segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Dark Sky / Manto de estrelas a cobrir Monsaraz

 

Monsaraz, Portugal, o céu perto do Convento da Orada. Fotografia Miguel Claro, 2014


Dark Sky

Manto de estrelas a cobrir Monsaraz

Maria Antónia Jardim
18 AGOSTO 2014

Agosto é o mês da Festa das Estrelas, a Sky Party no Alqueva, Monsaraz; enfim, de um Alentejo místico junto ao Convento da Orada, do Cromeleque do Xerez, onde megatelescópios são instalados para que você possa observar os seus parentes mais próximos: as estrelas.

Quem diz estrelas, diz constelações, diz lua, diz cometas…todos os convidados celestes do país da noite que Sophia de Mello Breyner celebrou no Rapaz de Bronze.


Juromenha, Portugal, a Via Láctea. Fotografia Miguel Claro, 2012


Mas, para além da Party de Agosto, quem fica alojado naquelas paragens pode usufruir desta experiência única de observar este maravilhoso céu nocturno do Alqueva, contactando com Tiago Kalisvaart, que é não só o capitão do barco holandês que parte do Centro Náutico de Monsaraz para uma viagem de uma ou duas horas nas águas verdes do Guadiana e lhe explica o enamoramento das cegonhas, mas que é também o sócio gerente do restaurante e galeria de Arte Sem Fim e Guia dessa maravilhosa viagem na companhia das estrelas, que ocorre na Casa Saramago, também no Telheiro, aldeia situada no sopé do Castelo de Monsaraz.

Mourão, Portugal, a Via Láctea no Monte Faperras. Fotografia Miguel Claro, 2013

Os quatro elementos casam-se na perfeição nesta terra alentejana onde o coelho bravo ainda brinca e o cavalo branco é rei.

Monsaraz é uma terra Templária, é uma terra que alberga frescos fantásticos, cujas personagens são identificadas com juízes corruptos (o juíz bom e o juíz mau convivem no mesmo rosto, com um desdobramento pessoano moderno) no antigo Tribunal de Monsaraz; é uma terra de largadas de touros insólitas em que a morte do mesmo é colectiva e portanto, o apontar do dedo não tem lugar!



Fonte da Telha, Portugal, chuva de estrelas. Fotografia Miguel Claro, 2011


Fonte da Telha, Portugal, observando a lua e o planeta Vénus. Fotografia Miguel Claro, 2011


Monsaraz possui o feitiço da Moura, que outrora ali viveu e deixou lendas vivas numa Horta encantada com sabores e perfumes da terra.

Eu estive lá e provei dos licores afrodisíacos, do vinho aveludado e dos figos que pude colher directamente da figueira. Beijei com os olhos o terreno pôr-do-sol; as cabeleiras verdes das oliveiras, abracei romanzeiras e cheirei o alecrim. Celebrei com a emoção o divino céu onde vivem as estrelas diamante como Vega.


Ilha de São Miguel, Açores, a Via Láctea. Fotografia Miguel Claro, 2014

Um bem haja à organização do Dark Sky Alqueva e à Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz pelo seu alinhamento cósmico, numa época em que as gentes do poder estão mais interessadas em olhar para o chão do que olhar para o céu!

WSI



sábado, 7 de agosto de 2021

Sophia de Mello Breyner Andresen / A sacralidade dos espaços e as viagens fantásticas de Alice e Isabel

 

Sophia de Mello Breyner Andresen


Sophia de Mello Breyner Andresen

A sacralidade dos espaços e as viagens fantásticas de Alice e Isabel

Maria Antónia Jardim
11 JULHO 2014

“O Nosso Mundo situa-se sempre no Centro” ‒ Mircea Eliade, O sagrado e o profano, 1959

Segundo Mircea Eliade, na sua obra O Sagrado e o profano, o homem religioso manifesta o desejo de viver o mais perto possível do centro do Mundo, o que teria como primeira consequência o desejo de situar a sua própria casa no Centro, para a poder identificar com uma imago mundi.

