Medíocres e canalhas
Brasigois Felício
28/02/2008 ÀS 02:44 PM
"Apenas por afrontamento insisto na maldade de escrever", confessou Ana Cristina César. Quanto a mim, apenas por lealdade ao sentido daquilo para que fui nascido, insisto na vanidade de escrever. Mesmo sabendo da impotência e inutilidade de tal fazer, o que faz dele um ato falho em si mesmo. Bertolt Brecht o disse de outro modo: "Eu sei que tem gente com sede e fome, mas mesmo assim eu como e bebo". Paul Valéry escreveu, em seu diário de bardo: Quem diz obra diz também sacrifício. A grande questão é decidir aquilo que vamos sacrificar. É preciso saber quem será comido".
Até porque, sendo o mundo um cruel e sangrento palco de eterna devoração (uns animais a matar e a comer uns aos outros, para se manterem vivos, assim vivendo em permanente estado de necessidade) a questão a se colocar, quanto ao"sacro ofício", a que têm de submeter-se o poeta e o artista, é: vale a pena sacrificar algo em si, em função da hipotética satisfação de criaturas de alma pequena? Qual ato de amor à verdade pode vingar, ou tornar-se visível, em uma sociedade de mortos vivos, que vive a consagrar e a ministrar a mentira e a hipocrisia em doses cavalares, para um sempre sedento e insaciável mercado? Mesmo sabendo ser a sua entrega à solidão de seu ofício um sacrifício inútil, o verdadeiro artista não desiste, nem permite que o corrompam com promessas de falsos paraísos, a acenar com vanidades que apelam à satisfação dos sentidos. Insiste em manter-se íntegro e leal à dignidade inerente ao seu ofício, como o fez Clarice Lispector, que nunca se quis escritora profissional, para não ter que entregar a liberdade de ser quem era, naquilo que escrevia.
Até porque, sendo o mundo um cruel e sangrento palco de eterna devoração (uns animais a matar e a comer uns aos outros, para se manterem vivos, assim vivendo em permanente estado de necessidade) a questão a se colocar, quanto ao"sacro ofício", a que têm de submeter-se o poeta e o artista, é: vale a pena sacrificar algo em si, em função da hipotética satisfação de criaturas de alma pequena? Qual ato de amor à verdade pode vingar, ou tornar-se visível, em uma sociedade de mortos vivos, que vive a consagrar e a ministrar a mentira e a hipocrisia em doses cavalares, para um sempre sedento e insaciável mercado? Mesmo sabendo ser a sua entrega à solidão de seu ofício um sacrifício inútil, o verdadeiro artista não desiste, nem permite que o corrompam com promessas de falsos paraísos, a acenar com vanidades que apelam à satisfação dos sentidos. Insiste em manter-se íntegro e leal à dignidade inerente ao seu ofício, como o fez Clarice Lispector, que nunca se quis escritora profissional, para não ter que entregar a liberdade de ser quem era, naquilo que escrevia.
Em solidão criadora de quem era em si mesma uma atmosfera, a revelar não uma pessoa prosaica, mas uma solidão inquieta, no grande e estranho mundo das palavras em estado de liberdade, em sosinhês de ser ela mesma, não fazia retoques de maquiagem para agradar ou "fazer bonito" à parvoíce de medalhões ululantes. E nestas obstinada recusa em ser repasto no banquete dos vampiros do Deus Mercado, fazia coro às palavras de Albert Camus: "Então, se a lucidez é mentira e hipocrisia, por que não seria a loucura verdade e pureza?"
É fácil perceber: um mundo que perdeu a sua alma possibilita, mais do que nunca, o triunfo das nulidades. Assim, medíocres & canalhas passaram a habitar (e a prejudicar abundantemente) o palco de vaidades da literatura e das artes, com plagiadores e diluidores de plantão a ganhar prêmios até mesmo daqueles a quem plagiam. Triste é saber que a literatura é usada como trampolim de alpinismo social, escada fácil e fútil para a ascensão de retumbantes mediocridades!
Basta publicar um opúsculo contendo versinhos de sentimentalismo barato para ganhar o pomposo nome de poeta ou poetisa! Com alegre leviandade, fazendo uso escancarado do tráfico de influências, logo estarão batendo à porta das academias de letras - que abundam nas capitais e províncias, proliferando como praga. Afinal, já dizia aquele bardo das virgens poucas, que já foram loucas: "A história da literatura é a história das amizades!" Sendo ele próprio o insuspeito exemplo do que afirma.
Bafejados por fortuna, e/ou prestígio social ou político, que saibam escrever uma frase afirmativa simples, têm acesso garantido. Serem chamados de "acadêmicos" é glória de que se ufanam, vanidade que enche o peito de falsa importância. A praga da mediocridade ululante, a retumbar com estrondo, como um caminhão basculante, sem nenhum conteúdo, manifesta-se também como chusma de piolhos da subliteratura, a pedir prefácios, encômios & espaços; mal põem as manguinhas de fora, já querem ser tratados como gênios. Pior é que ainda se dão à pachorra ou ao direito de serem arrogantes.
Como hordas, solertes e rapaces, multiplicam-se como praga as legiões de mediocridades, anônimas ou triunfantes, a pulular nos salões, a despejar suas sandices subsidiadas por leis de incentivo que deveriam dar-se ao trabalho de selecionar, pelo critério da qualidade, as abobrinhas que patrocinam. O quadro se torna dantesco quando as mediocridades ululantes triunfam, tendo em vista as facilidades que o tempo oferece às falsetas, e ainda por cima se revelam solertes e rapazes canalhas, capazes de empulhar e enganar a muitos, durante muito tempo. A esta tipo infernal de mediocridade triunfante aplica-se o brocardo: "Há pessoas que não têm nenhuma importância, mas têm amigos nas redações".
Como nunca ficou tão fácil publicar, publica-se em cascatas, produzindo-se o barulho de trombadas de basculantes. E sabe-se, pela experiência: quanto mais vazio um caminhão basculante, mais barulhento. Em face do acanalhamento tendendo a tornar-se geral e irrestrito, a invadir todas as áreas e segmentos da população, mormente entre os políticos, não é de se estranhar que o neocinismo oportunista e pernicioso ganhe, a cada dia, mais e mais adeptos, também no setor cultural e artístico. Tão descaradas e ousadas são as nulidades, que emplacam obrinhas risíveis, de tão patéticas, como leitura obrigatória em vestibulares - outras, como autoridades da cultura, fazem dos concursos literários ação entre amigos, com prêmios sendo amavelmente trocados entre si. Daí que Clarice Lispector, Lúcio Cardoso (e outros, da sua dignidade e estirpe) tiveram sorte, em terem saído mais cedo deste mundo em que triunfa o absurdo. Se àqueles tempos, em que ainda haviam legítimos talentos, eram tristes, é de se imaginar o desespero em que viveriam hoje!
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