Ryan Gosling é o protagonista da continuação de um filme icônico da cultura. "Tive que processar a ideia de fazer parte de algo imenso", afirma
Gregorio Belinchón
Madri, 20 sep 2017
Nada mais é sagrado no cinema. Tudo está sujeito a remakes, continuações, novas adaptações, reboots, spin offs e qualquer palavra que ocorra a Hollywood. Se até Casablanca teve uma versão futurista com Pamela Anderson (Bela e Perigosa), era plausível que houvesse uma continuação de Blade Runner, uma vez acabados os diferentes lançamentos comerciais de sua versão sem voz em off, da montagem do diretor, do... "Bom, eu estou me preparando para isso a minha vida inteira", confessa Ryan Gosling (London, Ontario, 1980). "O filme estreou quando eu tinha dois anos. E influenciou a cultura na qual eu cresci. Eu o vi com 12 anos e me impactou. Virou parte de mim, porque, com 20 anos, eu me fiz perguntas sobre o futuro que estão em Blade Runner. Eu me mudei para Los Angeles, virei ator e vivi em Downtown, muito perto do edifício Bradbury. Um dia, fui entrevistado por Ridley Scott, que me adiantou partes da história, o que me interessava, e enquanto processava o conceito de fazer parte de algo imenso, já estava em Budapeste filmando junto com Harrison Ford". Em Blade Runner 2049, dirigido por Denis Villeneuve,Gosling herda o protagonista do filme, o oficial K, muito parecido em figurino, solidão e melancolia ao mítico Rick Deckard, que volta às telonas porque, neste século XXI, Ford tomou gosto por recuperar seus personagens.
Como foi ler a continuação de um título tão cultuado? "No meu caso, tudo depende da conexão com o roteiro. Na primeira vez em que li o roteiro de Blade Runner 2049, eu me perdi na história, mergulhei preso à imensa aposta visual e, ao mesmo tempo, à reflexão íntima sobre a vida de personagens complexos". Acontece sempre? "Busco trabalhar com diretores ambiciosos, que me permitam colaborar com suas visões cinematográficas". Como dizia seu filme anterior, La La Land, tudo isso é muito bonito, e é a ambição de todo ator. Agora, se não tiver sorte... Pela primeira vez, Gosling dá risada. "Eu sei, eu sei. É verdade. O que faço é sentir que me conecto com o roteiro, com o diretor, entender o que está fazendo, sentir as emoções do seu personagem. E então..."
Gosling apareceu com a típica blusa que ganhou de Natal da sua avó. Também não se destaca pela elegância com a imprensa. Seu negócio é outro: encarnar homens difíceis, complexos. "Em Blade Runner, há um tipo muito diferente de herói. Era uma das perguntas chave da primeira parte, que questionava os espectadores sobre as diferenças, às vezes mínimas, entre heróis e vilões", lembra Gosling. "Não posso dizer muito mais porque acredito que o espectador precisa desfrutar da experiência, como eu fiz na primeira vez que li o roteiro. Faz 35 anos e vale a pena esperar o filme". Com isso, justifica também por que os jornalistas que entrevistam os atores puderam ver apenas parte do filme: há dez dias, o New York Times revelou um spoiler, um detalhe chave para a trama, e os produtores ficaram bravos. A poucos dias da estreia, em 6 de outubro, ninguém mais verá a íntegra de Blade Runner 2049.
Logo, são os atores que fornecem as informações: "O que podemos contar? Que Ford faz novamente Rick, que o trabalho dos blade runners, caçar replicantes, ficou mais complicado porque o contexto mudou. Agora, são párias, fazem um trabalho que ninguém quer fazer. Meu personagem tem uma existência solitária, sem conexões humanas. E, no começo do filme, suas emoções de tentar algo mais que seu trabalho são exploradas". Gosling não tem dificuldade para responder uma pergunta fundamental: Blade Runner 2049 é a segunda parte de qual versão da primeira? Porque há pequenas variações visuais em algumas que, no entanto, mudam completamente o personagem de Deckard. "Continua a história da versão do diretor". Para o bom entendedor....
