Mary Oliver
Não sou tradutor, mas conheci recentemente Mary Oliver, 1935/2019, essa adorável poeta americana, que tem um livro sobre cachorros que eu adoraria traduzir "Dog songs". Ela foi a mais longeva das poetas de sua geração e tinha uma relação, digamos, metafísica com a natureza, tendo ganho todos os principais prêmios de poesia nos EUA. Aqui um belo poema dela com tradução de dois especialistas e a minha modesta contribuição.
Marcilio Godoy
THE JOURNEY
In: “Dream Work” - 1986
One day you finally knew
what you had to do, and began,
though the voices around you
kept shouting
their bad advice –
though the whole house
began to tremble
and you felt the old tug
at your ankles.
“Mend my life!”
each voice cried.
But you didn’t stop.
You knew what you had to do,
though the wind pried
with its stiff fingers
at the very foundations,
though their melancholy
was terrible.
It was already late
enough, and a wild night,
and the road full of fallen
branches and stones.
But little by little,
as you left their voices behind,
the stars began to burn
through the sheets of clouds,
and there was a new voice
which you slowly
recognized as your own,
that kept you company
as you strode deeper and deeper
into the world,
determined to do
the only thing you could do –
determined to save
the only life that you could save.
***
A VIAGEM (tradução J. A. Rodrigues)
Um dia finalmente soubeste
o que tinhas que fazer, e o começaste,
ainda que as vozes ao teu redor
insistissem em esbravejar
os seus maus conselhos –
ainda que toda a casa
começasse a tremer
e sentisses o velho tranco
em teus tornozelos.
“Corrige-me a vida!”
bradava cada uma das vozes.
Mas não te detiveste.
Sabias o que tinhas que fazer,
ainda que o vento imprimisse força
com os seus rígidos dedos
às próprias fundações,
ainda que a sua melancolia
fosse tremenda.
Já era tarde o bastante,
uma noite selvagem,
e a estrada estava cheia
de pedras e galhos caídos.
Mas pouco a pouco,
conforme deixavas suas vozes para trás,
as estrelas começaram a cintilar
por entre as camadas de nuvens,
e se ouviu uma nova voz
que aos poucos
reconheceste como tua,
que te fez companhia
enquanto adentravas
o mundo cada vez mais fundo,
decidida a fazer
a única coisa que poderias fazer –
decidida a salvar
a única vida que poderias salvar.
***
A VIAGEM (tradução: Yuri Amauri)
Um dia descobriste finalmente
o que tinhas que fazer, e começaste,
apesar das vozes à tua volta
continuarem a gritar-te
os seus maus conselhos -
apesar de toda a casa
ter começado a vacilar
e sentires o velho esticão
nos teus tornozelos.
"Corrige a minha vida!"
gritou cada uma das vozes.
Mas não paraste.
Sabias o que tinhas que fazer,
apesar do vento ter suplicado
com os dedos apontados
às mais profundas fundações,
apesar da sua melancolia
ser terrível.
Era já muito tarde,
e uma noite selvagem,
e a estrada cheia de ramos
caídos e pedras.
Mas, à medida que
deixavas as suas vozes para trás,
as estrelas começaram a arder
por entre as camadas das nuvens
e surgiu uma nova voz
que aos poucos
reconheceste como tua,
que te fez companhia
enquanto avançaste cada vez mais fundo
no interior do mundo,
determinado a fazer
a única coisa que podias fazer -
determinado a salvar
a única vida que podias salvar.
***
A VIAGEM (tradução: Marcílio Godoi)
Um dia, enfim, você descobre
que tem algo a fazer, e o faz
apesar das vozes em volta
manterem a grita
dos seus maus conselhos -
apesar de a casa inteira
ter começado a balançar
forçando aquele puxão
nas suas canelas.
"Sustenta a minha vida!"
as vozes entoavam.
Mas você resistiu.
Pois você sabia o que tinha de ser feito
apesar de os uivos suplicantes do vento
terem seus dedos apontados
para a base de tudo,
apesar dessa terrível
melancolia.
Já era tarde
o bastante e a selvagem noite
e a estrada repleta da queda
de galhos e pedras.
Mas, pouco a pouco
enquanto você se afastava das vozes
e as estrelas começavam a arder
por entre filetes de nuvens
surgiu uma nova voz
que lentamente
você reconheceu como sua,
e lhe fez companhia
enquanto você avançava cada vez mais fundo
mais dentro do mundo,
determinado a fazer
a única coisa que você podia fazer —
determinado a salvar
a única vida que você podia salvar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário