quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Edinson Silva / O melhor carnaval do mundo é de Recife



O melhor carnaval do mundo
é de Recife,
apesar de Mangueira
Por Edílson Silva em 10 de fevereiro de 2008
Não conheço todos os carnavais do mundo, mas acho difícil que em algum outro lugar esta manifestação popular seja tão festejada e de forma tão apaixonada e espontânea como acontece no Recife. O povo, misturado em cores, etnias e classes, vai além de suas forças físicas, buscando aproveitar cada segundo da festa. Tanto é que aqui a folia começa bem antes do Galo da Madrugada e termina depois da quarta-feira de Cinzas.
Talvez seja assim porque o carnaval tenha encontrado aqui sua química perfeita: um povo alegre e festeiro, sol abundante, o frevo e Capiba, para expressar e imortalizar dentro deste ritmo, com riqueza de detalhes, os sentimentos mais profundos dos foliões. Ou não é assim quando somos arrebatados por Trombone de prata? “(…)pode acabar tudo enfim, mas deixe o frevo pra mim”.
Cabe ao poder público zelar por este patrimônio que é o nosso carnaval, dando ao povo, que é o mais importante deste patrimônio, as condições para se expressar e brincar de forma democrática e com segurança.
A Prefeitura do Recife vem desenvolvendo há alguns anos uma concepção de carnaval baseada na multiculturalidade e na descentralização dos focos de folia. Mas, setores, digamos, mais ortodoxos, sobretudo ligados à área cultural, têm críticas a esta concepção. As críticas que tenho ouvido são à presença de outros ritmos, como o pop e o rock, e também ao carnaval de palco, que deveria ser, na visão dos críticos em questão, itinerante.


Mesmo fazendo oposição à atual gestão municipal, e na condição de pré-candidato a prefeito do Recife nas eleições deste ano, não posso concordar com os críticos do carnaval promovido pela Prefeitura do Recife.
O primeiro aspecto a ser levado em consideração neste debate é o fato de que a atual gestão estancou a hemorragia cultural da “Era Jarbas/Cadoca/Raul Henry”. Durante a hegemonia destes senhores na condução política do Estado e da Prefeitura, Pernambuco em geral, e Recife em particular, foram vítimas da tentativa de transformação de nosso carnaval e demais festas populares em negócios direcionados descaradamente para o lucro de empresários da “indústria do entretenimento”.


Para quem não se lembra daquela época, os pacotes desta indústria traziam embutidos abadás caros, muito axé-music, e o mais grave do ponto de vista de nossas tradições, cordas para dividir quem pode e quem não pode pagar. O carnaval organizado pela prefeitura do Recife hoje tem uma concepção distinta. É pago pelos cofres públicos e oferecido indistintamente para a população, ou seja, é democrático.
Um outro aspecto que precisa ser destacado é sobre a multiculturalidade aliada à descentralização. Neste caso a prefeitura da cidade conseguiu aprofundar a democratização da festa. De um lado atende às demandas das mais variadas “tribos” presentes na cidade, abrindo espaços para atrações locais, embora ainda precise avançar mais neste aspecto, e dando ênfase em determinadas regiões da cidade a determinados ritmos, sempre com o frevo na base, mas passando pelo reggae, rock, rap, pop, e até brega, como o show de Reginaldo Rossi no pólo de Santo Amaro no domingo de carnaval deste ano.
A presença de artistas nacionais em todos os pólos descentralizados garante público e valoriza as comunidades. Vanessa da Mata no Ibura, Paralamas do Sucesso em Nova Descoberta, Nação Zumbi em Santo Amaro, e mais outros artistas revezando-se pelos palcos da periferia da cidade, além incrementar a vida cultural e o carnaval da comunidade, gera também renda de forma descentralizada.
O fato de todos estes acertos não isenta a Prefeitura de dar transparência à distribuição dos R$ 31 milhões investidos no carnaval, para conferirmos se determinados segmentos ou artistas não estão concentrando estes investimentos em detrimento dos artistas locais. Trabalho para o Conselho Municipal de Cultura.


