quarta-feira, 25 de novembro de 2020

‘O Gambito da Rainha’ / A série que mostra o xadrez como nunca antes na televisão


 


‘O Gambito da Rainha’, a série que mostra o xadrez como nunca antes na televisão

Adaptação do clássico de Walter Tevis retrata uma jovem prodígio que abre caminho no competitivo mundo do esporte enquanto luta para não sucumbir aos seus vícios


Laura Fernández
Barcelona, 13 nov 2020

Assim como no clássico de Stefan Zweig Novela de Xadrez, Walter Tevis ―um escritor excessivamente atraído pelo tormento do gênio e pela condição de outsider―, construiu seu romance The Queen’s Gambit (“o gambito da rainha”), onde narra os avatares dickensianos de uma jovem prodígio e professora de xadrez, baseando-se no duelo sempre apetitoso entre o irracional e o racional. O muito humano e o nada humano. Em seu caso, diferentemente de Zweig, fez isso tomando partido por uma irracionalidade desenfreada que lhe permite explorar a conexão entre gênio e loucura, ou entre dom e psicose. Tevis entendia o talento como algo às vezes insuportável, algo que exige um sacrifício, como a famosa abertura, o gambito ―um dos movimentos no xadrez―, que dá nome ao romance no qual se baseia O Gambito da Rainha, a nova série da Netflix.

Viciante e trepidante ―pelo menos a partir do segundo capítulo, quando a vida da protagonista, Beth Harmon, dá uma guinada longe do isolamento do orfanato―, a série é estrelada por uma Anya Taylor-Joy (O Segredo de Marrowbone) à altura do hieratismo da personagem, tão marciana como o David Bowie que protagonizava a adaptação do outro grande clássico de Tevis, O Homem que Caiu na Terra. Com seis capítulos, a série é, ao mesmo tempo, um retrato do submundo do xadrez ―esse universo paralelo com suas próprias estrelas, e que o próprio Tevis conhecia bem (embora tenha sido apenas um jogador de terceira categoria)― e um bizarro coming of age que toma o pulso feminista de uma época em que um espaço tão fechado como o do xadrez parece presa na tempo. Mas há mais do que isso. Muito mais. A relação entre Harmon (Taylor-Joy) e sua mãe adotiva, Alma (Mariele Heller), por exemplo, é puro fogo maldito.

Porque Harmon não se limita a ser um gênio, ela é um gênio maltratado. Filha de uma mulher que também é um gênio (neste caso, da matemática), totalmente doida ―a mãe bate o carro, com ela e a menina dentro, no início da série, e some do mapa―, Beth passa a infância em um orfanato, onde acontecem duas coisas com ela: descobre o xadrez, graças a um zelador que joga sozinho em um porão, e fica dependente de tranquilizantes, que na década de 1950 pareciam totalmente indicados para crianças. As duas coisas ficarão unidas para sempre no cérebro ao mesmo tempo matemático e intuitivo da menina Beth, que daí em diante necessitará de qualquer tipo de entorpecente ―álcool, comprimidos― para sentir que pode suportar a pressão que, na verdade, ela mesma exerce contra si. Porque ela é o verdadeiro rival a ser vencido. Quando estuda, não estuda as fraquezas de seu adversário, e sim suas próprias fraquezas.

E faz isso para se tornar invencível. Para controlar o incontrolável. “Gosto do xadrez”, diz Harmon à jornalista da Life que vai entrevistá-la quando ganha seu primeiro torneio estadual, “porque é um mundo em 64 casinhas. Um lugar para se sentir segura. Previsível, controlável”. Enquanto o mundo exterior e sua própria condição de mulher são difíceis de compreender ―outra constante na obra de Tevis, a do outsider, que em O Homem que Caiu na Terra era, literalmente, um extraterrestre que tentava imitar o comportamento humano―, quando Beth joga xadrez ela está, de certa forma, em casa. Por isso, diz em determinado momento que o xadrez “não é só competitivo, também pode ser precioso”, um mundo dentro do mundo, a família que nunca terá, ou aparecerá para ela como uma miragem. Um dos melhores jogadores do mundo, Garry Kasparov, afirma que nunca tinha visto uma série que respeitasse tanto as estratégias e os tempos do xadrez: diz que é a mais realista das pouquíssimas séries já feitas sobre um esporte que, definitivamente, é pouco visual.

Embora complicada e cruel no início, a relação de Beth com sua mãe adotiva, uma alcoólatra inveterada, decola no momento em que ela decide que, apesar de tudo, pode tentar ser “uma mãe”, e consegue ser uma excelente, porque faz o principal: respeita sua filha e acredita cegamente nela. Sua relação, a de uma dupla de desajustadas tentando não se adaptar a nada, nem a elas mesmas, é uma pequena joia dentro de uma produção que dispara contra o machismo que rodeia tudo que tem a ver com o mundo do xadrez ―principalmente nas camadas mais baixas, onde a prepotência da mediocridade é insuportável―, e que, como relata com perfeição a mestra enxadrista Judit Polgár, nascida em 1976 e considerada a melhor jogadora da história, no documentário Los Otros: Judit Contra Todos, continua totalmente vigente.

