Fanáticos
Salvador Dalí desenhou Freud como um híbrido monstruoso entre caracol e humano
PATRICIO PRON
17 AGO 2014 - 17:00 COT
Salvador Dalí tentou entrar três vezes na residência vienense de Sigmund Freud – e três vezes foi rejeitado. Tinha lido A Interpretação dos Sonhos em 1922 e havia se convertido em admirador incondicional da obra de Freud, a quem considerava um gênio: segundo observava, seu crânio se assemelhava à concha de um caracol, de modo que a fixação pelo pai da psicanálise e pelos moluscos gastrópodes foi um tema recorrente em suas conversas até que, talvez para mudar de assunto, o mecenas Edward James e o escritor Stefan Zweig organizaram um encontro entre os dois em julho de 1938 em Londres.
Freud acabara de escapar da Áustria anexada pelo nacional-socialismo e estava morrendo do câncer de mandíbula que acabaria com sua vida no ano seguinte. Dalí não falava nem alemão nem inglês e o diálogo foi impossível. Por isso, Dalí se sentou e começou a desenhar Freud enquanto este conversava com James e Zweig. Anos depois, afirmaria que aquele encontro foi uma das experiências mais importantes de sua vida, mas é possível que Freud não tivesse a mesma opinião. Gostamos de pensar que os encontros entre as pessoas que admiramos renderão momentos também admiráveis, mas isso quase nunca ocorre, provavelmente porque neles se impõe a adulação ou a indiferença. É melhor não conhecer nossos ídolos? Não sei. Dalí desenhou Freud como um híbrido monstruoso entre caracol e humano. Zweig conseguiu interceptar a obra antes que Freud a visse, convencido de que ficaria irritado, e o pai da psicanálise nunca pôde contemplar seu retrato. Apenas disse, enquanto Dalí o desenhava: “Esse jovem parece um fanático. Não me surpreende que haja uma guerra civil na Espanha se todos são como ele”.
DALÍ EM SÃO PAULO
Depois de passar pelo Rio de Janeiro, São Paulo recebe, a partir deste domingo 19, uma das maiores mostras do surrealista Salvador Dalí já realizada no país.
No Rio, quase um milhão de pessoas passaram pela exposição no Centro Cultural Banco do Brasil. Em São Paulo, a mostra estará aberta ao público no Instituto Tomie Ohtake (Av. Brigadeiro Faria Lima, 201) até o dia 11 de novembro, com entrada gratuita.
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