Assim, o Centro será justamente o lugar que se irá tornar sagrado: tanto que, segundo este autor, a profunda nostalgia do homem religioso é de habitar um “mundo divini” e desejar que a sua casa seja idêntica à “Casa dos Deuses”. Tal atitude manifesta uma consciência desiderante (a que Sophia de Mello Breyner, nos seus contos, não é alheia) e uma necessidade de reproduzir indefinidamente os gestos exemplares. Todavia, este desejo de imitatio dei, de no fundo tentar fazer triunfar o Homem dentro do homem, um dos princípios da paideia, aplica-se quer à Isabela, a heroína de A Floresta (um conto de Sophia em que a autora vai privilegiar espaços simbólicos como o jardim e a floresta), quer à Alice do País das Maravilhas de Lewis Carroll. Isabel vai abrir-se de encontro a seres que vivem na Natureza e vai assim despertar a sua experiência individual transformando-a numa compreensão metafísica do mundo. Uma meta-realidade para o leitor. Alice aprende a desaprender. É testemunha e cúmplice do absurdo, do insólito, da surpresa e do inesperado que nos batem à porta todos os dias, no nosso quotidiano. Faz uma adaptação a novas situações e resolve os dilemas fazendo adaptações aos contextos, por mais estapafúrdicos que sejam.

Ambas as heroínas viajam em círculo. Para além das características do espaço remeterem para uma circularidade, também os percursos que os heróis iniciam são circulares, na medida em que partem de um espaço e a ele regressam. A viagem é, assim, um símbolo iniciático através do qual se tem acesso a um maior conhecimento que permitirá iluminar a consciência que o regresso pressupõe. Desta experiência emerge o Ver, o Pensar, a Memória e a Viagem como propulsores de conhecimento. Não nos esqueçamos de que as Maravilhas estão dentro de nós, o jardim e a floresta crescem connosco.

Segundo Nelson Goodman, não encontramos no mundo senão aquilo que lá tivermos posto, sendo que uma das formas mais elementares de construirmos o mundo se situa ao nível da percepção visual. Logo, a conclusão segundo este autor é que não só o movimento mas também a identidade são construções e não dados. Então, a percepção faz os seus factos: consequentemente, as ficções não poderão distinguir-se dos factos na base do argumento de que umas são “fabricadas” e os outros “descobertos”; uma vez que os factos são construídos tanto quanto as ficções e as ficções podem ser informativas.

Ora, retomando Alice e os conceitos de Goodman, o jardim maravilhoso corresponderá a uma construção de uma “versão-de-mundo”, através do encanto de uma linguagem ecranlizada, onde se aprende a desaprender os medos, os preconceitos e as certezas absolutas.

No fundo, mais uma vez se verifica que todo o texto está ligado a problemas que podemos encontrar noutros textos, embora tratados diferentemente, devido ao seu diferente lugar no interior da sociedade e da história: uma noção que tem que ver com o conceito de semântica de profundidade e com a interpretação enquanto processo psicológico.

Valerá a pena recordar que um dos temas queridos de Sophia, o tema da justiça, é abordado no conto A floresta a propósito do abuso do poder, algo análogo à atitude da Rainha de Copas perante o resto do baralho. Tanto Alice como Isabel tentam inverter as regras do jogo, ajudando terceiros cujas vidas correm risco.

Por último, percebemos com estas heroínas que as coisas extraordinárias e fantásticas também são verdadeiras; que os complementos circunstanciais de lugar influenciam decisivamente a sua acção ‒ o modo de ser e estar-no-mundo do sujeito, o qual por sua vez, e fechando o círculo, se vai metamorfoseando, ganhando outros atributos e modelações, que vão fazer com que outras valências dos mesmos verbos surjam e que outros complementos circunstanciais se acrescentem aos primeiros. Tudo isto leva-nos a reflectir nestas afirmações de Lima de Freitas. Com efeito “o crescimento do lugar (orientação no espaço) e o conhecimento do momento (orientação no tempo) resultam de um único processo complexo de relacionamento, simultaneamente celeste, terrestre e cíclico (…) o lugar onde se está e o momento em que se está são aspectos da mesma realidade e cada lugar como cada momento são, não apenas um todo, mas um todo único”, que procedem de um olhar único. Por conseguinte, o jardim que acontece no interior do jardim (tal como o lindo jardim no País das Maravilhas de Alice), esse espaço terceiro que rompe, é algo de imprevisível, de surpreendente: o que se cria é o que não existe. O virtual instala-se no espaço/tempo e a orientação do sujeito vai no sentido da actualização da memória de um desejo, de uma saudade de futuro, de uma força imaginal criadora de vida, promotora de outros estados de consciência, uma Porta para o núcleo central do eu: o Si Mesmo enquanto Outro.

Sophia está agora nesse espaço/tempo de sacralidade: o Si Mesma enquanto Outra, no Panteão Nacional, nessa morada dos deuses, de interior cupular, exibindo como que uma síntese entre o céu e a terra. Sophia comunga com os deuses e percebemos isso mesmo quando conversamos com a sua obra e assistimos ao sopro de vida que inflige às suas personagens.

Bem hajas Sophia pelas maravilhas que nos deixaste…

WSI


sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Fernando Pessoa / Um coleccionador de Eus

 


Pessoa. Um coleccionador de Eus

Porquê coleccionar?

MARIA ANTÓNIA JARDIM
11 MAIO 2014

Ao longo da vida encontramos pessoas que perseguem objectos que reúnem determinadas características relacionadas com os seus interesses pessoais. São objectos que possuem memória afectiva. São símbolos e por isso mesmo adquirem uma enorme importância para quem os colecciona.

Em cada objecto de uma colecção, o coleccionador encontra uma característica, uma peculiaridade, algo distinto e único que se torna ainda mais valioso porque extraído da grande figura de estilo da Vida: a Comparação!

Passamos a nossa vida a comparar coisas e pessoas.

Pessoa, esse Poeta Plural, preferiu incorporar vários tipos de pessoas dentro de si; tornando-se um grande coleccionador de “Eus”, de personalidades humanas, distintas umas das outras e isso fez dele um grande psicólogo com vários chapéus!!! Ele conseguiu pôr-se no lugar dos outros, experimentou os seus desassossegos, as suas paixões, as suas pequenas mortes…

E fez algo que é considerado o exercício básico de toda a Psicologia: o role playing.

Outros há que preferem colecionar pessoas, relações e entrarem num desfile social da moda do casa e descasa!

E ainda há aqueles que preferem andar em busca perpétua daquela peça, daquele objecto, daquele príncipe ou princesa, quais alpinistas insatisfeitos á procura da Terra do Nunca!

Seja como for, a Vida é simbólica e nela tudo é símbolo, como afirmou Pessoa. Logo, não é de estranhar a paixão dos humanos pelas colecções. É tudo uma questão de perspectiva. Os coleccionadores fazem Zoom, afunilam o olhar e detêm-se na presa a conquistar, especializam-se numa determinada caça com os seus olhos de lince!

Pessoa, também ele fez Zoom e se especializou na dupla função dos símbolos: revelar e esconder. Revelou vários “Eus”; toda uma pluralidade de rostos e escondeu-se por detrás de cada um deles, como se por detrás de cada biografia se encontrasse um biombo!

Assim é a Vida: feita de biombos e biografias, de símbolos, colecções e escolhas que constroem e destroem a nossa identidade, a cada passo…

Por isso, o grande lema do conhecimento poderia ser este: “Para conhecer é preciso ler dentro das coisas”!


WSI


terça-feira, 3 de agosto de 2021

Ao Encontro de Mr. Banks / Biblioterapia e Cineterapia num só filme

 


Ao Encontro de Mr. Banks

Biblioterapia e Cineterapia num só filme

MARIA ANTÓNIA JARDIM
11 ABRIL 2014

Ao Encontro de Mr. Banks conta, não uma, não duas mas três histórias. A primeira narra o que esteve por detrás da produção do filme da Disney, Mary Poppins, e que teve a ver com uma promessa de Walt Disney às suas filhas. A segunda e fulcral narrativa deste filme é a verdadeira biografia de P.L. Travers, a autora de Mary Poppins; a terceira e não menos importante é contar visualmente ao espectador a catarse feita pela escritora dos seus próprios conflitos, traumas, dramas de infância, incluindo as suas relações de vinculação especial com o seu pai.