Penso que para compensar os espaços abertos a outros ritmos no carnaval do Recife, e por conta desta abertura estar vingando exatamente no centenário do frevo, e coincidentemente ser o último ano da gestão João Paulo, a Prefeitura resolveu investir pesado em uma escola de samba do Rio de Janeiro para dar mais visibilidade ao frevo. Se for assim, a tentativa teve méritos.
No entanto, a Prefeitura investiu R$ 3 milhões na Escola de Samba errada. Como a Estação Primeira de Mangueira poderia homenagear o frevo exatamente no centenário de Cartola, seu fundador? A Prefeitura, conscientemente ou não, acabou entrando e, pior, interferindo em disputas internas na comunidade mangueirense. Escola dividida não disputa título.

386717 carnaval 2012 recife olinda 3 Carnaval 2012 Recife e Olinda

Em minha modesta e leiga opinião, o samba-enredo escolhido pela Mangueira estava excelente, podendo inclusive virar um clássico do nosso carnaval, desde que convertido ao ritmo de frevo, é claro. Mas a Mangueira estava visivelmente dividida e o carnavalesco Max Lopes refletiu bem esta divisão.
O frevo não estava pleno na Marquês de Sapucaí e o carro alegórico com Cartola, mesmo sendo ele quem é, não tinha licença para invadir o enredo, o que ajudou a Mangueira a perder 0,7 pontos neste quesito (nenhuma nota dez) e 1,1 pontos em Alegoria e Adereços (nenhuma nota dez). A narração da Globo ajudou a salientar a falta de eixo da Mangueira, ao colocar em destaque a figura de Zé Pereira, um personagem carioca. Onde estava Capiba?

Frevo mesmo só no Samba-Enredo e na Comissão de Frente, formada por jovens passistas pernambucanos e abandonada logo no final do desfile por Carlinhos de Jesus, que disse com todas as letras que não atuou como coreógrafo, mas como psicólogo. Covardia.
No centenário de Cartola e do frevo, quase que ambos desciam juntos para a divisão de acesso do carnaval carioca. Os jurados foram implacáveis com as indefinições da Mangueira. Nem a Bateria levou 10 de todos os jurados. Só o conjunto Mestre-Sala e Porta-Bandeira conseguiu esta façanha.
Culpa da chuva? Que nada. Quando a escola está unida em torno do samba e do enredo, a chuva só faz refrescar o corpo e mesmo com as fantasias mais pesadas dá mais gás para a evolução, quesito em que a mangueira perdeu mais 0,6 pontos distribuídos em três jurados, ou seja, não foi um ou outro ponto da escola que estava mal. A apatia era geral.


Azar da turma da Prefeitura? De jeito nenhum. Neste caso foi incompetência mesmo. Investimento em marketing também deve ter análise de riscos, e neste caso eram bastante visíveis. Gastaram R$ 3 milhões para associar o frevo e nosso carnaval a uma Escola de Samba que quase desceu para o grupo de acesso. Os cariocas e os mangueirenses jamais esquecerão o ano em que a Mangueira entrou atravessada na avenida e ainda por cima quase desceu, o ano em que tentaram homenagear o frevo.
Como a Prefeitura sempre associou este patrocínio ao retorno em marketing espontâneo, caberia bem agora uma auto-crítica, pois o marketing não existiu. Tenho até a impressão que houve sim, mas negativo. Apesar de tudo, nosso carnaval ainda é, certamente, o melhor do mundo. Ano que vem tem mais.

Edílson Silva é presidente do PSOL/PE, escreve às sextas para o Blog do Jamildo /Jornal do Commércio.
http://socialismo.org.br/2008/02/o-melhor-carnaval-do-mundo-e-de-recife-apesar-da-mangueira/


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