Elza Soares |
A mulher do fim do mundo
A veterana Elza Soares assinou um dos melhores discos brasileiros de 2015
7 JAN 2016 - 10:14 COT
“Você vai se arrepender de levantar a mão pra mim” canta Elza Soares em Maria da Vila Matilde, samba contra a violência sofrida por tantas mulheres. Com seus 80 anos inconfessos e graves problemas de coluna, a carioca lançou um disco que qualquer cantora jovem assinaria, feliz: A mulher do fim do mundo. Onze canções inéditas nas quais colocou sua voz rouca e um tanto alquebrada.
Na gravação, produzida pelo baterista Guilherme Kastrup e com direção artística de Celso Sim e Rômulo Fróes, Elza é acompanhada por músicos da cena independente de São Paulo, como os guitarristas Kiko Dinucci e Rodrigo Campos ou o próprio Fróes. O resultado: samba com ruído, cavaquinho em rock’n roll distorcido, metais do grupo Bixiga para a sexualmente explícita Para foder ou emBenedita, visão de um travesti de todo um submundo de crack e violência.
A mulher do fim do mundo abre a capella com um poema do modernista Oswald de Andrade musicado por José Miguel Wisnik. Foi o professor Wisnik quem disse que para ela cantar era um parto em cada sílaba.
Nos anos 60, Elza Soares encheu as páginas da imprensa brasileira com sua tormentosa relação com um dos maiores jogadores de futebol da história: Garrincha. Foi oferecida pela mídia ao grande público como a mulher da vida que roubou o marido de sua esposa (e afastou um pai de suas filhas). Mas sempre foi valente. Não só por se atrever a gravar discos ousados como Do cóccix até o pescoço, com a presença de DJs e beat box, no qual denunciava que a carne mais barata do mercado é a carne negra. Mulher ferida, decidiu se defender com todas as suas forças. Sobrepondo-se aos golpes físicos e aos que a miséria inflige, e à perda de vários filhos, renasceu toda vez.
Em 1997, com o título de Cantando para não enlouquecer, foi publicada a biografia desta mulata de olhos rasgados, admirada por Louis Armstrong, que foi moldando seu corpo à força de muita ginástica, fisioterapia e muitas idas ao massagista. Uma caixa de 12 CDs, Negra, reúne mais de 20 álbuns que gravou entre 1960 e 1988, além de raridades compiladas pelo pesquisador Marcelo Fróes.
Elza Soares nasceu em uma favela do Rio de Janeiro. E com 13 anos já era mãe. Precisava de dinheiro para alimentar o filho e se inscreveu em um dos populares concursos de aspirantes a artista organizado pela então poderosa Rádio Tupi. Apareceu nos estúdios da emissora no Rio de Janeiro, mal penteada e vestida pior ainda, provocando risadas do público. O programa era apresentado por Ary Barroso – o compositor da célebre Aquarela do Brasil conciliava suas grandes composições com trabalhos como locutor esportivo e animador radiofônico. Só ocorreu a Barroso perguntar à garota esquálida (ela pesava 38 quilos) de que planeta ela vinha. “Do planeta fome”, respondeu Elza.
EL PAÍS
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