O ATOR QUE NÃO INTERPRETA SUPER-HERÓIS
Ryan Gosling, como todos, tem um passado. Começou na televisão, em janeiro de 1993, no Club Disney, e como estava longe de Ontario, sua cidade natal, viveu durante dois anos na casa da família de um dos seus companheiros de programa, Justin Timberlake. Ganhou experiência como protagonista da série O jovem Hércules e começou no cinema, mesclando títulos mais esquecíveis - categoria na qual entra o blockbuster Diário De Uma Paixão - com dramas como Tolerância Zero, Half Nelson - Encurralados e A Garota Ideal. Hoje em dia, é um dos pouquíssimos atores de primeira categoria, dos grandes (fez La La Land, Tudo Pelo Poder, Drive, Namorados para Sempre), que não está em nenhuma saga de ficção científica ou de super-heróis. "Por enquanto, não senti a conexão de nenhuma das propostas com as minhas experiências de vida. Tenho família [dois filhos com a atriz Eva Mendes], então preciso me importar muito com o filme para me afastar deles... E não acredita que meus trabalhos com Nicolas Winding Refin estão construindo o arquétipo do super-herói moderno?", responde, rindo. Haverá uma segunda parte de Drive? Porque o romance já existe. "Não acredito. Nic e eu falamos disso, mas não gostamos muito do material. E seria romper o mistério do personagem".
Seu próximo passo é especial: será Neil Armstrong em First Man. "A pesquisa está sendo maravilhosa, inspiradora. E eu gostaria de classificá-lo como super-herói de carne e osso".
VILLENEUVE, O DIRETOR PERFEITO
A carreira do canadense Denis Villeneuve é incrível. Não tem filme ruim. Ao mesmo tempo, todas sabem chegar ao grande público e se ancoram no aqui e agora de cada espectador. Acontecerá o mesmo com Blade Runner 2049? "Claro, mas o primeiro já falava cara a cara com a audiência sobre como o ser humano encara circunstâncias adversas e como se comporta com outros seres humanos. Dito isso, este é um filme de Villeneuve, com seu enorme respeito pelos homens. Ridley o ajudou, mas Denis seguiu seu instinto. É um diretor admirável".
HARRISON FORD ASSEGURA QUE SE MANTÉM O TOM DE "PESADELO EXISTENCIAL"
G. B. / AGENCIAS
"O que aconteceu com ele faz parte do mistério", respondeu Harrison Ford, sobre em que estado encontrou seu personagem de caçador de replicantes, Rick Deckard, 35 anos depois do original Blade Runner. O popular ator, de 75 anos, afirma que o filme mantém o tom "noir" e de "pesadelo existencial" do primeiro, mas, preocupado com a promoção, alerta: "Não vamos confundir terrível com chato, não é um passeio no parque, mas há tensões, mistérios".
Os fatos acontecem 30 anos depois do primeiro filme, ambientado em 2019. Um novo caçador de replicantes, o agente K (Ryan Gosling), desenterra um antigo segredo que poderia mergulhar no caos o que resta da sociedade. O roteiro é de Hampton Fancher, que adaptou também o filme original do romance de Philip K. Dick, Androides sonham com ovelhas elétricas?, e de Michael Green. Conta com novos personagens que foram interpretados por Ana de Armas, Robin Wirght e Jared Leto.
Ana de Armas destacou, em Madri, que sua personagem é "forte e complexa". "É a amante do agente K, sua melhor amiga, e a única pessoa em quem pode confiar. Ela o empurra a buscar essas respostas que precisa saber", afirmou.
Lançado em 1982, Blade Runner não foi bem na bilheteria na sua época, mas, com o tempo, converteu-se em um filme cultuado, que se moveu entre o cinema negro e o da ficção científica, e discutia questões à frente do seu tempo sobre o que significa ser humano, as classes sociais, a engenharia elétrica e as mudanças climáticas.
Melantha Jhirl is one of the main characters of the Syfy television series Nightflyers and is portrayed by Jodie Turner-Smith. Melantha is the first officer of the Nightflyer mission. She is a genetically enhanced cadet from the Genetic Space Program. Hand-picked by Karl D'Branin to be his first officer, Melantha is fiercely loyal to her commander. However, she comes to the attention of Roy Eris, which sparks competition for her loyalties.
She is described in the book as "a head taller than anyone on board, a large-framed, large-breasted, long-legged, strong, muscles moving fluidly beneath shiny coal-black skin." NIGHTFLYERS
'Grito muito, mas quero eco', diz Elza Soares sobre combate ao racismo
Intérprete carioca defende o empoderamento feminino em novo álbum, que começa a gravar; em entrevista à BBC, conta que veio 'do planeta fome', trabalhou como doméstica e apanhou do ex-marido Mané Garrincha, trajetória que vai virar biografia e musical para o teatro; ela ainda diz que considera a situação do país 'trágica', mas afirma ter fé em 'um momento bom': 'Assim como veio para a Elza Soares, há de vir para o Brasil'.
