Mbappé iguala Pelé, mas não quer ser Peter Pan
Jovem estrela francesa chegou a final em meio a comentários que recomendavam a paciência que sua juventude precisa, mas ele se rebelou contra isso. Não gosta que falem e o julguem por seus 19 anos
LADISLAO J. MOÑINO
Moscou 15 JUL 2018 - 14:23 COT
Moscou 15 JUL 2018 - 14:23 COT
Com somente 17 anos, para ser um dos integrantes da seleção brasileira que jogou a Copa de 1958, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, precisou antes passar por um teste exigente. O treinador Vicente Feola elaborou primeiro uma lista de 220 jogadores que foi reduzida a 33 e por fim aos 22 que foram à Suécia. “A maior parte deles estava nas mesmas condições para a prática do futebol. Depois, comecei a eliminá-los. As causas não foram técnicas e sim físicas e de atitude. Ficaram no Brasil os contrários à disciplina, os violentos e os que se achavam prima donnas”, contou anos mais tarde o já falecido Feola.
As decisões do treinador brasileiro foram influenciadas pelo chamado Relatório Carvalhaes, com exceção dos casos de Mané Garrincha e Pelé. Se no veredito do primeiro, o psicólogo e sociólogo, chamado João, se referia a uma “inteligência abaixo da média”, no de Pelé afirmava categoricamente: “Com 17 anos, possui um perfil evidentemente infantil. Não tem o espírito necessário para lutar. É muito jovem para aguentar pancadas e agressões e responder a elas de maneira adequada. Não tem o senso de responsabilidade necessário e o espírito de equipe. Sua convocação não é aconselhável”.
A tentativa de Pelé de abandonar a concentração antes da viagem à Suécia por não suportar a dor em um de seus joelhos, atingido com violência por Ari, zagueiro do Corinthians, durante um amistoso, fez com que Carvalhaes voltasse a querer tirar Pelé da seleção: “É um menino, não para de chorar, não podemos levá-lo à Copa do Mundo”. Feola, pela segunda vez, desautorizou o psicólogo. Com seu empenho em manter Pelé, o técnico evitou que fosse cortada a até agora irrupção individual mais impactante de um jogador em uma Copa.
Guardando as devidas proporções, aos 19 anos Kylian Mbappé relembrou nas oitavas de final contra a Argentina (4 a 3) o espetacular surgimento daquele jovem brasileiro de 17 anos que na Suécia estranhava o fato de que nas outras seleções não jogassem negros.
Desde sua exibição diante do olhar perdido de Messi, Mbappé ficou devendo uma atuação semelhante. Contra o Uruguai, é lembrado mais pelo espetáculo circense aos moldes de Neymar, incluindo uma solada em Cebolla Rodríguez, do que por realizar uma dessas arrancadas que ilustram a passada mais elegante e demolidora do momento. Contra a Bélgica, detalhes como um passe para Giroud dentro da área de calcanhar foram grandiosos, mas sua atuação foi irregular. Mas, na final contra a Croácia, embora não tenha brilhado como na ocasião diante dos argentinos, Mbappé fez história ao igualar Pelé como o segundo jogador a marcar em uma final de Copa com menos de 20 anos. Além disso, ganhou o prêmio de revelação do Mundial, que pode impulsioná-lo à Bola de Ouro, ultrapassando Messi, Cristiano Ronaldo, Neymar e até mesmo Griezmann e Modric, eleito o craque do torneio.
Para Mbappé, a final chegou em meio à preocupação na equipe de como ele pode ter digerido a grande partida que fez contra a Argentina e sua posterior queda de rendimento. O assunto encheu a concentração e os debates esportivos na França de comentários protetores que recomendavam a paciência que sua juventude precisa. Mbappé se rebelou contra isso. Não aceita a “síndrome de Peter Pan”, resumida no medo de se tornar adulto e enfrentar os problemas da maturidade.
“Mbappé não gosta que falem de sua idade... Para irritá-lo, às vezes dizem que tem 15 anos”, contou Samuel Umtiti na última quinta-feira. “Ele é maduro, podemos falar de tudo com ele, tem a cabeça no lugar. Ele sabe onde e como quer ir. Está realizando algo inacreditável, mas se mantém da mesma forma”, afirmou o zagueiro do Barcelona.
“Kylian”, diz Deschamps, “é tratado por mim da mesma forma que todos os jogadores, é parte dos 23 e vive a mesma situação, ainda que evidentemente por minha experiência sei que é importante ser mais indulgente com os jovens”. “Sua experiência não é muito grande, porém Kylian é inteligente, sabe ouvir, sabe o que quer, às vezes podemos ter pequenas discussões, mas é igual ao que ocorre com os outros, quando lhes digo algo não necessariamente positivo para corrigir”, afirma Deschamps. Ao que parece, o garoto quer ser julgado pelo técnico, por seus colegas e pela imprensa como mais um integrante da equipe titular sem levar em conta sua idade. Não quer que sua juventude seja uma desculpa para justificar seus momentos ruins e para ser exaltado se seu rendimento for bom.
Parte da imprensa francesa explica essa atitude na ambição de Mbappé por chegar o quanto antes ao topo do futebol mundial e na fé que ele mesmo possui em suas qualidades. Isso o leva a querer assumir um protagonismo central nas partidas que hoje recai mais na capacidade de Griezmann em administrar os tempos do jogo e os espaços do que sobre suas devastadoras arrancadas. Ao marcar na final da Copa, Mbappé cravou seu nome em uma seleta galeria de craques precoces. É o segundo mais jovem a alcançar o feito, atrás apenas de Pelé, a quem o garoto nascido na periferia parisiense sonha superar no futuro promissor que tem pela frente.
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