Leïla Slimani |
Leïla Slimani: “Quanto mais você progride na hierarquia social, mais branca você parece aos olhos dos brancos”
Após o sucesso de ‘Canção de Ninar’, a escritora franco-marroquina publica ‘O País dos Outros’, uma saga inspirada na história de seus avós nos tempos coloniais com a que indaga sobre a “a maldição da mestiçagem”
ALEX VICENTE
01 MAR 2021
Após ganhar o Prêmio Goncourt com Canção de Ninar, análise sociológica do clássico da babá assassina e fenômeno internacional traduzido a 44 línguas, Leïla Slimani (Rabat, 1981) abre com Le Pays des Autres (O País dos Outros, sem tradução ao português) uma nova trilogia sobre a história de sua família. A protagonista é Mathilde, um personagem inspirado em sua avó, uma jovem alsaciana no Marrocos colonial de 1946. Slimani, que mora na França desde os 17 anos, escreve sobre o drama silencioso que conhece de primeira mão: a condição de ser outro.
Pergunta. Até hoje você havia sido reticente a entrar no terreno íntimo e familiar. Por qual motivo?
Resposta. Dou muita importância à imaginação, de modo que me apoiar no autobiográfico me parecia um fracasso. À medida que escrevia mais e lia os diários íntimos e a correspondência de outros autores, percebi que é inevitável reutilizar aspectos pessoais. No fundo, Canção de Ninar também era um livro muito íntimo: eu o escrevi quando tive meu filho, que era cuidado por uma babá, em um momento em que me sentia dividida entre aspirações diferentes.
P. Por vezes, seu registro lembra o realismo mágico, como quando usa o símbolo da limaranja, enxerto de limão e laranja. Os autores latino-americanos a influenciaram?
R. No livro está meu amor por Faulkner e Carson McCullers, por Salman Rushdie e V.S. Naipaul, e também por García Márquez e Vargas Llosa, por Carlos Fuentes e Jorge Amado. Todos esses escritores fazem parte de meu imaginário por suas descrições da natureza, da sexualidade, do espiritual e do inexplicável. Os latino-americanos têm uma maneira de ver o mundo parecida à dos marroquinos. Essa mistura de influências ilustra a ideia da polinização na literatura. Sendo um livro sobre a mestiçagem, seria interessante que a própria escrita também fosse mestiça.
P. Você escreveu um livro sobre uma mulher branca discriminada no Magreb colonial. Era tão difícil ser branca no Marrocos da época como magrebina na França de hoje?
R. O estrangeiro nem sempre é quem se imagina. Ser estrangeiro é uma questão metafísica, a que as mulheres estamos bastante acostumadas: ser mulher já cria por si uma sensação de estranheza e de impostura em muitos momentos. A figura de Mathilde é ambivalente: por um lado representa o dominador, sendo branca, e por outro é marginalizada por ter se casado com um indígena. Nesse momento se considerava que essa mistura de sangue anunciava o fim do mundo. Se todo mundo se misturasse, a pureza deixaria de existir.
P. Precisamente, começa citando Édouard Glissant: “Maldição dessa palavra: mestiçagem. Vamos escrevê-la em caracteres enormes na página”. O que a mestiçagem tem de maldito?
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