Júlia Dias Carneiro
Da BBC Brasil no Rio de Janeiro
Parece que o fim do mundo está chegando pela janela do apartamento de Elza Soares, empoleirado sobre a Avenida Atlântica, de tão densa a névoa que cobre a Praia de Copacabana. Nem parece haver mar nem horizonte numa tarde abafada do verão carioca. Fim? Nem pensar. A protagonista de A Mulher do Fim do Mundo, álbum de 2015, continua criando, e se reinventando, aos 80 anos. Elza entra em estúdio na próxima segunda feira para começar a gravar o próximo álbum, que agora proclama no título: "Deus É Mulher"
Elza tem recebido homenagens pelos 80 anos que completou em junho do ano passado, mas já teria 87 anos de acordo com um segundo registro de nascimento. Ela se recusa a falar qual está certo. "Esse negócio de idade... Não tem idade, cara. Sou atemporal.
O mote do novo disco segue a onda de protestos do trabalho recente da cantora, que levanta bandeiras contra o racismo, violência doméstica, homofobia, e agora foca no "empoderamento todo que as mulheres estão tendo, graças a Deus".
"Eu vim protestando com A Mulher do Fim do Mundo e volto com o mesmo protesto, mas dando mais força às mulheres. Pondo mais a mulher na frente. Nós mulheres sabemos que podemos ficar à frente", diz. "Mulheres podem liderar e pode haver Deus dentro de cada uma de nós. Por que não? Por que Deus não pode ser mulher? Deus é mulher."
Elza diz que o "grito" das mulheres já vem de muitos anos, mas está sendo mais ouvido agora.
"O momento é propício para o grito. Esse grito não pode ser silenciando. Tem que continuar gritando, e muito", afirma.
Elza recebe a BBC Brasil sentada com uma almofada firme nas costas, e permanece na mesma posição até irmos embora, reflexo dos problemas na coluna que a obrigam a fazer fisioterapia três vezes por semana e apresentar todos os shows também sentada. A cantora é avó e bisavó, com sete netos e quatro bisnetos.
Uma das músicas do último álbum virou um hino denunciando a violência contra mulheres. Maria da Vila Matilde conclama mulheres a ligar para o 180 e denunciar seus parceiros em casos de agressão, com as palavras de ordem: "cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim".
Elza se separou após 17 anos de casamento - e diz gostar de pensar apenas nos bons momentos com Garrincha, sem querer remoer o sofrimento.
Batizada Elza da Conceição, a cantora nasceu em um sítio em Padre Miguel e cresceu em Água Santa em meio à pobreza. Casou-se aos 12 anos. Aos 13 anos, já mãe, perdeu um dos dois filhos para uma pneumonia. Aos 21 tornou-se viúva do primeiro marido, de quem herdou o sobrenome Soares.
A jovem Elza carregou caixa d'água na cabeça e foi doméstica, faxineira, empacotadora - tudo menos cantora. Apesar da inclinação que sentia desde criança, aquele caminho não era uma opção para a família. Quando os dois filhos pegaram uma pneumonia grave e não havia dinheiro para antibióticos, o desespero a levou a se inscrever escondida da família no programa de calouros de Ary Barroso na Rádio Tupi. Vestiu uma roupa larga demais da mãe e enfiou alfinetes onde sobrava pano. O visual ficou tão peculiar que Ary Barroso, ao vê-la, perguntou de que planeta ela vinha.
A resposta de Elza, que pesava "30 e poucos quilos", cortou os risos debochados do auditório. "Do planeta fome", rebateu. Ela saiu do programa com um prêmio em dinheiro, correu para a farmácia e medicou os filhos. Um deles reagiu, mas o outro morreu poucos dias depois.
Neste ano, sua história de vida vai virar uma biografia escrita pelo jornalista Zeca Camargo (Ed. Leya) e um musical para o teatro. Um filme também está em fase de planejamento, com a atriz Taís Araújo vivendo a protagonista.
Elza se mostra avessa a perguntas que tematizem o passado e a velhice. Medo da morte? "Nunca conversei com ela não. Deixo ela distante."
