quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Lillian Ross deu lições de jornalismo a Truman Capote

Da direita para a esquerda, Lillian, Hemingway e seus filhos Gregory e Patrick, em Ketchum, Iowa, 1947 - Mary Hemingway/ Divulgação


Lillian Ross deu lições de jornalismo
a Truman Capote
ALVARO COSTA E SILVA
14 de janeiro de 2025

No processo de elaboração de "A Sangue Frio", obra-prima de Truman Capote, estão as lições de Lillian Ross, a jornalista da revista New Yorker de quem a editora Carambaia acaba de lançar "Sempre Repórter", coletânea de textos que deveria funcionar como modelo para todos os capotes iniciantes.
Capote leu a série de reportagens de Lillian sobre "A Glória de um Covarde", o clássico de John Huston —publicada em 1952 com cerca de 90 mil palavras e depois enfeixada no livro "Filme"—, e pirou.
Era isso que ele queria fazer. Em suas memórias, a autora conta que o jovem escritor a procurou e a questionou longamente sobre o método de fazer reportagens factuais estruturadas com recursos de ficção. Ouviu um conselho essencial: "Você nunca deve se arrogar o direito de dizer o que o personagem está pensando ou sentindo".
Com memória de elefante, ela não usava gravador, mantendo olhos e ouvidos abertos. Se necessário, fazia anotações rápidas num bloquinho. Muita conversa e atenção ao comportamento do entrevistado e aos detalhes do ambiente. "Evite a interpretação, a análise, passar os seus julgamentos dizendo ao leitor o que ele deveria pensar. Restrinja-se ao que pode ser observado e reportado. Deixe o leitor fazer a cabeça por si mesmo", escreveu em seu livro "Reporting".
Lilian Ross não foi a primeira a usar ferramentas de ficção em seu trabalho de jornalista (antes dela, Joel Silveira fez o mesmo no Brasil, tão bem quanto). E estava distante do que, nos anos 1960, se convencionou chamar de new journalism. Norman Mailer, por exemplo, a criticava por não se colocar de modo pessoal nos textos.
Seu estilo lembrava mais o de um documentarista ou um "cineasta literário". Exemplo perfeito é o retrato de Hemingway, peça de resistência da antologia "Sempre Repórter". Acabada a leitura, qualquer opinião sobre o escritor —era um bebum, um provocador, um exibicionista, um artista em crise—, fica por sua conta, caro leitor.
Em tempo: a reportagem de Lilian sobre o filme de John Huston levou mais de um ano e meio para ficar pronta e sair na New Yorker. Que editor hoje toparia um prazo desses?

Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".






terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Anúncio de indicados ao Oscar é adiado novamente por incêndios

CINEMA

Anúncio de indicados ao Oscar é adiado novamente por incêndios

Brasil vive expectativa por nomeação de 'Ainda Estou Aqui'

Por CADERNO B
Publicado em 14/01/2025 às 10:28
Alterado em 14/01/2025 às 10:28

A Academia de Ciência e Artes Cinematográficas de Hollywood anunciou na noite da última segunda-feira (13) que decidiu adiar novamente as indicações do Oscar 2025, devido aos incêndios florestais que atingiram a região de Los Angeles, nos Estados Unidos.



Desta vez, a divulgação da lista de nomeados ao prêmio passará de 17 de janeiro para o próximo dia 23.

Com a nova data, o período de votação dos indicados será encerrado no dia 14 de fevereiro, enquanto que a cerimônia permanece programada para 2 de março.

"Estamos todos devastados pelo impacto dos incêndios e pelas profundas perdas sofridas por tantas pessoas na nossa comunidade. A Academia sempre foi uma força unificadora na indústria cinematográfica e estamos empenhados em permanecer unidos em relação às adversidades", declarou o CEO da Academia, Bill Kramer, e a presidente, Janet Yang, em uma nota.

