V.S. Naipaul
Uma casa para o sr. Biswas
(A House for Mr. Biswas)
Publicado em 13 de março de 2011 por Nego Dito
Não sei quanto a vocês, mas eu estou levando a sério o desafio literário livrada 2011. Já li o primeiro livro do meu autor escolhido. De fato, acabei de lê-lo agora e já resolvi escrever enquanto a coisa tá fresca na cabeça. Sem mais, vamos a ele.
Vidiadhar Surajprasad Naipaul, esse índio velho com cara de figurante de filme do Giuliano Gema, minha gente, é o autor que eu escolhi para conhecer esse ano. Nasceu de uma família indiana na década de 30 em Trinidad, aquela ilhazinha simpática que fica em cima da Venezuela, do ladinho de Tobago, e, após uma vida estudando entre os ingleses, ganhou o prêmio Nobel de literatura em 2001, aos quase 70 anos. Povo de Estocolmo, vamos começar a reconhecer o mérito literário das pessoas mais cedo um pouquinho, vamos? O que o idoso vai fazer com o milhão de platas que ele vai colocar no bolso com o prêmio? Gastar tudo com remédio nas farmácias Minerva? Dá o vil metal na mão de um escritor mais garotão, pra ele gastar com Jet-skis, shows particulares do Yo-Yo-Ma, raves em Santorini, enfim, dá dinheiro pro cara viver a vida, né?
Enfim, voltando ao assunto, Naipaul escreveu, em 1961 esse mega romance de formação com traços de pós-colonialismo (é sério gente, existe uma corrente literária com esse nome, não iria enganá-los de graça) chamado Uma casa para o Sr. Biswas (na ficha técnica da Companhia das Letras, colocaram que o título original era “A house to Mr. Biswas, mas não é to, é for, mancada básica do inglês básico). O livro, parte drama, parte comédia, fala da história de Mohun Biswas, o sr. Biswas da história, um cara que cresceu numa família minimamente grande, como costumam ser as famílias hindus a julgar pela família do Apu, que é o único hindu que eu conheço, e ele é só um desenho animado, e, acho que por isso, sonha em ter um cantinho só pra ele. Tido como maldito por um pândita, um sacerdote que vem traçar a personalidade dele, cresce recebendo uma sutil hostilidade de sua família, e casa com uma mocinha chamada Shama, da terrível família dos Tulsi, uma família de comerciantes maior que o Polyphonic Spree inteirinho, cheio de gente autoritária e sem paciência pra nada. Mohun então começa a trabalhar de jornalista e a escrever pequenos contos enquanto tenta conquistar sua própria casa, sendo enganado por tudo e por todos a todo momento.
Contar mais do que isso é spoiler, então vamos às análises. Primeiro, considero que Naipaul escreveu esse livro com uma grande paixão, pois a história de Biswas está muito associada à história de seu pai e, por conseguinte, à sua infância em Trinidad. Assim como Biswas, Naipaul queria ser escritor, e também assim como Biswas, seu pai fora jornalista sem ter muitas leituras, e considerava os escritores os seres mais nobres do mundo. Acho que toda obra escrita com muita paixão por um determinado universo deve pelo menos ser considerada a ser lida com carinho, e ponto final.
Falando um pouco sobre o Sr. Biswas. A trajetória que o protagonista desenvolve ao longo de sua vida pode ser compreensível se levada em consideração o meio em que cresceu. Hostilizado por seus pais, pois o pândita havia dito que seu espirro causava azar, Mohun começou a se rebelar contra tudo aos poucos. O drama de não ser bem quisto e ainda assim ter de conviver com pessoas hostis — família, ainda por cima — é motivo bom pra querer chutar o pau da barraca, a meu ver. Depois, na adolescência, quando é forçado a casar com Shama, e a morar com uma família gigantesca, é mais um motivo para revolta. Uma vida que vai sendo arrastada para as situações, por assim dizer. Toca fundo no nosso senso de liberdade, a mulherada fica doida quando vê uma mulher de burca, é ou não é? O Biswas tem algo nele de bom, de nobre, mas isso não é despertado pelas frustrações perante a vida que lhe corroem com a força e a dor de uma lâmina profunda de agonia (achou bonito? É do Funk Fuckers!). Aí entramos em outra questão importante do livro: a rotina e as responsabilidades que oprimem a criatividade e a vontade do pobre proletário. Mohun não pode escrever e não pode exercitar todo seu fascínio pela cultura e pela literatura porque tem que cuidar do telhado que tá caindo, dos quatro filhos pra criar, da esposa que só reclama, etc. Então, ô-ô-ô-ô mai bróder, é o rodo cotidiano.
Uma última coisa que queria falar sobre o livro é uma passagem que me marcou muito. Vou tentar não contar muito do contexto para não estragar a leitura de quem, porventura se aventurar nesse livro. Bom, acontece que, em dado momento, Biswas consegue comprar uma casa, mas diante de um cenário completamente hostil. E aí ele se depara com uma realidade cruel do estado capitalista: quem tem posse tem medo. Ele começa a se sentir acuado em seu próprio terreno (opa! Mesma música do Funk Fuckers de novo) e experimentar um medo terrível de tudo e de todos, chegando a ter receio de sair lá fora. Aí está um traço do tal pós-colonialismo. O medo de quem tem posse num país completamente desestabilizado, sem seu poder executivo em pleno funcionamento, em épocas de guerra (segunda guerra), depois de colonizadores terem abandonado o país à sorte de suas divergências culturais e étnicas, do tipo “pulei fora, se virem vocês”, é terrível. A todo momento, no livro, vemos leis sendo mal-interpretadas, distorcidas, manipuladas para o interesse de alguém (não que isso não aconteça por aqui, mas no livro a coisa é muito mais visceral), algo muito típico do Estado sem Estado. Isso, aliado ao comportamento dos Tulsi e do próprio Biswas, enfim, os trejeitos da sociedade, me fazem perceber que a cultura de Trinidad e Tobago não é muito diferente da brasileira. Esse romance poderia ter sido “rodado” aqui na nossa terra, afinal. Todo mundo sendo enganado e vivendo na maior pobreza. Serião, fiquei com nojo de algumas paradas da história, como o “sorvete feito em casa”, que é guardado num freezer velho que fica soltando pedacinhos de ferrugem em cima do sorvete. Yuck!
Essa coleção do Naipaul da Companhia das Letras é bem bonita, vai dizer. Esse livro em questão é sinistro, porque são 522 páginas em letra miudinha, pra caber mais. Então é um livro que eu suei pra ler. Dica para vocês, crianças: evitem começar a ler um autor por seu maior livro, mesmo que seja um clássico. A exceção de Crime e Castigo, é claro, e também pro caso de você resolver ler Pamuk — o cara não faz muito livro pequeno, então não tem jeito. Bom, mas eu fui, demorou mas tô aqui falando dele pra vocês. Tradução do Paulo Henriques Britto, papel pólen e fonte Garamond. Tem prefácio do autor e na quarta capa, citações elogiosas de balangudos da literatura como Paul Theroux e Anthony Burgess. Ah, o livro também ganhou o prêmio Grinzane Cavour, da região de mesmo nome da Itália. Um prêmio importante, mas desconhecido, que já premiou e homenageou muita gente boa (inclusive o Cesare Pavese, Carlinha!). Tá demais, né?
E a propósito, como vão as leituras do desafio de vocês? Já leram algum autor a que se propuseram? Não quero controlar, só estou curioso mesmo. Se quiserem, escrevam aí embaixo!
Comentário final: 522 páginas pólen soft. Arranca o braço do James Franco em 127 horas.
LIVRADA
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