terça-feira, 19 de setembro de 2023

Aline Naomi / Amor e ossos

 

Imagem de ninikvaratskhelia_ por Pixabay

Aline Naomi
Amor e ossos

Mamãe diz para eu tomar o café da manhã na cozinha, que já estava na mesa, e não ir pro quintal. Em vez disso, vou pro banheiro lavar o rosto, fazer xixi, e volto pro quarto. Espio pela fresta da janela. Lica está no chão de azulejos, não se mexe. Meus pais sussurram sobre o que fazer com “o corpo”, enquanto papai segura um saco de lixo preto, dos grandes. Só vejo partes de tudo, porque a fresta não ajuda.

Lágrimas, lágrimas, saio correndo pro quintal, mamãe me manda voltar pra dentro, não volto, só quero me despedir, fazer um último carinho. Sei que a Lica não vai mais voltar. Eles tentam me acalmar, volto pro quarto e me jogo na cama.

Quando nasci, a Lica já estava aqui, já era parte da família. Passamos juntas metade da vida dela, o que é bastante tempo. Meus pais contavam que a Lica veio ainda filhote quando eles começaram a namorar, se mudou para a casa que eles compraram depois do casamento, dormia no quarto deles até antes de eu nascer. Cheguei e desequilibrei o mundo dela, acho. Mas depois ficamos amigas.

Já é noite e o saco preto ainda está num canto do quintal. Pergunto o que vão fazer com a Lica, papai diz que vai enterrar num lugar bonito, com sombra e flores, no sítio do vovô, e que posso visitar sempre que quiser, agora ela está no céu, brincando com outros cachorros.

Antes de dormir, penso num caixão especial para cães, com desenhos de ossinhos, e se meu pai jogaria uma flor sobre esse caixão, como fazem nos filmes, antes de começar a jogar terra com a pá. Eu não estaria lá para jogar uma flor, ou talvez um biscoito em formato de osso que ela gostava. Sinto uma dor no peito.

***

Uns dias depois, mamãe diz para eu pegar uns brinquedos, colocar na mochila, porque a gente vai pra casa da minha tia. Não entendo nada, mas faço o que ela pede. Estou de férias e a gente vai pra praia com a tia Maya e a Julinha, só pode. Mas tinha muita, muita coisa dentro do carro. E o papai? Ela não responde rápido, mas depois diz que papai está no trabalho. Fico triste ao pensar que ele vai encontrar a casa vazia quando chegar mais tarde.


ALINE NAOMI


segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Morre, aos 91 anos, o artista colombiano Fernando Botero

 

Fernando Botero


Morre, aos 91 anos, o artista colombiano Fernando Botero

Nascido na cidade de Medellín, Botero foi o criador do movimento artístico 'Boterismo', caracterizado por personagens volumosos que o tornaram reconhecido em todo o mundo.

O artista colombiano Fernando Botero morreu, nesta sexta-feira (15), aos 91 anos, em sua casa no principado de Mônaco. Nascido na cidade de Medellín, Botero foi o criador do movimento artístico “boterismo”, caracterizado por personagens volumosos que o tornaram reconhecido em todo o mundo.

"Morreu Fernando Botero, o pintor das nossas tradições e dos nossos defeitos, o pintor das nossas virtudes. O pintor da nossa violência e da nossa paz. Da pomba mil vezes descartada e mil vezes colocada no seu trono", escreveu o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, nas redes sociais.

O prefeito de Medellín, Daniel Quintero, anunciou sete dias de luto para “homenagear a memória do maior artista colombiano de todos os tempos”.

Com suas figuras corpulentas, Botero abordou uma ampla variedade de temas em sua obra, como reinterpretações de pinturas de artistas como Leonardo da Vinci e Edgar Degas, cenas de rua latino-americanas, vida doméstica e retratos satíricos de figuras políticas.

A formação artística de Botero foi autodidata, embora tenha frequentado a Academia San Fernando, de Madrid, e a Academia San Marcos, de Florença. Suas primeiras obras conhecidas são as ilustrações que publicou no suplemento literário do jornal El Colombiano, de sua cidade natal.

Quadro pintado pelo artista Fernando Botero.
Foto: Fernando Botero

Aos 19 anos viajou para Bogotá, onde apresentou sua primeira exposição individual de aquarelas, guaches, tintas e pinturas a óleo na Galeria Leo Matiz, e com os lucros viveu algum tempo em Tolú. Em sua estada ali, produziu a pintura a óleo “Frente al mar", com a qual conquistou o segundo prêmio de pintura no 9º Salão Anual de Artistas Colombianos.

Seu momento de descoberta veio em 1956, quando morava na Cidade do México: o artista pintou um bandolim com um orifício sonoro incomumente pequeno, fazendo com que o instrumento assumisse proporções exageradas. Botero ficou entusiasmado com essas possibilidades aparentemente novas e isso desencadeou sua exploração do volume das figuras ao longo da vida.

Em 1977, expôs pela primeira vez os seus trabalhos no Grand Palais de Paris e, em 1978, Fernando Botero pintou sua própria arte pastiche (reinterpretação de uma obra existente) intitulada “Monalisa”. A obra no estilo característico do “boterismo" homenageou uma das mais famosas pinturas a óleo ocidentais criada por Leonardo da Vinci.

Foi também um escultor talentoso que criou formas que parecem ser uma extensão de suas obras bidimensionais. As peças escultóricas de Botero podem ser encontradas nas ruas de Medellín, Nova York, Paris, Barcelona, Madrid e Jerusalém, entre outras.

*Com informações da agência de notícias Télam


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