A expectativa pela revelação dos indicados está grande entre os brasileiros, tendo em vista que o país tem sua maior chance de voltar a disputar na categoria de melhor filme internacional com o longa "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, cuja protagonista Fernanda Torres faturou o Globo de Ouro.Além do anúncio, inúmeros eventos de Hollywood também foram adiados ou canceleados, como o Critics Choice Awards, o jantar do prêmio do American Film Institute, o almoço dos indicados, agendado para 10 de fevereiro, bem como a cerimônia de entrega dos prêmios científicos e técnicos, no dia 18 do próximo mês. 


JORNAL DO BRASIL


domingo, 12 de janeiro de 2025

Incêndio em Los Angeles muda de direção e representa nova ameaça apesar de diminuição dos ventos

Los Angeles está submersa em fumaça Foto: Reuters/Shanno

MUNDO

Incêndio em Los Angeles muda de direção e representa nova ameaça apesar de diminuição dos ventos

...



Publicado em 12/01/2025 às 09:21

Alterado em 12/01/2025 às 09:22

Por Jorge Garcia, Rollo Ross e Maria Alejandra Cardona 

O maior dos incêndios que devastaram partes de Los Angeles nesta semana mudou de direção neste sábado, desencadeando mais ordens de retirada e representando um novo desafio para os bombeiros já exaustos.

Seis incêndios simultâneos que devastaram bairros do Condado de Los Angeles desde terça-feira mataram pelo menos 11 pessoas e danificaram ou destruíram 10.000 estruturas. O número de mortos deve aumentar quando os bombeiros puderem realizar buscas de casa em casa.

Os fortes ventos de Santa Ana que atiçaram os incêndios diminuíram na sexta-feira à noite. Mas o incêndio Palisades no limite oeste da cidade estava indo em uma nova direção, levando a outra ordem de retirada à medida que se aproximava do bairro de Brentwood e na base do Vale de San Fernando, informou o Los Angeles Times.

"O incêndio de Palisades teve um novo surto significativo na parte leste e continua para nordeste", disse o capitão do Corpo de Bombeiros de Los Angeles, Erik Scott, à estação local KTLA, de acordo com uma reportagem no site do LA Times.

O incêndio, o mais destrutivo da história de Los Angeles, arrasou bairros inteiros, deixando apenas as ruínas fumegantes do que eram as casas e bens das pessoas.

Antes do surto mais recente, os bombeiros relataram progresso na contenção do incêndio de Palisades e do incêndio de Eaton na área leste da metrópole, depois que ele queimou fora de controle por dias. Na sexta-feira à noite, o incêndio de Palisades estava 8% contido e o incêndio de Eaton 3%, disse à agência estadual Cal Fire.

Os dois grandes incêndios combinados consumiram 14.100 hectares, duas vezes e meia a área terrestre de Manhattan, em Nova York.

Cerca de 153.000 pessoas permaneceram sob ordens de retirada e outras 166.800 enfrentaram avisos para deixar suas casas com toque de recolher em vigor para todas as áreas de onde as pessoas devem sair, disse o xerife do condado de Los Angeles, Robert Luna.

Sete Estados vizinhos, o governo federal dos Estados Unidos e o Canadá apressaram a ajuda para a Califórnia, reforçando equipes aéreas que jogam água e retardantes de fogo nas colinas em chamas e equipes no solo atacando linhas de fogo com ferramentas manuais e mangueiras.

O Serviço Nacional de Meteorologia disse que as condições na área de Los Angeles melhorariam durante o fim de semana, com ventos sustentados diminuindo para cerca de 32 km/h.

"Não está tão forte, então isso deve ajudar os bombeiros", disse a meteorologista Allison Santorelli, acrescentando que as condições ainda são críticas com baixa umidade e vegetação seca.

A Cal Fire disse que havia uma chance de ventos fortes novamente na terça-feira.

"Continuaremos a ter uma alta probabilidade de condições climáticas críticas para incêndios durante a próxima semana", disse.

As autoridades declararam uma emergência de saúde pública devido à fumaça espessa e tóxica.

