Niña dormida Camilo Minero |
Anton Tchekhov
VARKA
ANTON CHEJOV / DÉJAME DORMIR (De otros mundos)
ANTON CHEKHO / SLEEPY (Dragon)
Anoitece. Varka balança com o pé um berço onde chora uma criança,
cantarolando monotonamente:
— Bain bainscki bain…
Uma lâmpada verde brilha diante de uma imagem de santo. Um par de
grandes calças negras pende de uma corda. A lâmpada projeta uma mancha verde
sobre as coisas e as calças fazem dançar sombras na parede e no berço. A chama
vacila como tocada pelo vendo. O ar é sufocante, impregnado de um odor de
sapatos, de couro, de tinta.
O menino chora. Não cessa de chorar e de gemer; está extenuado, sua vozinha
tornou-se rouca; mas ele chora ainda, sem parar.
Varka tem sono. Seus olhos fecham-se, sua cabeça inclina-se para o
peito. Mal pode abrir os olhos tanto lhe pesam as pálpebras.
— Bain bainscki bain… — murmura com voz extinta, — bain bain…
Um grilo estridula numa frincha do chão. No aposento vizinho, ouve-se a
máquina do sapateiro.
O berço range lamentosamente. Varka cantarola, e tudo se confunde num
doce murmúrio que convida ao sono. Mas não se deve dormir! Varka resiste ao
torpor que a invade, porque, se por desgraça adormecer, o patrão bater-lhe-ia.
A chama da lâmpada vacila. A mancha verde e a sombra negra dançam diante dos
olhos fixos que Varka se esforça por conservar abertos. Sonhos indistintos
vagam no seu cérebro amodorrado. Ela vê nuvens negras que se perseguem,
gritando com voz infantil. As nuvens se desfazem e Varka divisa uma estrada,
longa, negra e lamacenta. Filas de carros avançam lentamente; homens caminham
vagarosamente, sombras se agitam aqui e acolá! Através de uma névoa cinzenta e
fria ela entrevê os albergues, dos dois lados da estrada. As sombras se
alongam, os viajantes perdem-se na estrada lamacenta.
— Por quê? — pergunta Varka.
— Para dormir, para dormir…
E dormem um sono de chumbo, profundamente, enquanto sobre os fios
telegráficos corvos gritam, com voz infantil, para acordar aqueles homens…
— Bain bainscki bain… — canta Varka, e, súbito, acha-se numa mísera isba
negra, acanhada e sufocante. Não é aquele seu pai, Efim Stepanov, que ali jaz
por terra e se estorce em sofrimentos atrozes? Ela vê, mas não ouve os gemidos.
É a sua hérnia que o atormenta. A dor é tão forte que ele não pode falar;
respira penosamente, com um gargarejo contínuo:
— Groo… groo… groo…
Eis a mulher, Pelágia, que se precipita para fora da isba, para dizer ao
patrão que Efim é moribundo. Quando voltará? Saiu já há muito tempo e Varka
espera-a. Varka está acordada perto do fogão, mas não dorme e escuta o ofegar
do moribundo:
— Groo… groo… groo…
Finalmente, um rumor de rodas que se dirige para a isba. Um médico vem
visitar o doente. Entra no quarto. A escuridão é tanta que Varka não o vê, mas
ouve a sua voz.
— Dê-me uma luz! — exclama ela.
A mãe acende uma vela. Efim sufoca.
— Que tem? pergunta o médico curvando-se sobre ele.
— Que tenho? Morro. Está acabado.
— Ainda não. Salvar-te-emos. Havemos de curar-te.
— Se vossa senhoria acha, agradeço-lhe muito. Mas se a morte está aqui,
paciência.
O médico examinava o doente. Os minutos corriam.
— Não posso fazer nada — disse —, é preciso mandá-lo para o hospital
para ser operado; mas isto depressa, sem perder um minuto. É tarde, e no
hospital devem todos estar recolhidos, mas eu darei um bilhete de recomendação
para o diretor. Compreendeu?
— Mas ele não pode andar, senhor! Nós não temos cavalo! — gemeu a mãe.
— Mandarei buscá-lo — disse o médico, e foi-se, e a vela apagou-se e
Varka ouve novamente:
— Groo… groo… groo…
Alguns instantes depois pára um carro à porta. Recebe Efim e parte…
É dia. O tempo está alegre. A mãe vai ao hospital saber notícias. E
volta. Entrando na isba, faz o sinal-da-cruz e chora.
— Operaram-no, e a princípio estava melhor, mas depois, pela madrugada,
morreu. Que Deus o tenha em sua paz. Disseram que era muito tarde, que
deveríamos tê-lo mandado mais cedo para o hospital.
Eis Varka no meio do bosque. Caminha ao lado da mãe, e chora, chora
amargamente.
