sábado, 11 de março de 2017

Quanto mais grupos de WhatsApp, mais chances de divórcio



Quanto mais grupos de WhatsApp, mais chances de divórcio

Fenômeno ‘phubbing’ provoca cada vez mais discussões entre casais. Mas é possível evitá-las


A cena com certeza vai lhe soar familiar. Pode ser inclusive que já a tenha vivido em primeira pessoa. Um casal divide uma mesa em um restaurante ou está sentado lado a lado no sofá de casa. Uma das partes quer conversar, tenta manter o contato visual... mas do outro lado se produz o silêncio, poucas palavras, o olhar para baixo... O motivo? Seu interlocutor está –para desespero e raiva do acompanhante– vidrado na tela do celular.
Estamos diante de um claro caso de phubbing (acrônimo de phone snubbing, que significa ignorar com o celular). Trata-se de um fenômeno que tem aumentando e que descreve com perfeição um dos grandes males dos nossos dias: quando alguém que está ao nosso lado nos ignora porque está prestando mais atenção ao que acontece em uma tela de celular.
A questão não é fútil. Um estudo conduzido pelo professor James A. Roberts, da Universidade Baylor, nos EUA, descobriu que 46,3% dos 453 adultos entrevistados tinham sofrido phubbing por parte de seu parceiro; e 22,6% declararam que essa prática era fonte de conflito.
Há dois motivos fundamentais, concluiu o especialista, para que o phubbing tenha impacto negativo nas relações de casais. Primeiro, porque o tempo que passamos conectados a nossos dispositivos não estamos empregando para fazer algo significativo que de verdade nos una como casal. E, segundo, porque o mal-estar que gera esse hábito leva, irremediavelmente, a discussões e a uma deterioração da relação. Além disso, as pessoas que disseram ter sido ignoradas por causa do celular por parte de seu cônjuge eram mais propensas a se sentirem deprimidas (na verdade, 36,6% tinham experimentado esse sentimento pelo menos em um ocasião).

Casais em terapia com o celular debaixo do braço

“Na realidade o problema acontece quando existe uma descoordenação no casal e uma das partes sente falta de atenção. Existem outros casos nos quais ambos utilizam muito o celular em companhia do outro, ou que só se comunicam pelo WhatsApp, mas não sentem culpa alguma porque estão em igualdade. Existe um consenso”, explica o psicólogo Enrique García Huete, diretor da Quality Psicólogos e professor da Universidade Cisneros (Madri).
García, que tratou em sua clínica de pessoas que desenvolveram um vício de celular, destaca que o phubbing é um problema cada vez mais recorrente quando um casal com problemas busca terapia. “Reclamam bastante que o outro está sempre agarrado no telefone e não presta atenção no cônjuge. Curiosamente, costumam ser mais os homens que fazem isso, mas não poderia dizer que é um problema em si para se recorrer à terapia. É mais um fator que influencia, mas não é o único".
O escritor e doutor em Filosofia Enric Puig Punye, que acaba de abordar esse assunto em seu livro O Grande Vício. Como Sobreviver Sem Internet e Não se Isolar do Mundo?, aponta outro fator que contribui para gerar mal-entendidos: o fato de que a conexão ao mundo virtual se faz quase sempre a partir de dispositivos individuais e não é uma experiência compartilhada. “Queira ou não, nos concentrarmos cada um em nossos smartphones ou tablets produz uma sensação de secretismo que não ajuda. Ao contrário, desperta suspeitas”, afirma Puig. “Essa separação não seria tão drástica se, por exemplo, todos os membros da família utilizassem apenas um computador comum”.
Por sua parte, o doutor García Huete recorda que "quando nos comunicamos, é tão importante o verbal como o gestual". "Se não nos sentimos atendidos, a sensação de frustração pode ser muito forte. Ao nos centrarmos no virtual, vai se extinguindo uma marca da comunicação muito importante, que só se produz pessoalmente, cara a cara". Em caso de discrepância de opiniões no casal por causa desse assunto, o psicólogo recomenda “acertar em consenso os momentos de uso”. A negociação é muito importante. “Esse processo não servirá de nada se não tivermos consciência de que existe um problema e se não existir uma vontade real de mudança”, afirma García, “porque essas duas coisas nem sempre estão unidas”.

Como desconectar em um mundo hiperconectado (e não morrer na tentativa)

Quando Enric Puig Punyet se propôs a abordar em um livro a forma como a hiperconectividade está afetando as nossas relações, não quis fazê-lo através do depoimento de neo-rurais: pessoas que optaram por se retirar ao campo fugindo do barulho e da agitação do mundo nas cidades. Em vez disso, se propôs a entrevistar pessoas que, sendo nativos digitais, se desconectaram sem renunciar a seu trabalho ou a sua vida social na cidade. E as encontrou: desde um vendedor desempregado que acabou fechando seu perfil no LinkedIn a uma jovem que organiza festas nas quais não se pode tirar nem publicar fotos nas redes sociais.
Nenhuma dessas pessoas tomou a decisão de se desconectar por motivos culturais, mas suas razões tinham relação com preservar a saúde mental e a qualidade de vida. “As pessoas com as quais falei concordam que em determinado momento tiveram uma espécie de revelação”, afirma. E o mais interessante é que ao sair desse turbilhão “se reconectaram com o mundo real, com ações e sensações que estavam esquecidas”.
Puig Punyet, que há anos pesquisa as mudanças provocadas pelas novas tecnologias na estrutura social, relembra que o novo modelo de negócio impulsionado pelo Google e pelos smartphones nos obriga a uma hiperconexão que acaba cobrando seu preço. “Na maioria dos casos representa uma perda de tempo e concentração tremenda. Esse dogma da multitarefa que nos vendem –e acreditamos– é algo que não existe. E então se está na grande dependência que se gera pela ansiedade de ter que estar sempre disponível”.
O psicólogo García Huete explica que no momento em que houver uma dependência do celular ou do tablet “temos que tratá-la como se estivéssemos enfrentando uma substância viciante, porque produz a mesma sensação gratificante a curto prazo e inquietação, ansiedade e síndrome de abstinência quando nos falta”. Entre as pautas básicas para se evitar o vício com as telas estão “reforçar nossos mecanismos de controle das emoções, planejar horários limitados e, se o problema se deriva do trabalho, utilizar dois celulares: um exclusivo para o âmbito de trabalho e outro para socializar”.
Por sua experiência, Puig Punyet acredita que a desconexão parcial será uma tendência em alta e que chegará das mãos dos jovens: “As novas gerações estão se dando conta do excesso e estão renunciando a estar hiperconectadas. Por conta de ter escrito o livro me chegaram muitos mais casos”, diz. “Há adolescentes que vão comer na rua com os amigos e estão deixando o celular em casa”.
É quase inevitável que em algum momento pontual todos nós utilizemos o celular em frente a um terceiro. Mas se o problema passa a ficar sério e nada do que foi dito antes funcionar, é possível formalizar um contrato proposto na internet, chamado Stop Phubbing. Cada um pode adaptá-lo a quem desejar: amigos, família ou cônjuge.

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