(Reportagem de Jorge Garcia, Rollo Ross, Maria Alejandra Cardona, Joe Brock, Chad Terhune, Matt McKnight, Fred Greaves, Mike Blake, Omar Younis, Sandra Stojanovic e Dawn Chmielewski, em Los Angeles; Reportagem adicional de Brendan O'Brien, Hannah Lang, Rich McKay e David Ljunggren)

JORNAL DO BRASIL




quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Ana Martins Marques / Tradução

 



Ana Martins Marques

Tradução


Este poema

em outra língua

seria outro poema


um relógio atrasado

que marca a hora certa

de algum outro lugar


uma criança que inventa

uma língua só para falar

com outra criança


uma casa de montanha

reconstruída sobre a praia

corroída pouco a pouco pela presença do mar


o importante é que

num determinado ponto

os poemas fiquem emparelhados


como em certos problemas de física

de velhos livros escolares


Ana Martins Marques

O Livro das Semelhanças

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Salinger / A principal diferença



J.D. Salinger


A principal diferença entre a felicidade e a alegria é que a felicidade é sólida e a alegria é líquida.

***

Alguns dos meus melhores amigos são crianças. De facto, todos os meus melhores amigos são crianças.

***

A tarefa de um artista é aspirar a certo grau de perfeição e nada mais.










quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Morre o escritor Dalton Trevisan

 





Moisés Mendes

Dalton Trevisan

Tanto tentei imitar Dalton Trevisan, aí pelos vinte e poucos anos, que depois seu estilo se misturava a tudo que eu escrevia, já sem a intenção de imitá-lo.

Mas a grande sacada foi de um jornalista do Paraná que escreveu um perfil do vampiro na revista Status, nos anos 70, como se o texto fosse do Trevisan, com a mesma batida. Não lembro o nome do cara.

Eu imaginava encontrar Trevisan num dia de garoa fininha, ao acaso, comprando pão sovado numa padaria de Curitiba.

Ele iria sair e esquecer o guarda-chuva encostado no balcão. Não, eu não iria chamá-lo para ter a chance de vê-lo de perto e ouvir um obrigado.

Eu não iria dizer nada, não iria alertá-lo, e ficaria com o guarda-chuva. Mas nunca comprei pão em padaria de Curitiba.

O vampiro se foi hoje aos 99 anos.



terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Dalton Trevisan / O Anjo

 


Dalton Trevisan

O Anjo

É um anjo, não há dúvida: apalpo, um tantinho gordo e cheiro, um pouco suado. Tem uns apóstolos-suspeitos, que inventam cada milagre! Um anjo, para falar a verdade, decaído, sujo, asa esquerda rasgada. Ao que se soube, dera um salto duplo (tentativa sacrílega de suicídio?) do terceiro vitral na igreja do Bom Jesus. 

Feliz da vida, agora se diverte atirando batatinha frita na cabeça das damas da noite que às três da matina tomam sopa de cebola no Bar do Luís. Saúda pelo nome quem chega, sabe os segredos íntimos de todo mundo, cafifas, bofes e coronéis. 

De repente a confusão: acusa um guarda-noturno de ter-lhe surrupiado o relógio de pulso (anjo, é sabido, odeia relógio). O guarda exige sua carteira de identidade, ele declara a condição de anjo --- epa! leva um murro no olho. 

O anjo numa cuspidela muda-o em botelha de rum da Jamaica, que bebemos todos, o anjo a piscar o olhinho roxo. 

Senta uma dama alegre no colo e quer por força um ósculo (linguagem de anjo, ósculo!). Ela se nega, a boca é para beijar o filhinho. O anjo a arrasta pelos cabelos para baixo da mesa onde, entre ossos de frango e espuma de cerveja, dorme por sete dias (na versão de-jornais sensacionalistas).

Invocado, o anjo estranha a costeleta do leiteiro que chega manhã cedinho. Xinga-o de quanto nome feio, o leiteiro saca uma navalha, epa! risca em cruz o nariz do anjo. Esse não pode ver sangue e cai durinho de costas. 

Pronto levanta, sacode o pó da asa em frangalhos, cadê o leiteiro? Se escafedeu, longe na carrocinha a galope. Tempo de afastar a atenção geral. Pudera, um anjo baderneiro! 