De repente ela recebe uma pancada na cabeça, tão violenta que cai e bate
com a cabeça numa árvore. Abre os olhos e vê o patrão, o sapateiro:
— Que fazes, preguiçosa?! — grita ele. — O menino chora e tu dormes?
E puxa-lhe as orelhas; ela recomeça a balançar o berço, cantarolando:
— Bain bainscki bain…
A mancha verde e a grande sombra negra dançam na parede, e o cérebro
dela se entorpece. Ei-la novamente na grande estrada lamacenta. Os viajantes
dormem profundamente. Varka tem sono também, tem tanto sono e seria tão feliz
se pudesse dormir… Mas sua mãe caminha sempre e arrasta-a pela mão. Dirigem-se
à cidade em busca de trabalho.
— Uma esmola, pelo amor de Deus! — mendiga a mãe durante todo o caminho.
— Tende piedade…
— Depressa, dá-me o menino! — responde uma voz tonitruante — dá-me o
menino! Tu dormes, canalha! — grita a voz irritada e rude.
Varka levanta-se, estremunhada. Sim, compreende: não mais a longa
estrada, os viajantes, a imagem da mãe. É a patroa que aparece no meio do
quarto, que vem aleitar o menino. Aquele era o passado de Varka, visto em
sonho; este é o presente.
Enquanto a gorda patroa aleita o menino, procurando adormecê-lo, Varka,
de pé, lança os olhos pela janela. O céu empalidece, a sombra e a mancha verde
estão quase desvanecidas: dentro em pouco será dia.
— Toma, segura o menino! — ordena a patroa, abotoando a camisa no peito.
— Ele chora sempre. Tu com certeza o maltrataste!
Varka torna a deitar o menino e recomeça a embalá-lo. Que sono terrível!
Os olhos se fecham, a cabeça pesa-lhe como chumbo.
— Varka, é tempo de acender o fogão — brada a voz do patrão.
É preciso levantar-se e trabalhar. Varka larga o berço e vai buscar a lenha.
Está contente de poder mover-se, andar, espantar aquele sono tremendo. Está
pronto o fogo. Suas idéias aclaram-se, seu rosto distende-se.
— Varka! o samovar! depressa! — grita a patroa.
Varka apronta o samovar e recebe nova ordem.
— Varka, vai limpar as botas do patrão!
E ela acocora-se para limpar as botas. Ah! como seria bom meter a cabeça
dentro de uma daquelas botas e dormir! Varka escancara os olhos e sacode-se
vigorosamente.
— Varka, vai lavar a sala! Está que é uma vergonha! E os fregueses não tardam!
Varka lava rapidamente o chão, varre tudo, limpa tudo, acende o outro
fogão! O tempo urge: não há um momento a perder.
O dia passa. Varka vê com alegria a noite que chega. O ar fresco da
noite promete-lhe um longo e profundo sono. Mas, quando a noite chega, chegam
visitas.
— Varka! — grita a patroa — depressa, o samovar!
O samovar é pouco, e Varka deve ferver mais água, enquanto os patrões e
os visitantes abancam-se em torno da mesa.
— Varka corre a buscar três garrafas de cerveja! Varka, os copos! Varka!
Vão-se finalmente os visitantes. Apaga-se a luz; os patrões vão
deitar-se.
— Varka! vai embalar o menino! — dizem eles.
O grilo canta, a mancha verde e a sombra negra agitam-se novamente ante
os olhos sonolentos e entorpecem-lhe o cérebro.
— Bain bainscki bain…
O menino grita… Varka revê a estrada lamacenta, os viajantes, a sua mãe
Pelágia, seu pai Efim… Reconhece-os perfeitamente, mas não pode ver o monstro
que a tortura, que a tem amarrada de pés e mãos, que a sufoca, que a impede de
viver.
Volve a cabeça de todos os lados e procura aquele inimigo infernal, para
libertar-se. Em um esforço supremo, abre os olhos, vê a mancha verde, a sombra
negra que se agita, quando, de súbito, um grito do menino fere-lhe os ouvidos.
Finalmente! Varka encontrou o inimigo que a impede de viver. É aquele
menino o seu inimigo impiedoso! E ela ri, espantada de o não haver descoberto
antes. Que estúpida! A mancha, a sombra, o grilo, tudo ri com ela, tão
estúpidos como ela. Uma idéia luminosa passa-lhe no cérebro pesado. Levanta-se
vagarosamente do escabelo em que está sentada, com um claro sorriso no rosto
embrutecido, e dá alguns passos. A idéia de libertar-se do menino aparece-lhe
mais viva. Libertar-se daquele que a impede de viver! Precisa matá-lo, e depois
dormir, dormir, dormir…
Sorrindo, rindo e piscando os olhos para a mancha verde, Varka
avizinha-se do berço, curva-se sobre o menino: e sufoca-o. Depois estende-se
rapidamente no chão, sorrindo de alegria ao pensamento de que finalmente poderá
dormir. E adormece logo.
Varka dorme um sono profundo e pesado como a morte.
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