quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Lillian Ross deu lições de jornalismo a Truman Capote

Da direita para a esquerda, Lillian, Hemingway e seus filhos Gregory e Patrick, em Ketchum, Iowa, 1947 - Mary Hemingway/ Divulgação


Lillian Ross deu lições de jornalismo
a Truman Capote
ALVARO COSTA E SILVA
14 de janeiro de 2025

No processo de elaboração de "A Sangue Frio", obra-prima de Truman Capote, estão as lições de Lillian Ross, a jornalista da revista New Yorker de quem a editora Carambaia acaba de lançar "Sempre Repórter", coletânea de textos que deveria funcionar como modelo para todos os capotes iniciantes.
Capote leu a série de reportagens de Lillian sobre "A Glória de um Covarde", o clássico de John Huston —publicada em 1952 com cerca de 90 mil palavras e depois enfeixada no livro "Filme"—, e pirou.
Era isso que ele queria fazer. Em suas memórias, a autora conta que o jovem escritor a procurou e a questionou longamente sobre o método de fazer reportagens factuais estruturadas com recursos de ficção. Ouviu um conselho essencial: "Você nunca deve se arrogar o direito de dizer o que o personagem está pensando ou sentindo".
Com memória de elefante, ela não usava gravador, mantendo olhos e ouvidos abertos. Se necessário, fazia anotações rápidas num bloquinho. Muita conversa e atenção ao comportamento do entrevistado e aos detalhes do ambiente. "Evite a interpretação, a análise, passar os seus julgamentos dizendo ao leitor o que ele deveria pensar. Restrinja-se ao que pode ser observado e reportado. Deixe o leitor fazer a cabeça por si mesmo", escreveu em seu livro "Reporting".
Lilian Ross não foi a primeira a usar ferramentas de ficção em seu trabalho de jornalista (antes dela, Joel Silveira fez o mesmo no Brasil, tão bem quanto). E estava distante do que, nos anos 1960, se convencionou chamar de new journalism. Norman Mailer, por exemplo, a criticava por não se colocar de modo pessoal nos textos.
Seu estilo lembrava mais o de um documentarista ou um "cineasta literário". Exemplo perfeito é o retrato de Hemingway, peça de resistência da antologia "Sempre Repórter". Acabada a leitura, qualquer opinião sobre o escritor —era um bebum, um provocador, um exibicionista, um artista em crise—, fica por sua conta, caro leitor.
Em tempo: a reportagem de Lilian sobre o filme de John Huston levou mais de um ano e meio para ficar pronta e sair na New Yorker. Que editor hoje toparia um prazo desses?

Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".






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