Estala os dedos: encarna as moscas sobre a mesa em bombons de licor, que oferece às musas dos inferninhos. E os garçons em aves do paraíso que se penduram nos globos de luz. 

Nessa hora, para ver o anjo, há barricadas nas portas e feros combates na cozinha. 

O fim do anjo é triste: surge do meio do nada o maestro Remo de Pérsis e, abraçados, rompem em dó de peito a protofonia do Guarani. 

Fatal: antes que puxe do braço uma terceira asa de reserva... Ai, não, linchado pela multidão em fúria. Aos berros de Morte ao tarado!

Mortinho, ninguém mais duvida. É anjo de verdade, na roupinha nova de marinheiro. 

Ainda não vi outro anjo.


Dalton Trevisan é autor dos livros O vampiro de CuritibaA polaquinha e O maníaco do olho verde, entre outros títulos. Sua obra foi traduzida para diversos idiomas, como o inglês, o espanhol e o italiano. Em 2012, Trevisan ganhou o prêmio Camões de literatura. O autor vive em Curitiba (PR).


Dalton Trevisan / Namorada

 



Dalton Trevisan

Namorada

Depois que vê a garota ele corre se olhar no espelho: não pode negar, meio feio? quase feio? Numa palavra, feio. Dia seguinte desiste do bigode ralo. Quem sabe costeleta ou cavanhaque?

A menina o enfeitiça. Possuído, sim. Febrícula, sonho delirante, falta de ar, sede mas não de água. 

Ela surge enrolada no garfo do suculento espaguete à bolonhesa. De sainha xadrez na primeira tarde, ó deliciosa bolacha Maria com geleia de uva. Formigas de fogo mordem sob a camisa quando ela vem na rua, brincando com o arco-íris na ponta dos dedos. 

Consegue afinal apertar-lhe a mãozinha na luva de crochê, ri (descuidoso de ser feio) dentro de seus olhos glaucos. Discutem o narizinho, quem sabe arrebitado, segundo ela. E para ele, nada mais bonito que tal narizinho. 

Meio do sono acorda, olho arregalado no escuro. A sua imagem o percorre, impetuoso vento por uma casa de portas abertas. Ninguém por perto, fala sozinho. A mãe o acha mais magro. Quem dera ser o terceiro motociclista do Globo da Morte. 

Em guarda no portão, as mãos suadas, fumando. Ela aparece: um caramanchão florido de glicínia azul. Olhinho esquivo que fixa e foge. O sorriso (uma virgem fatal?) na pequena boca fresca. 

Um dentinho ectópico no lado esquerdo, onde a palavra tiau esbarra quando sai. Ah, se ela deixar, passa o resto da vida adorando esse dentinho.

Espera outras vezes, fumando aflito, um cigarro aceso no outro. Ele mesmo um cigarro em chamas. A mocinha não quer lhe dar a mão. Como pode, uma santinha disfarçada na terra? Depois, deu. 

Brava, ainda mais linda. Toda rosa, o lenço no pescoço, gatinha na janela depois do banho. A curva altaneira da testa, os cachos loiros arrepiados ao vento. 

Ai, não, uma pérola na orelha. A pérola da orelha. Uma divina orelhinha esquerda, sabe o que é?

A voz meio rouca: Adivinhe o que eu tenho na mão? “Bem, pode ser tanta coisa.” Bala de mel, seu bobo. Pra você que não merece. 

Já esquecido de timidez e feiura: “Sabe o que eu mais quero? É embalar você no colo.” 

Pronto, ofendida, lhe negaceou o rosto. 

De mal, até amanhã. Amanhã nosso herói vai cultivar uma barbicha.


Dalton Trevisan é autor dos livros O vampiro de CuritibaA polaquinha e O maníaco do olho verde, entre outros títulos. Sua obra foi traduzida para diversos idiomas, como o inglês, o espanhol e o italiano. Em 2012, Trevisan ganhou o prêmio Camões de literatura. O autor vive em Curitiba (PR).