Eis aqui a razão pela qual o livro de Tevis, cedo ou tarde, teria de ser adaptado para a tela. Porque, embora pareça um de tantos produtos da Netflix, as tentativas de adaptar O Gambito da Rainha datam de 1983, ano em que um jornalista do The New York Times comprou os direitos. A morte de Tevis pouco depois impediu que isso ocorresse, mas, menos de uma década mais tarde, Allan Scott, o mesmo roteirista que aparece nos créditos da produção da Netflix, comprou esses direitos, e escreveu um roteiro de cinema transformado em série em parceria com Scott Frank, que adaptou Minority Report: A Nova Lei para Spielberg. O resultado acerta as contas, de forma notável e principalmente apreciável, com todos os fantasmas do jogo que é considerado o mais difícil do mundo, e de quebra com o preço a pagar ―sempre existe um― pelo talento.

EL PAÍS



quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Miguel Torga / QUASE UM POEMA DE AMOR





Miguel Torga
QUASE UM POEMA DE AMOR

Há muito tempo já que não escrevo um
Poema de amor
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza Lusitana
Tem essa humana Graça Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça Bebedeira

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num intimo pudor,
- Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.



Lisboa, 1 de Janeiro de 1940


terça-feira, 3 de novembro de 2020

domingo, 1 de novembro de 2020

Morre o ator Sean Connery, aos 90 anos

Sean Connery

 

Morre o ator Sean Connery, aos 90 anos

Intérprete de James Bond em sete filmes, o escocês ganhou um Oscar de melhor ator coadjuvante pela atuação em ‘Os Intocáveis’


31 oct 2020

O ator Sean Connery morreu aos 90 anos, de acordo com a BBC. O ator Thomas Sean Connery nasceu na cidade escocesa de Edimburgo (Reino Unido) em 25 de agosto de 1930. Filho de um caminhoneiro e de uma faxineira, o ator lembrou da pobreza que viveu em sua infância, da qual não tinha consciência porque era a situação pela qual todos os seus vizinhos passaram. Ele parou de ir à escola aos 13 anos e foi trabalhar como entregador de leite. Aos 16 anos ingressou na Marinha, com a intenção de permanecer sete anos de serviço, mas a deixou aos 19 anos.

Após seu retorno à vida civil, ele executou vários trabalhos menores em construção ou funerárias, além de ser modelo na Escola de Belas Artes de Edimburgo. Em 1953 participou da eleição de Mister Universe em Londres, onde atraiu a atenção de um diretor teatral que lhe ofereceu um papel no musical South Pacific. Foi então que o ator decidiu fazer seu nome artístico Sean Connery. Ele começou a atuar em filmes e programas de televisão na BBC. Em 1957 fez Vítima de uma Paixão, com Lana Turner, do diretor Lewis Allen.

Durante as filmagens ela brigou com Johnny Stompanato, namorado da atriz, no mesmo set. Havia rumores de que Connery tinha um caso com Turner, o que teria desencadeado o incidente. Mas foi em 1962 encarnou o personagem que o catapultou para a fama, James Bond, o agente 007 dos serviços secretos do Reino Unido na adaptação cinematográfica do romance Doutor No, de Ian Fleming. O extraordinário sucesso popular de 007 contra Doutor No foi seguido por mais seis episódios da série de filmes com o mesmo personagem estrelados por Sean Connery: Moscou contra 007 (1963), Goldfinger (1964), 007 contra a chantagem atômica (1965), Com 007 só se vive duas vezes (1967), Os Diamantes são eternos (1971) e Nunca mais outra vez (1983).

O ator não ficou rotulado pelo seu mais famoso personagem, pois participou de projetos e grandes diretores , como no filme de guerra O Mais longo dos dias (1962), Marnie, Confissões de uma ladra, de Alfred Hitchcock (1964) ou A colina dos homens perdidos, de Sidney Lumet (1965). Seu papel como monge-detetive no filme O Nome da Rosa, de Jean Jacques Annaud (1986), baseado na peça homônima de Umberto Eco, foi premiado pela Academia Britânica de Cinema e em 1988 ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante por Os intocáveis, de Brian de Palma. Em 2008 publicou sua autobiografia, intitulada Being a scot.

Teve problemas com a Justiça suíça em 2009 por alguns negócios feitos 30 anos antes com um investidor cujos descendentes estavam reivindicando dinheiro de um empréstimo. Um ano depois, a Justiça espanhola reivindicou sua declaração como réu pela reclassificação irregular das terras em Marbella onde ele tinha sua residência, mas o ator não apareceu na data marcada alegando problemas de saúde.

Sean Connery era um grande fã de golfe e expressou repetidamente seu apoio à causa da independência da Escócia. Ele foi casado com a atriz Diane Cilento entre 1962 e 1973 e tiveram um filho. Ela o acusou de maus-tratos e o ator fez algumas declarações apologéticas de violência contra as mulheres. Em 1975 ele se casou com a pintora Roquebrune Micheline, sua esposa até o fim de sua vida.