Uma mesa na sala reúne alguns dos muitos prêmios acumulados pela cantora, que ganhou o Grammy Latino na categoria de melhor disco de música popular brasileira por A Mulher do Fim do Mundo, em 2016
Elza Soares foi casada durante 17 anos com o jogador de futebol Mané Garrincha | Foto: Agência O Globo
Foto: BBC News Brasil
"Eu não olho para trás. Eu olho para a frente. Eu olho o hoje. É o que eu digo sempre, my name is now", afirma, repetindo o bordão ("meu nome é agora") que deu nome a um documentário sobre sua trajetória, lançado em 2015.
"Deus É Mulher" será lançado ainda neste ano, e a cantora continua em turnê com o show A Voz e a Máquina - uma boa metáfora desse corpo que, esteja com 80 anos ou 87, segue enfileirando um projeto atrás do outro. "Meu futuro está aí. Deixa o futuro vir. O passado já foi."
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil - Elza, existe um conflito sobre a sua data de nascimento. Qual é a verdadeira?
Elza Soares - Não comento. Não se pergunta sobre idade a mulher. Esse negócio de idade... não tem idade, cara. Sou atemporal.
BBC Brasil - Você teve um ressurgimento surpreendente depois do lançamento de A Mulher do Fim do Mundo. Como é se tornar um ícone pop na sua idade?
Elza Soares - Gente, eu não sei sobre esse negócio de idade, o que que tem idade, idade... Você tem o tempo, a matéria, o espírito, entendeu? Acho que quando você resiste, você está bem, aguentando tudo, é maravilhoso. Eu vejo meninos aí não aguentando nada, meninas não aguentando nada.
BBC Brasil - Então como você se sente na fase de vida em que está hoje?
Elza Soares - Completamente bem, fantástica, maravilhosa, trabalhando, viajando muito. Sucesso absoluto. Feliz.
BBC Brasil - O que inspirou a escolha do nome Deus É Mulher para o novo disco? Em que sentido você quer dizer que Deus é mulher?
Elza Soares - Com A Mulher do Fim do Mundo a gente veio denunciar tudo que não presta. Como os problemas não tiveram fim, aliás, é muito difícil acabarem, a gente volta agora com Deus É Mulher. Acho que as mulheres, com o empoderamento todo que têm agora, graças a Deus, elas podem muito bem liderar e pode haver Deus dentro de cada uma de nós. Por que não? Por que Deus não pode ser mulher? Deus é mulher.
Eu vim protestando com A Mulher do Fim do Mundo e volto com o mesmo protesto, mas dando mais força às mulheres. Pondo mais a mulher na frente. Nós mulheres sabemos que podemos ficar à frente. Acho que é por aí.
BBC Brasil - Você já passou por muitas dificuldades na vida. Como a sua trajetória influenciou a sua carreira e o seu jeito de cantar?
Elza Soares - Garra. Vontade. Entendeu? Acreditar. Tudo isso você tem que ter contigo. Eu acredito. Eu tenho garra. Eu tenho persistência. Eu acho que isso faz acontecer.
BBC Brasil - Em seu último disco você toca em temas sensíveis, e um deles é violência doméstica, com a música Maria da Vila Matilde, que virou uma espécie de hino pela causa. Você sofreu esse problema no passado - o que fez com que, em 2015, você quisesse falar no assunto?
Elza Soares - Eu já vinha falando sobre isso há muito tempo. Eu falo de política desde que comecei a cantar. De ser mulher, de ser negra. De ser mulher negra.
A violência doméstica, por mais que você fale e tente combater, ainda é muito presente. É triste que você ainda tenha a necessidade de fazer músicas falando da violência contra a mulher, que é uma coisa horrível. Isso você vai ter que falar a vida toda? É um câncer, né?
A gente fala da negritude, tem que falar da cor de pele, que é uma coisa absurda, né, tem que estar toda hora gritando, "olha!", "olha!", como um pregão, sempre.
BBC Brasil - Como você vê o movimento atual do feminismo, com tantas mulheres quebrando o silêncio sobre violência sexual e gerando um efeito-dominó de denúncias de assédio?
Elza Soares - Acho que valeu o passado. Acho que para esse presente de agora, valeu o passado. Porque tudo se copia, né? Eu acho que essa cópia aí é maravilhosa, porque as mulheres estão podendo falar mais, estão podendo gritar mais.