Dalton Trevisan, um vampiro à luz do sol

 

Dalton Trevisan, pelas ruas de Curitiba, em foto de Marcelo Ridini, Agência Folha

Dalton Trevisan, um vampiro à luz do sol

Cláudio Renato
10 de Mario de 2010

Dalton Trevisan observa o minúsculo doutor Sampaio, terninho e bengalinha, que deixa a confeitaria Schaffer. "Olha o pezinho, olha a mãozinha, vamos segui-lo!", ordena ao séquito. À noite, vai ter com cafetinas, prostitutas, malandros e velhinhos abandonados. "Dalton divertia-se com cárie, caspa, chulé e usava o material nos contos", diz Carlos Alberto Pessoa, que conheceu e conviveu com o escritor nas andanças por Curitiba. O maior contista do Brasil perseguia, sarcasticamente, o tal doutor Sampaio, mas odeia que o sigam. Aos 85 anos incompletos, sustenta a própria lenda. Há pelo menos seis décadas, foge dos fotógrafos como Drácula, da cruz. Nega entrevistas. Cultiva o mistério.

Xingar em escala crescente (ou decrescente) é uma característica de Dalton Trevisan. O desafeto começa como "barata de fogão", passa a "barata de fogão com caspa na sobrancelha" até ser rebaixado a "barata de fogão leprosa com caspa na sobrancelha". Regozija-se na prospecção de histórias. Na última mesa da Schaffer, é visto normalmente com o advogado e ex-integralista Luiz Gastão Franco de Carvalho ou um amigo "informante." Pede coalhada, torrada e chá. Dalton, fama de avarento, paga ao amigo um moranguinho com nata, a título de "direito autoral."

Pessoa, o ex-informante, conta que Dalton Trevisan considerava Grande Sertão: Veredas ingenuidade de Guimarães Rosa. "Como os vaqueiros não perceberiam que estavam diante de uma mulher?" Tinha reservas até ao conto O Alienista, de Machado de Assis, por achá-lo muito longo. Em cinema, diz o "garganta profunda", adorava Fellini, Visconti e Kubrick.
Dos amigos, Dalton exige fidelidade absoluta, segundo o discreto Eleotério Borrego, livreiro e confidente. Na livraria, o contista tem uma caixa de correspondências. "Quando se aproxima um estranho, pede para apresentá-lo como João", conta o jornalista e editor Fábio Campana.

Uma das principais fontes de Dalton foi Ali Chaim, que, na década de 70, tinha um programa policial na rádio. Chaim - "único cidadão comum com título de delegado honorário do Paraná" - entrevistava ladrão, estuprador, marido traído. "Ele mandava contar tudo, queria saber do fel da história, curra, sacanagem; às vezes ia à delegacia verificar o inquérito", diz o radialista. Dalton gostava de rodar Curitiba de madrugada no fusquinha de Chaim. "Fogueteado, contava um monte de histórias babilônicas."


Como o conde demoníaco da Transilvânia, Dalton tem seus Renfields, seguidores fiéis. "As pessoas ficam fascinadas diante do vampiro e tornam-se doadoras literárias", conta o jornalista Luiz Geraldo Mazza, amigo da juventude. O simpático Estêvão A.S mimetiza os tiques do mestre. Até para marcar entrevista preferia evitar a lotérica onde trabalhava. "Vamos ao café da praça Zacharias, e nada de fotos. Já não gostava de fotografias antes de conhecer o Dalton, imagina agora!" Estevão conta que conheceu o escritor quando precisou gravar um vídeo, Que fim levou o Vampiro de Curitiba? Ele faz favores profissionais e contatos para Dalton no mundo exterior.

O escritor Miguel Sanchez Neto é um dos que mais conversam com Dalton, mas garante que não pretende escrever a biografia do contista. "Não traio a amizade." Sanchez Neto revela apenas que Dalton considera Cristo o grande personagem do Ocidente e gosta muito dos textos de Ivan Lessa, Paulo Francis e, principalmente, das obras de Machado, Rubem Braga e Pedro Nava. O escritor Manoel Carlos Karam conta: o contista odeia ser fotografado por considerar que "a foto mata o espião."

