Desmontando Hugo Chávez
EL PAÍS acompanha um dia de filmagem de ‘El Comandante’
A série sobre o ex-presidente venezuelano estreará em janeiro
JAVIER LAFUENTE
Bogotá 5 DEZ 2016 - 18:05 CST
Bogotá 5 DEZ 2016 - 18:05 CST
Andrés Parra deixou de comer as unhas aos 39 anos e depois de repassar umas 400 horas de Hugo Chávez em vídeo. De ver e escutar o falecido presidente da Venezuela desde as oito da manhã até as cinco da tarde. De perscrutar centenas de Alô Presidente em busca de detalhes, gestos, até se dar conta de que se juntasse as mãos e as levasse à boca, como se rezasse — um traço característico de Chávez —, veriam a ruína que eram suas unhas: “Para este personagem é preciso de um pouco de obsessão. O complicado era como interpretar um ator que é melhor do que você”.
O ator colombiano, que foi Pablo Escobar em El patrón del mal, é o protagonista da série El Comandante, a produção mais ambiciosa até o momento da Sony para a América Latina, que será lançada no início do próximo ano, em vários países da região. Um projeto concebido há três anos por Moisés Naím, também produtor, com o qual mergulha no mundo da televisão. A partir de janeiro começarão a ser exibidos os 60 capítulos, cada um dos quais durará uma hora. “Não é um documentário nem uma biografia no sentido estrito da palavra. É uma história de ficção baseada na vida de Chávez”, diz Naím.
A série percorre a vida de Chávez desde seu nascimento em Sabaneta, em 1954, até sua morte, há três anos. Esse caminho que percorreu para se tornar um dos presidentes e líderes mais carismáticos da América Latina foi o que mais surpreendeu Parra. “É como ir filmar em San Martín ou Cumaral, no estado de Meta (Colômbia), e ao ver uma criança, filho de um camponês, jogando futebol, pensamos: ‘Poderia se tornar um Chávez’. Como isso aconteceu?”. Uma tarefa difícil para a tela pequena. “Todos os dias Chávez fazia história, tomava uma decisão ou se comportava de uma maneira que merecia ser registrada, por assim dizer”, completa Naím, lembrando que o líder venezuelano “viveu boa parte de sua presidência diante das câmeras, não só através das câmaras”.
A crise social, econômica e política que vive a Venezuela atravessa a série, embora não esteja implícita. Assim que se conheceram as primeiras imagens, o chavismo começou a criticar o produto, assim como um setor da oposição, que teme que a figura do ex-presidente seja idealizada. Parra não ignorou todo esse burburinho. “Tentei não me contaminar de toda essa energia, mas estou mexendo com uma coisa muito poderosa. Quando saiu a notícia, as pessoas enlouqueceram, para bem e para mal. Comecei a sentir muita angústia. Íamos almoçar e entrava no Instagram ou Twitter... As pessoas tinham uma necessidade de se desafogar. Isso afeta qualquer um”.
Essa preocupação de Parra também alterou os roteiristas, Moisés Naím e Sony, que mediu até o último detalhe para tentar evitar qualquer interpretação errada dos personagens ou da vida de Chávez, uma figura que não deixa ninguém indiferente. “O respeito pelo público é muito grande. Aqueles que são simpatizantes não deixarão de ser e nem aqueles que se opõem. A intenção é contar a história como foi. O que mais temo são as opiniões definitivas de pessoas que não viram a série e opinam sobre ela”, diz o produtor.
A transcendência de Chávez não foi o único obstáculo que enfrentou Andrés Parra, que recebeu a oferta para fazer o papel poucos dias depois de afirmar em uma entrevista que queria interpretar o líder venezuelano. “Pensei que estavam tirando um sarro”, ri ainda quando lembra aquela piada que era real. “Aceitei porque procuro personagens que incomodem, que gerem perguntas e criem um problema para mim. Se não fico entediado”.
Se algo não teve Parra foi tempo para sentir tédio. Durante um ano esteve estudando o personagem. Com as filmagens já iniciadas encontrou um grande obstáculo: a voz de Chávez. “É muito difícil”, admite enquanto se retorce e aponta para a parte de trás da cabeça: “Está enfiada aqui”. Pela primeira vez, teve que recorrer a uma professora de voz, uma companheira com quem tinha estudado teatro, lembra Parra uma manhã fria no início de novembro antes de se submeter à caracterização de Chávez: mais de uma hora de maquiagem. “E ainda não chegamos à época do câncer”, suspira para entrar no cenário.
Na noite antes da filmagem, Naím, que propôs Parra para o papel de Chávez, finalmente viu os dois primeiros capítulos da série acabados. “Fiquei chocado, muito feliz”, comemora e reflete mais uma vez sobre o conteúdo: “Chávez foi um sedutor de multidões, conseguiu uma conexão especial com o povo, foi um dos políticos mais talentosos da América Latina e deixou como resultado o país que vemos. Como alguém pode duvidar do carisma de Chávez e do país que é hoje a Venezuela? Acho que a série reflete isso”.
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