Custa muito imaginar um mundo sem as canções de Frank Sinatra. É como imaginar Nova York de noite sem luzes. Há algo poderosamente belo e mágico em seu melhor cantor, com essa melancolia arrebatadora em sua voz terna e apaixonada, dando sentido e brilho a nossos sentimentos mais fortes.
Conhecido mundialmente como The Voice (A Voz), embora o apelido que mais ouviu na vida foi Blue Eyes (Olhos Azuis), Francis Albert Sinatra nasceu na fria manhã de 12 de dezembro há justamente um século em um humilde apartamento de Hoboken, em Nova Jersey. Foi difícil sair o homem que chegaria ao topo com sua voz aveludada: o médico o tirou com fórceps e, segundo sua avó, teve de colocá-lo com o rosto e o corpo machucados em uma bacia com água gelada para ativar sua circulação. Filho único de um casal de imigrantes italianos, o fanfarrão Sinatra sempre falou de uma infância de penúria, mas esse relato era dramatizado para se apresentar como um lutador. Fazia sentido: os vocalistas eram secundários em relação aos instrumentistas no jazz dos anos 30. Por isso, teve que de se valorizar muito desde que deixou o colégio aos 16 anos e decidiu dedicar-se à música, apesar da desaprovação do pai, que o expulsou de casa e lhe disse que acabaria sendo “um vagabundo”.
Acabou em Nova York, onde cantou em clubes até ser o vocalista da fantástica big band de Tommy Dorsey. Sob sua batuta, desenvolveu um fraseado único, inspirado nas nuances de Billie Holiday e Louis Armstrong e conseguido através de muito exercício físico, mas, tomando como modelo seu adorado Bing Crosby, deixou a orquestra e partiu para voo livre. Podia ter se saído mal, mas se tornou uma celebridade. O jovem e charmoso Sinatra era o garoto do bairro que tinha uma legião de admiradoras. Hoje poucos se lembram: Blue Eyes inaugurou o fenômeno das fans no início dos anos 40, antes de Elvis Presley e dos Beatles. Apelidadas de bobby soxers por seu estilo colegial de saias longas e meias soquete brancas, suas seguidoras adolescentes chegaram a criar a Sighing Society of Sinatra Swooners (associação de suspiradoras desmaiadas de Sinatra). Nascia o mito do Swoonatra (jogo de palavras entre swoon, que significa desmaiar, e Sinatra) nos shows. Também dos assentos mijados porque muitas fanáticas preferiam molhar-se e continuar vendo o cantor do que ir ao banheiro.
O novo ídolo era espevitado. Soube fazer da rádio o passaporte para a fama. Em tempo de Segunda Guerra Mundial, não eram muitos os que poderiam permitir-se ir ao cinema. As ondas do rádio se tornaram o meio mais eficaz para chegar ao coração de todo o país. Entre 1942 e 1955, Sinatra chegou a ser a estrela de nove programas e a voz mais popular com suas canções, mas também com sua desenvoltura acompanhando grandes humoristas como Bob Hope ou o duo de George Burns e Gracie Allen. Tudo correu bem para ele no mundo do espetáculo nesse período em que se transformou na trilha sonora dos norte-americanos, com seus discos na Columbia e na Capitol, e um dos rostos mais amados do cinema, chegando a ganhar o Oscar por A um Passo da Eternidade
Era a imagem viva da América triunfante, mas também da arrogante e hedonista. Suas explosões de temperamento e raiva eram contadas às dezenas, como os casos amorosos. Casado com Nancy Barbatto, mãe de seus três filhos, a popularidade o tornou um mulherengo. Protótipo do homem conquistador apegado à fama e uma garrafa, exemplificado ao máximo no grupo Rat Pack, formado com seus colegas Dean Martin, Jerry Lewis, Sammy Davis Jr, Humphrey Bogart, duas frases que se tornaram célebres em sua boca e definiram o estilo do homem que se apossou de My Way: “Só se vive uma vez, e da maneira que vivo, uma basta”, e “o álcool pode ser o pior inimigo do homem, mas a Bíblia diz que se deve amar o inimigo”. Sinatra, que se casou com Mia Farrow e Barbara Marx –viúva de Zeppo Marx–, e sabe-se de romances dele com Judy Garland, Kim Novak e Lauren Bacall, amou seu inimigo, mas não tanto como à vulcânica Ava Gardener, que o deixou louco, transformando o frívolo libertino em uma pessoa ciumenta.
O músico adorava o poder, fosse legítimo ou ilegítimo. Por isso teve sua própria companhia discográfica, a Reprise, e numerosas amizades na política e na máfia, dois mundos com os quais nem sempre pôde lidar como quis. Reconhecido como um democrata progressista, que se manifestou contra o racismo, teve uma estreita relação com John F. Kennedy, que costumava hospedar-se em sua mansão de Palm Springs, na Califórnia, até que o presidente cortou os vínculos com ele por sua ligação com o capo de Chicago, Sam Giancana. O cantor nunca o perdoou e, abalado por seu assassinato e à deriva social, deu seu apoio aos republicanos Richard Nixon e Ronald Reagan.
Um passo que demonstrou também sua defasagem com a cultura popular. Desde finais dos 60, tentou manter-se à tona em um país mudado por completo social e musicalmente. E não era o porta-bandeiras da modernidade. Desde que fez seu famoso show de despedida em 1971 –nunca foi o último porque regressou dois anos depois–, passou quase três décadas sendo A Voz, uma glória viva de outro tempo. Mas já naquela época parecia que ele era o único destinado a cantar o hino da cidade que nunca dorme. New York, New York soou pletórica em sua garganta. E continua sendo, mesmo que se escute um milhão de vezes e faça parte de cada novo disco que se edite todos os anos de Sinatra nos natais. Porque, um século depois de seu nascimento, todos sabemos: o mundo não brilharia do mesmo jeito sem suas canções.
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