Dalton costumava ir ao Rio para visitar Rubem Braga, morto em 1990. Gostaria de ter convivido mais com o mestre. Crítico feroz de Curitiba, diz que em cada esquina da cidade pode haver um Raskolnikof, o assassino protagonista de Crime e Castigo, obra-prima de Dostoiévski. Dalton até já teve um fusquinha bege, mas gosta mesmo de andar a pé. Frequentador da Boca Maldita na década de 60, preferia as discussões literárias às políticas. Jamais aceitaria uma indicação para a Academia Brasileira de Letras, embora gostasse muito de um ou outro imortal. Os ex-amigos dizem que Dalton é poroso aos elogios, detesta crítica, tem horror a discussões. Foi grande amigo do artista plástico Poty Lazarotto, mas andaram brigados. Reconciliaram antes da morte de Poty - em maio de 1998. Gosta muito de Constantino Viaro, filho do amigo Guido e ex-diretor do Teatro Guaíra, bem como de Miguel Sanchez Neto, hoje com 44 anos.

Na década de 70, Dalton publicou uma crítica na Gazeta do Povo, com as iniciais J.P., intitulada Quem tem medo do vampiro?, em que desbancava o próprio trabalho: "Quem leu um conto, já viu todos (...) Seu pobre vocabulário não tem mais de oitenta palavras." Um trecho diz: "Um talento não se lhe pode negar - o da promoção delirante. Com falsa modéstia, não quer retrato no jornal - e o jornal sempre a publicá-lo. Nunca deu entrevistas - e quantas já foram divulgadas com foto e tudo? Ora, negar o retrato ao jornal não é uma forma de vaidade, a outra face diabólica do cabotino?"

Talvez menos de 15 pessoas saibam o número do telefone da casa acinzentada de Dalton Trevisan. "Quem precisa falar, deve obedecer a códigos pessoais e intransferíveis", conta um dos privilegiados conhecedores da numeração. Cada interlocutor deve obedecer a determinados números de toques, a tantos minutos de espera cronometrada, a senhas predefinidas. É Dalton quem normalmente liga, quando o assunto lhe interessa.

Conta-se que, certa vez, chovia aos cântaros em Curitiba, e o cineasta Joaquim Pedro de Andrade ousou bater no portão da casa, que nem fresta para correspondência tem. Queria conversar sobre o filme Guerra Conjugal, baseado em um conto do curitibano. A porta se abriu; o portão, não. O escritor teria mandado Joaquim Pedro esperar numa esquina determinada em tantos minutos. Quem conhece o escritor, garante que a história é verdadeira. Perto da casa, há uma igreja que inspirou em Dalton Trevisan o anátema Lamentações da Rua Ubaldino. O texto amaldiçoa os Irmãos Cenobitas por causa do barulho das guitarras elétricas e dos sermões. Também perto, há uma sauna masculina, da qual andaram jogando bilhetinhos provocadores para dentro da casa do contista, que jamais acusou recebimento.

Na revista Joaquim, Dalton escreveu certa vez: "Notícia policial, frase no ar, bula de remédio, pequeno anúncio, bilhete suicida, fantasma no sótão, confidência de amigos, leitura de clássicos etc. O que não me contam escuto atrás da porta." É um aspecto curioso da personalidade do escritor. Ele preza a própria intimidade, mas não poupa a alheia, ainda que a ela acrescente uma abordagem ficcional. Muitas das histórias contadas por conhecidos tornaram-se narrativas literárias. Dalton adora quando há uísque em roda de amigos. Ele não bebe, mas os outros se soltam. "Ele quer saber de todos os pormenores, os detalhes sórdidos", conta Carlos Alberto "Nego" Pessoa, personagem involuntário do contro Pássaro de cinco asas (1975).

Verbete na Enciclopédia dos Vampiros, da editora americana Makron Books, Dalton Trevisan há anos mantém em Curitiba asseclas que se renovam. Para apagar os próprios rastros, pedia aos amigos - como os jornalistas Fábio Campana, "Nego" Pessoa e o escritor Jorge Snege - que "invadissem" as bibliotecas públicas e os sebos, onde mantinha informantes para saber quando surgia qualquer obra por ele enjeitada. Eles deveriam subtrair da prateleira as provas dos "crimes" juvenis de Trevisan e entregá-las para o autor destruí-las. Em troca, oferecia novas edições autografadas. Ou um dedo de prosa em que ele ouvia, o outro falava.