Mas isso já vem de um passado em que as mulheres vinham gritando, queimaram sutiãs, foram queimadas. Então você vê que a mulher já vem com um grito de muitos anos. Talvez sejamos ouvidas agora. Agora. Mas esse grito já vem de longe. Acho que o eco está sendo agora, mas o grito vem de longe.
Elza Soares - O momento é propício para o grito, lógico. Esse grito não pode ser silenciado, tem que continuar gritando, e muito. Gritar mesmo, sem interrupção.
BBC Brasil - Você costuma dizer em seus shows que o Brasil é negro. O que você acha que falta para a sociedade encarar de frente a desigualdade racial?
Elza Soares - Deixa eu te contar. Eu recebi uma homenagem no Memorial (da América Latina) em São Paulo com uma orquestra sinfônica maravilhosa (a Jazz Sinfônica), grande maestro, grandes músicos, uma homenagem belíssima. No momento que eu vi a Sinfônica, senti uma coisa meio estranha. Não vi um negro nessa Sinfônica. Então eu pergunto, onde estão meus negros? O que eles estão fazendo? Por favor, lutem, busquem, porque vocês têm o direito também. Aliás, temos o direito.
Quando eu cantei "a carne mais barata no mercado é a carne negra" - não é a carne negra. Foi a carne negra, entendeu? Cantei (a música A Carne) e fui muito aplaudida quando falei que sentia falta de um negro naquela Sinfônica.
BBC Brasil - Sua história com o Garrincha teve momentos muito difíceis. É deles que você se lembra mais quando pensa nele?
Elza Soares - Eu penso nos momentos de amor. Procuro esquecer os momentos de ódio, porque a coisa pior do mundo é o ódio, né? Então penso no momento de amor, que foi lindo.
BBC Brasil - Você já disse que o futebol brasileiro morreu com ele. Foi isso que causou o 7x1 na Copa de 2014?
Elza Soares - Eu acho que morreu mesmo. É falta de Garrincha, né? Garrincha nunca ganhou dólar, nunca ganhou euro, era canela, pé, aquelas pernas tortas maravilhosas. E aquele menino brincando de jogar futebol, né? Brincando sério.
BBC Brasil - Você viveu a ditadura e chegou a ir para o exílio com o Garrincha. Como você vê o momento político atual do país à luz do que viveu naquela época?
Elza Soares - Eu tenho muito medo da palavra ditadura. O Brasil não merece essa palavra. A gente tem que pensar muito antes de falar sobre política, porque está tudo tão conturbado. O momento pede consciência. Saber o que está acontecendo.
Dizem que a voz do povo é a voz de Deus. Quando o povo quer, a coisa acontece. Tem que ter consciência do momento que estamos atravessando. Por favor, a eleição vem aí, povo, por favor. Olha esse Brasil como é que está. Esse país que, lá fora, às vezes vira brincadeira, vira chacota. Você não quer ver teu país sendo falado dessa maneira tão triste.
Eu sou muito otimista. Eu acredito que isso é um momento que nós estamos atravessando, e vai passar. Acredito. Acredito nesse povo brasileiro sofrido, que isso vai passar. É um momento trágico, um momento ruim, mas acho que vai vir um momento bom para gente também. Assim como veio para a Elza Soares, há de vir para o Brasil.
BBC Brasil - É um momento difícil para o Rio também, com a crise e a onda de violência que o Estado está enfrentando.
Elza Soares - Ah, eu vejo esse Rio chorando. O Rio que é um Rio de alegria. A gente tem uma cidade tão maravilhosa. E passar por esses momentos cruéis assim. Eu vejo o Rio pedindo socorro, pedindo misericórdia, "help me". Assim eu vejo o Rio de Janeiro, pedindo socorro.
BBC Brasil - Quais são as coisas em que você se agarra para ter fé?
Elza Soares - Deus, lógico, primeiramente Deus. Acredito muito em Deus e me agarro nos meus santinhos maravilhosos. Nossa Senhora de Aparecida, São Jorge, sempre pedindo misericórdia. Não peço só para mim, não. Peço misericórdia para a nação.
BBC Brasil - Com toda essa rotina de shows, como é seu dia a dia, sua de cuidar da saúde?
