Quentin Blake |
Italo Moiricone
LIVROS
QUERIDO DIÁRIO
Nove entre dez pessoas de minha relação e de mesma idade, setentões recentes ou em curso, estão vivendo o barato da arrumação de livros. Diversos são os relatos no Facebook, praticamente em tempo real. Barato que implica em desfazer-se de muitos livros. Cada livro empoeirado que a gente pega tem o potencial de suscitar uma revisita ao passado.
Estou nessa há alguns anos já.
Dou ou vendo livro para sebos, as bibliotecas universitárias públicas não são um caminho, a não ser eventuais coleções específicas, alocadas em setores especificos.
Dá uma dor tão grande separar-se de alguns destes livros. Devo eu desfalcar minha seção de ficção brasileira? Cada dispensa é um desfalque. Doações mais sérias exigem listas. Estas permitem uma despedida lenta, curtida, de alguns dos livros. Os que não foram nem serão jamais lidos, são folheados. O leitor setentão, em busca de recuperar sua errância pós-adolescente entre estantes multidisciplinares, multitemáticas, é um leitor que se nutre de páginas, igual ao Barthes. Quanta proteína há numa simples página de boa ficção ou boa reflexão. Sem falar na poesia, que respira linha por linha.
Consegui doar alguns de ficção e crítica literária brasileiras para a Biblioteca da UERJ. A doação mais nobre que fiz foi de um pacote de diversos livros de filosofia e teoria em inglês e francês, para a Biblioteca do CCBB, uma das que amava frequentar quando fazia antologias. Onde será que eu estava com a cabeça quando comprei aqueles livros. Vejo as datas, as circunstâncias, foram todos comprados na primeira metade dos anos 90. Naquele tempo eu ainda estava dando cursos de teoria na pós que eu chamava (e chamo) de propedêuticos. Foi um tempo em que até a Crítica do Juízo de Kant nós lemos em aula (em traduções, bem entendido) e, na esteira disso, todo um debate teórico anglo-saxônico e francófilo em teoria da cultura. Era um tempo em que alguns de nós, os jovens quarentões professores das pós-graduações em letras no Rio, desdobrávamos o estilo, os interesses, as referências do Luiz Costa Lima. Mas este foi um tempo bom, em que me adentrei pelos escritos de Helio Oiticica, e, em cursos, lutei por desdobrar o debate pós-moderno numa pegada que dialogava com aquelas linhagens de referências, centradas na busca de um conceito denso de modernidade.
Juntar uma vibração de ordem estética a certa moldura disciplinar.
Estou entrando agora numa nova etapa - e radical - de desfazimento de mim mediante doação de pedaços de mim, meus livros.
Pra que tanto livro, meus deuses, se não posso fazer saraus para compartilhar seu sabor especial, um sabor só a mim.
Teus livros, teu vício.
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