Úrsula Corberó, Pedro Alonso e Miguel Herrán, em 'La casa de papel' |
Por que ‘La Casa de Papel’ foi um inesperado sucesso internacional
Popularidade da série espanhola foi maior em países como Argentina, Brasil e França graças à Netflix
Natalia Marcos
Madri, 29 mar 2018
Fora da Espanha, os espectadores de La Casa de Papel ainda não sabem se o assalto à Casa da Moeda e Timbre termina bem ou mal para Berlim, Tóquio, Rio, o Professor e companhia. Em 6 de abril, a Netflix postará a segunda e última parte da série, que se despediu do canal de TV espanhol Antena 3 em 23 de novembro. Embora aquele final na Espanha tenha sido acompanhado por 1.798.000 espectadores, cifra discreta para o horário nobre espanhol, fora do país o final é aguardado com ansiedade por telespectadores da França, Itália, Argentina. Brasil e Turquia.
A chegada à Netflix do thriller produzido pela Atresmedia e Vancouver no final de dezembro o tornou um inesperado fenômeno mundial. Manteve-se durante seis semanas consecutivas como a série mais seguida pelos usuários do aplicativo TV Time, é uma das mais populares no IMDb, a maior base de dados fílmicos na Internet, foi recomendada em redes sociais por famosos como o jogador Neymar e o cantor Romeo Santos.... Até mesmo a máscara de Dali usada pelos assaltantes pôde ser vista no Carnaval do Brasil ou em cartazes enormes colocados em estádios da Arábia Saudita. Como se explica esse sucesso internacional?
Sonia Martínez, diretora de Ficção da Antena 3, aponta vários fatores. "É uma série que no seu DNA tem o formato de vídeo sob demanda. É um assalto no qual as horas vão sendo marcadas e você tem a sensação de que precisa consumir mais, é o produto ideal para se ver assim.” Além disso, acrescenta a importância do esboço dos personagens. “Considerando que são pessoas que estão delinquindo, tínhamos de ter claro que o público precisava ter a sensação de que está com eles, que são os bons, e que realizam um desejo que todos temos que é assaltar algo tão impessoal como a Casa da Moeda”, argumenta Martínez, que destaca ainda a iconografia da série: “Entra pelos olhos quando você vê um frame”.
Álex Pina, criador de La Casa de Papel, acredita que ela se conectou com um estado de ânimo presente em muitos países pela crise econômica. “Esses senhores que assaltam a Casa da Moeda e Timbre têm um componente quase antissistema que abarca um pouco da decepção com os Governos, os bancos centrais..., um cansaço em que esses robin hoods se convertem para muitos em estandarte dessa atmosfera de decepção. Há alguns dias foi publicada no Le Monde uma reflexão política sobre a série nesse sentido”, destaca.
Martínez e Pina concordam em que um dos elementos que determinaram a diferente acolhida em sua emissão na Antena 3 – com uma audiência de mais para menos – e na Netflix foi a mudança de hábitos de consumo nos espectadores de séries. “É um produto ao qual você tem de prestar atenção e fazer um trabalho íntimo de análise, que ninguém atrapalhe”, diz Sonia Martínez. “Nunca tínhamos pensado nisso, mas, inconscientemente, estava projetado de forma que seu pico seria em um consumo de vídeo sob demanda. O ritmo que a série tem favorece que você a consuma como quiser, com toda a atenção e em um consumo muito individualista. Agora na Espanha também há um salto porque as pessoas a estão vendo na Netflix, e muitos quase nem sabiam que tinha sido transmitida na Antena 3 porque possivelmente não veem a televisão aberta”, acrescenta.
Para Pina, os cortes para publicidade na série em sua transmissão linear jogavam contra “a experiência visual”. “É uma série frenética, é adrenalina pura, vai quase em tempo real, e então os cortes para publicidade produzem uma espécie de parada brusca que é complicada”, argumenta. Além do mais, destaca o universo de personagens tanto de A Casa de Papel como de sua criação anterior, Vis a Vis, na qual também trabalhou boa parte da equipe da série do assalto. “Estamos fazendo uma ficção com características próprias, com um esboço de personagens muito poderoso, com um universo feminino muito poderoso e forte. Por um lado, temos elementos emocionais, com uma criação de personagens excêntrica, surpreendente, e nas duas séries trabalhamos a ambiguidade moral, mudamos o foco daquilo em que o espectador acredita que é bom e mau. Vemos que personagens muito vilãos, como Zulema em Vis a Vis ou Berlín em La Casa de Papel têm características magnéticas para o espectador", acrescenta.
Em sua versão internacional, La Casa de Papel, composta originalmente por 15 capítulos de cerca de 70 minutos cada um foi adaptada para episódios de 50 minutos. Desta forma, a primeira parte, que na Espanha constou de 9 episódios, no formato internacional tem 13. Este reajuste também afetará a segunda parte. “Sempre consideramos fazer uma montagem internacional das séries”, conta Pina. “Neste caso, tínhamos o problema adicional dos cliffhangers, pois cada capítulo terminava com um e isso muitas vezes foi alterado. O trabalho de montagem em pós-produção foi tremendo. Às vezes trocamos algumas tramas de capítulo. O bom da série é que é um fluxo contínuo: onde um capítulo acaba começa o seguinte. E isso permite uma elasticidade maior que em outras situações. A experiência visual de ver a série na Netflix ou no formato espanhol é muito diferente, mas em essência é a mesma e funciona do mesmo jeito”, afirma o roteirista e produtor.
POSSIBILIDADE DE OUTRO ASSALTO?
Embora desde o começo La Casa de Papel tenha sido apresentada como uma série de apenas uma temporada, em duas partes, poderia o sucesso internacional animar os produtores a fazerem uma sequela? A Antena 3 afirma que para ela já passou o momento disso, mas não descarta a possibilidade de vendê-la para que prossiga fora do país. É o que fez com Velvet, que continuou na Movistar +, e Vis a Vis, que terá uma nova temporada na Fox.
“Agora não depende de nós”, diz seu criador, Álex Pina. “Temos um grande bando de assaltantes, mas existiria essa possibilidade. No momento não está de todo claro se é possível ou não. Poderia ser feito? Sim. Se vai ser feito, isso já não sei.”
EL PAÍS
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