Ao mesmo tempo, assistimos ao desenvolvimento pessoal e ao processo harmónico e equilibrado que vai resultando dessa consciência em P.L. Travers (fantasticamente interpretada por Emma Thompson). Tudo isto se processa através da personagem interpretada por Tom Hanks, Walt Disney, que, cinematograficamente possibilita um desenvolvimento continuum de resolução de conflitos, plasmando assim no écran aquilo a que Paul Ricoeur chamava a pré-estrutura narrativa da própria vida. A heroína vai resolvendo os conflitos inscritos no seu livro, ainda reféns da dor e do luto, aqui resolvidos através da cineterapia, do filme que está a ser produzido e constantemente re-avaliado e re-interpretado.

Assim sendo, neste caso, biblioterapia e cineterapia andam de mãos dadas e Mary Poppins é um caso ilustrativo de biblioterapia enquanto processo terapêutico.

Ao ler e reler a obra de P.L. Travers, Walt Disney vai identificando os seus próprios problemas e avaliando a sua própria vida, resolvendo algumas questões do seu passado manejando esse espelho retrovisor. Enquanto Pamela, através da produção cinematográfica do seu livro, pôde igualmente curar e salvar a sua relação com o pai e com a sua tia Ellie.

Somos contadores de histórias e seja com a palavra, seja com a imagem, o ser humano exprime as suas contradições, desejos, medos…Arte é linguagem!

Aqui, duas Artes cruzam-se na tela deste maravilhoso filme e apoiam-se uma á outra, permitindo ao espectador/leitor ganhar consciência da hetero-ajuda que um livro ou um filme podem oferecer.

WSI





domingo, 1 de agosto de 2021

Biblioterapia / A função terapêutica da literatura

 


Biblioterapia

A função terapêutica da literatura

MARIA ANTÓNIA JARDIM
14 JULHO 2021

Biblioterapia é um termo derivado das palavras latinas para livros e tratamento. Biblio é a raiz etimológica de palavras usadas para designar todo tipo de material bibliográfico ou de leitura, e terapia significa cura ou restabelecimento. A Biblioterapia é vista como um processo interativo, resultando em uma integração bem sucedida de valores e acções. O conceito de leitura empregado neste meaning making process é amplo e inclui todo tipo de material, inclusive os não convencionais.

O uso da leitura com objetivo terapêutico é antigo e muitos registros atestam essa utilização. No antigo Egipto, o Faraó Rammsés II mandou no frontispício de sua biblioteca Remédios para a alma (Alves, 1982), e as bibliotecas egípcias ficavam localizadas em templos denominados de “casas de vida” como locais de conhecimento e espiritualidade (Montet, 1989).

Tesouro dos remédios da alma era a inscrição que havia na biblioteca da Abadia de São Gall, durante a Idade Média (Alves, 1982). Também os gregos fizeram associação de livros como forma de tratamento médico e espiritual, ao conceberem suas bibliotecas como “a medicina da alma” (Marcinko, 1989). O Hospital Al Mansur, em 1272, recomendava leitura de trechos escolhidos do Alcorão como parte do tratamento médico (Marcinko, 1989).

Como é possível perceber, muita gente, em épocas diferentes, já tinha percebido o valor da leitura como um agente de transformação.

A função terapêutica da leitura admite a possibilidade de a literatura proporcionar a pacificação das emoções. Remontando a Aristóteles, observa-se que o filósofo analisa a liberação da emoção resultante da tragédia – a catarse. O acto de excitamento das emoções de piedade e medo proporcionaria alívio e prazer.

A leitura do texto literário, portanto, opera no leitor e no ouvinte o efeito de placidez, e a literatura possui a virtude de ser sedativa e curativa. A relação entre psique humana e literatura não é nova. Foi, inicialmente, alicerçada pelas emblemáticas observações psicanalíticas de Freud sobre a escrita como arte poética desde os gregos até alguns de seus representantes modernos como Shakespeare e Dostoiewski. Posteriormente, recebeu uma análise de Jung, que viu em Goethe, Spitteler, Nietzche, Blake e Dante personalidades criativas e transformadoras do mundo. Enfatizada, também, pela linhagem marxista com Vygostky na psicologia infantil ou com a actividade de Sartre entre a literatura e a filosofia existencial, essa relação foi se confirmando em todo o século XX.

