua personalidade irradia uma inteligência viva, uma profunda humanidade e uma exuberante vitalidade. Odeia tudo que é esnobe, qualquer coisa falsa, convencional ou afetada”.
      Sua identidade resultou –e possivelmente também se baseou– em um estilo que transbordou a tela e se cristalizou em um rico mundo estético e simbólico. Eis aí seu vistoso armário (fotografado detalhadamente pela japonesa Miyako Ishiuchi, cujas imagens foram expostas neste ano em Londres), claro, mas também seu jardim. E é justamente essa decoração botânica que a exposiçãoFrida Kahlo, Art, Garden, Life (arte, jardim, vida) se propõe a recriar. A mostra no Jardim Botânico de Nova York é a primeira a centrar-se na importância simbólica das plantas na arte da pintora. “Essa faceta da sua criatividade mostra a inteligência profunda da artista, seu diálogo com ideias muito complexas, como a cosmovisão das culturas pré-hispânicas, e o discurso da mestiçagem não só no México, mas também no mundo dos anos quarenta e cinquenta, e sobretudo seu amor pelo México e pela natureza”, diz a curadora Adriana Zavala. Junto à reconstrução de uma parte do jardim da Casa Azul de Kahlo foram reunidas cerca de 20 telas e obras sobre papel, procedentes majoritariamente de coleções privadas, em que as plantas desempenham um papel essencial. “A popularidade de Frida muitas vezes encobre sua arte, e por isso nosso enfoque não é biográfico”, salienta Zavala. “Mas acredito, sim, que foi uma mulher indomável. e isso é muito atraente hoje. E também sua política.”
      Foi sobre esse aspecto reivindicativo e lutador que o Instituto de Arte de Detroit se debruçou numa exposição que terminou em julho, após receber quase 180.000 visitantes, abordando a permanência e o trabalho do casal de artistas nessa cidade dos EUA. Em Detroit, Rivera deixou alguns dos seus monumentais murais, enquanto ela pintou a tela Henry Ford Hospital, após sofrer um aborto. Além disso, há poucos meses a exposição intitulada Kahlo, Rivera and the Mexican Modern Art (Kahlo, Rivera e a arte mexicana moderna) explorava as conexões de toda uma geração no Museu NSU, de Fort Lauderdale (Flórida). Já dizia Frida numa carta que mandou de San Francisco para sua mãe, em 1930: “As gringas gostam muito de mim”. E não só elas.
      EL PAÍS