Elza Soares - Eu sou muito tranquila. Cuido muito bem do meu corpo. Três vezes por semana tenho fisioterapia. Cuido da minha saúde, da minha alimentação, eu sei que preciso me cuidar. Por isso que eu digo, cuidem do Brasil porque o Brasil precisa se cuidar.
BBC Brasil - As pessoas às vezes te associam a cirurgias plásticas, às intervenções que você fez. Como você vê a vaidade feminina e a imagem que você tem? Elza Soares - Adoro um espelho. E para adorar um espalho adoro cirurgia plástica, adoro tudo. Acho que a mulher merece tudo, tem que ser linda, vaidosa. Mulher. Bons vestidos de seda, boas camisolas lindas, maravilhosas. Olhar no espelho e dizer, sou feliz comigo mesma. É muito bom. BBC Brasil - Mas a mulher sofre uma objetificação muito forte, a ideia do corpo sarado, das capas de revista com mulheres perfeitas. Você acha que isso tem que ser questionado nesse novo movimento de feminismo? Elza Soares - Não sei. Eu sei que eu gosto de mim, gosto de malhar, gosto de estar bem. Gosto de fazer uma cirurgia plástica se precisar. Eu não vou fazer mais. Mas faria cirurgia plástica maravilhosamente bem, não sei se precisa; se precisar, também faço. Eu acho que é por aí. Se o espelho me questionar, vou. Eu falo até para o espelho, pode esperar que eu volto amanhã para você.
BBC Brasil - Você casou com 12 anos. Como foi para você casar tão cedo, e como a sua sexualidade se desenvolveu ao longo da sua vida?
Elza Soares - Eu soltava pipa, jogava bola de gude, com filho no colo. Pegava balão, corria muito, brincava com eles. Foi assim que foi a minha vida. Era criança e mãe. Tanto que meus filhos me chamam de Conceição até hoje. Era como se fôssemos amigos.
BBC Brasil - Com tudo o que você sofreu, o que você diria se pudesse falar com a Elza do passado, ainda menina em Água Santa?
Elza Soares - Não sei. É muito gozado, eu não olho para trás. Eu olho para a frente. Eu olho o hoje. Eu digo sempre, my name is now ("meu nome é hoje"). Eu não gosto muito do passado. O passado já foi, já sei. O futuro não sei o que virá. Então, eu vivo hoje.
BBC Brasil - Como era a sua casa da infância em Água Santa?
Elza Soares - Era bem pobrezinha, mas tinha muita riqueza lá dentro. Tinha toda a minha família. Éramos seis irmãos.
BBC Brasil - Quando você se descobriu cantora? Seus pais eram contra?
Elza Soares - Eu sempre soube. Por incrível que pareça. Sempre gostei de cantar, desde pequenininha. Ser cantora na época era uma coisa pejorativa. Meu pai queria que eu estudasse muito, que não falasse em ser cantora, nada disso. Mas ele tocava violão e pedia para eu cantar com ele... Mas ele queria que eu fosse professora. Olha onde ele queria me jogar, professora. Eu não ia conseguir ser uma boa professora porque não iam me pagar, e eu ia brigar muito. Ia ficar essa coisa horrível de sempre ter uma greve.
Elza Soares - Era só rádio, né? Eu me lembro de Orlando Silva, que chegava para a gente, e de Glenn Miller. O Brasil era todo americano. O Brasil não era Brasil, era Brasil americano.
O Brasil não gosta muito do Brasil. Eu não sei o que acontece. Você liga o rádio ainda hoje e escuta muito pouca música brasileira.
BBC Brasil - O que você acha que você representa como um símbolo musical?
Elza Soares - Cara, é porque eu grito muito, entendeu? Talvez seja pela minha luta, pelas minhas guerras, minhas buscas. Mas eu queria eco dos meus gritos. Pela raça, buscando, falando, brigando por eles. Brigando por nós, né?
BBC Brasil - Você tem medo da morte, Elza?
Elza Soares - Nunca conversei com ela não, entendeu? Deixo ela distante. Não tenho muita confiança com ela não. Deixa ela pra lá.
BBC Brasil - Você não para de fazer planos para o futuro.
Elza Soares - Não, lógico, meu futuro está aí. My name is now. E deixa o futuro vir. Como deveria ser. O passado já foi.
BBC Brasil - O que você diria que é a mulher do fim do mundo?
Elza Soares - É uma mulher que tem coragem de dizer, de lutar, de buscar. Uma mulher que luta, sozinha. Mulher