De uma perspectiva narrativa, nós somos histórias, biografias e segundo MacIntyre (1981, p.213), autor com o qual Paul Ricoeur debate o conceito de identidade narrativa, seremos apenas co- autores das nossas próprias narrativas e por conseguinte somos de certeza co-autores das histórias dos nossos contemporâneos.

Roland Barthes (1966) é de opinião que a história da narrativa começa com a história da humanidade, as guerras entre os homens são guerras de linguagem, a conquista do poder e do território começa com a palavra; o que leva a perguntarmo-nos se a utilização das abordagens hermenêuticas poderá ajudar as pessoas e seus respectivos dilemas, no seu quotidiano? Segundo Rorty (1989) e Peavy (1991) a imaginação é a nossa ferramenta para engendrar metáforas, para dizermos as nossas histórias e assim redescrevermos quem somos, qual o nosso contexto e o que se torna significativo para nós, na nossa vida.

As primeiras narrativas eram desenhos, pinturas rupestres, imagens toscas representando um mundo de sobrevivência humana. Mas como olharão os vindouros para os nossos livros encadernados ou para as nossas esculturas?

Note-se que é importante ter em conta que as próprias histórias contêm em si elementos de ordem prospectiva que nos podem ajudar a organizar o nosso futuro e, portanto, a questionar o presente. Daí que o sociólogo David Cooper (1974) proponha que os livros sejam diálogos em que o que se vai passando no livro se torne criação conjunta de todos nós, pois existe um tempo para as mentes, um tempo para abandonar as nossas mentes e um tempo para as recuperar.

Em termos ricoeurianos, poderíamos dizer que há um tempo para nos apropriarmos da “coisa do texto” e um tempo para nos distanciarmos dela para reencontrarmos o nosso próprio sentido das coisas, no nosso contexto, já que escutar-se a si próprio é sempre uma condição prévia para ouvir a mensagem de outrem. Ao lermos ou relermos histórias de vida diferentes da nossa, ainda que animadas por personagens, manifestam-se, em nós, leitores, interrogações, juízos de valor e comparações e perguntas em que o advérbio de comparação surge: Ele faz como eu? Então, em última instância, é a nossa maneira de ver a vida que está em causa. Por isso e como sublinha Ricoeur “a narração nunca é eticamente neutra, mostra-se como o primeiro laboratório do julgamento moral”. Trata-se de uma feliz imagem ricoeuriana, que nos permite perceber que o racional e o sensível se sobrepôem neste processo: o objectivo subjectiviza-se e o subjectivo objectiviza-se, na e pela linguagem.

Deste modo, a arte literária afigura-se, por excelência, como palco laboratorial para experiências de pensamento onde variações imaginativas proliferam. São essas experiências de pensamento, suscitadas pela ficção, com todas as implicações éticas, que contribuem para o exame de si mesmo no quotidiano; assumindo uma função terapêutica.

Deste modo, estética e ética tornam-se indissociáveis na arte de narrar, que é uma arte que corresponde a uma troca de experiências em que a condição humana e os seus dilemas são equacionados. Compreender interpretando e interpretar compreendendo é deixar-se orientar por um horizonte, pelo modo possível de estar no mundo, aberto e descoberto pelo texto para o intérprete. Será tudo isto que confere ao sujeito uma nova capacidade de se compreender a si mesmo, de se reconstruir, de se re-imaginar.

É o encontro de horizontes, o do texto e o do leitor, o verdadeiro fio condutor, pois o sujeito que interpreta o texto, é por sua vez, por ele interpretado. A apropriação ou leitura implicada, modifica o leitor, obriga-o a desapropriar-se de si e a receber do texto uma nova proposta.

Assim sendo, podemos concluir que as histórias ajudarão os leitores a equacionarem os seus dilemas, os seus problemas e perguntas e respostas relativas à sua vida, e por isso poderemos dizer que os sujeitos leitores se tornam objectos e experiência de linguagem.

WSI