Julio Cortázar e Carol Dunlop |
Nirton Venancio
VIAGEM A BORDO DO DRAGÃO
Julio Cortázar e a tradutora canadense Carol Dunlop se conheceram em 1977 e viveram uma das mais belas e intensas histórias de amor. Durante 1981 e 1982 moraram numa Kombi vermelha, e por 33 dias viajaram de Paris à portuária Marselha. Batizaram o automóvel de Fafnir, referência ao poderoso e destemido anão da mitologia nórdica, que vira dragão, é morto pelo guerreiro Siegfrield, que bebe o seu sangue para entender o que dizem os pássaros e come o coração para ter o dom de sua sabedoria.
Vou à estante e pego “Os autonautas da cosmopista”, escrito por Cortázar e Carol nesse trajeto. Releio alguns trechos. Com o subtítulo “Ou uma viagem atemporal Paris-Marselha”, é uma espécie de diário a quatro mãos. Fotografias, descrições da flora e da fauna, situações perigosas e misteriosas com espiões e bruxas, predominam na escrita surpreendente.
Publicado em 1983, a primeira edição numa curiosa encadernação rústica, como cartapácio encontrado no bojo metálico de Fafnir. O meu exemplar é apenas um tomo, da Editora Brasiliense, 1991. Brochura customizada pelo tempo que foi numa viagem em que não fui e eles me contaram. Paravam nos parques para comer e escrever, eu pauso nas margens das páginas para sublinhar e fazer anotações.
Em agosto de 1981 Cortázar teve uma hemorragia gástrica e precisou ser hospitalizado por alguns dias. Em novembro de 1982 Carol Dunlop morre, diagnosticada com insuficiência na medula óssea. Há outra versão sobre a causa. Teria sido pelo vírus da AIDS, contaminada por Cortázar, que fizera uma transfusão de sangue no hospital. Cortázar faleceu em 12 de fevereiro de 1984, de leucemia.
Mútuos amantes, absorveram em suas veias o sangue de Fafnir para falarem o idioma dos pássaros e se alimentarem da carne anímica da sabedoria de seus corações. A vulnerabilidade da vida, para onde se vai por uma via supostamente conhecida; a certeza da morte, para onde se volta, por outra vereda definitivamente desconhecida. No livro, a narrativa lúdica e surreal no contrafluxo da infinitude, essa impressão que a estrada sempre nos dá numa viagem.
Fecho o livro e coloco de volta Fafnir na prateleira, esses passadiços horizontais em que se guardam dorsos verticais com histórias e tempo.
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