Snege registou na autobiografia Como eu se fiz por si mesmo (Travessa dos Editores, 1994) o episódio em que Dalton ofereceu a Campana, na época, os seus três últimos livros autografados, em troca de um único exemplar de Sonata ao Luar (obra de 1945 renegada pelo autor). O jornalista deveria surrupiar o livro da biblioteca pública. Campana cumpriu a missão, segundo Snege, graças a um capote sob o qual escondeu o exemplar.

Dalton Trevisan tem obsessão em revisar os contos e apagar o passado literário e biográfico. Quando presenteia um velho amigo com a nova edição de um livro, faz questão que lhe devolva o exemplar da tiragem anterior. Além da novela Sonata ao Luar, com ilustrações de Guido Viaro, o escritor rejeitou sonetos, ideias soltas, críticas e crônicas esportivas publicadas nos periódicos O Livro (1939) e Tingui (1940). Os textos de Dalton são reescritos (e reduzidos) quantas vezes julga necessário. Em cada edição, narrativas mais concisas, os mesmos personagens, as mesmas situações em uma Curitiba que já não existe mais. Com o tempo, os contos se reduzem a haicais, como em 111 Ais (editora L&PM) e na edição limitada de 71 contos fragmentários distribuida para amigos.

O ex-secretário estadual de Cultura do Paraná Luiz Alberto Soares elogia a coragem do contista. "Ele quer mais é fugir dos chatos que o procuram para uma orelha de livro, um prefácio, coisas que ele nunca fez." Soares garante que o escritor é afável, mas contido. De Jorge Amado, só considera A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água. O crítico Wilson Martins, amigo de Dalton da década de 40 até os anos 70, foi dos primeiros a lhe elogiar o trabalho na revista Joaquim. Romperam. Morto no começo deste ano, Martins acusava o contista curitibano de repetitivo. "E não vamos brincar de fazer as pazes.”

Quando, na livraria do Chaim, Dalton folheou a biografia de Vinícius de Moraes, O Poeta da Paixão, do jornalista e escritor José Castello, ficou apavorado. Para começar, não gostou de uma foto. Telefonou para todos os amigos para perguntar o que Castello fazia na cidade. Quando soube que o jornalista se mudara para Curitiba definitivamente, ficou aflito. Castello garante que não quer saber mais de biografia. Cinco anos na capital do Paraná, não tinha idéia de como Dalton era fisicamente. 

O escritor Wilson Bueno dizia achar curioso o conceito de morte de Dalton. Ele afirmava existir três experiências de morte: a natural, a de Ivan Illich, de Tolstói, e a anunciada, de Gabriel García Márquez. A biografia seria a quarta forma de um vampiro morrer.

No próximo capítulo, informações preciososas para quem um dia ousar escrever a biografia (não autorizada, obviamente) de Dalton Jérson Trevisan. ´


sábado, 30 de novembro de 2024

Oliver Reed

 





Oliver Reed

Em 1999, Oliver Reed estava filmando as cenais finais de Gladiador (Gladiator, 2000) de Riddley Scott, em Malta. Num dos intervalos, dirigiu-se a um pub onde bebeu oito cervejas lager, 12 doses duplas de run, 14 doses de whisky e disputou partidas de braço de ferro com cinco jovens marinheiros ingleses que bebiam no mesmo bar. De repente numa das disputas, um enfarte fulminante acabou com a sua vida, mas transformou-o em uma lenda (esse bar ainda guarda sua última conta emoldurada, sem pagar).

As cenas finais do filme foram feitas sem ele devido à sua morte (em algumas cenas foi preciso recriá-lo através de CGI, o que aumentou o orçamento do filme. O estúdio Universal, responsável pela produção, desembolsou nada menos do que 3,2 milhões de dólares). 

Gladiador foi dedicado à memória dele e o bar ficou conhecido como Ollie's Last Pub...Oliver Reed tinha 61 anos.