quinta-feira, 11 de abril de 2019

Thiago de Mello / Aprendiz do espanto


Thiago de Mello

Aprendiz do espanto


Não deflorei ninguém. A primeira mulher que eu vi desnuda (ela era adulta de alma e de cabelos) foi a primeira a me mostrar os astros, mas não fui o primeiro a quem mostrou. Eu vi o resplendor de suas nádegas de costas para mim, era morena, mas quando se virou ficou dourada. Sorriu porque os seus peitos me assombraram o olhar de adolescente desafeito à glória da beleza corporal. Era manhã na mata, mas estrelas nasciam dos seus braços e subiam pelo pescoço, eu lembro, era o pescoço que me ensinava a soletrar segredos guardados na clavícula.

Pedia já estirada de bruços me chamando, que eu passeasse meus lábios pelas pétalas orvalhadas da nuca, eram lilazes, com as gemas de leve eu alisasse as espáduas de espumas e esmeraldas, queria a minha mão lhe percorrendo, mas indo e vindo, o vale da coluna, cuidadosa de mim, trés doucement. Ela me inaugurou o contentamento inefável de dar felicidade. Tanto conhecimento só podia ser de nascença, hoje eu calculo.

Não era um saber de experiências feito, mas quanta ciência para transmiti-lo. Ela era de outras águas, a fontana de trinta anos, que veio lá do Sena com a sina de me dar a beber na aurora dos seus olhos, nos seus peitos, na boca musical, no mar do ventre, no riso de açucena, na voz densa, nas sobrancelhas e no vão das pernas — o mel antigo da sabedoria de que a libido cresce quando atende, de que a tesão se acende na ternura, que as ante-salas se prolonguem vastas até estar pronto para entrar no céu.


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