quarta-feira, 29 de junho de 2022

Cristina Peri Rossi / Genealogia

 




Cristina Peri Rossi
Genealogia

(Safo, V. Woolf e outras)

Doces antepassadas minhas
afogadas no mar
ou suicidas em jardins imaginários
presas em castelos de muros liláses
e arrogantes
esplêndidas em seu desafio
à biologia elementar
que faz da mulher uma paridora
antes de ser na realidade uma mulher
soberbas em sua solidão
e no pequeno escândalo de suas vidas

Têm lugar no herbolário
junto a exemplares raros
de diversas nervuras.





Cristina Peri Rossi

Genealogía

(Safo, V. Woolf y otras)

Dulces antepasadas mías
ahogadas en el mar
o suicidas en jardines imaginarios
encerradas en castillos de muros lilas
y arrogantes
espléndidas en su desafío
a la biología elemental
que hace de una mujer una paridora
antes de ser en realidad una mujer
soberbias en su soledad
y en el pequeño escándalo de sus vidas

Tienen lugar en el herbolario
junto a ejemplares raros
de diversa nervadura.


terça-feira, 21 de junho de 2022

“18 de agosto de 1945” do diário de Idea Vilariño, por Erlândia Ribeiro

 

Idea Vilariño


“18 de agosto de 1945” do diário de Idea Vilariño  


Erlândia Ribeiro
26 de janeiro de 2021

Idea Vilariño (1920-2009) foi uma das poetas mais importantes do Uruguai, nasceu em 1920 em Montevideo e faleceu na mesma cidade em 2009. Já aos vinte e cinco anos de idade iniciou suas publicações com o poemário La suplicante (1945), seguida das obras Cielo, cielo (1947), Paraíso perdido (1949), Por aire sucio (1951), Nocturnos (1955), Poemas de amor (1957), Pobre mundo (1966) e No (1980). A poeta também foi professora, tradutora e crítica literária, participando de importantes revistas uruguaias da época contribuindo com autores e amigos como Angel Rama e Manuel Claps. Algumas obras foram publicadas postumamente como o livro que reúne todos os seus poemários Prosa completa (2013), e os diários que a autora manteve durante sua vida publicados no volume Idea la vida escrita (2009) e Diario de Juventud (2013), no qual me debrucei para a tradução do fragmento a seguir.

No excerto escolhido para a tradução, que se trata do dia do aniversário de 25 anos da autora, nos deparamos com uma gama de reflexões sobre a vida, além de sermos levados a leitura de uma espécie de carta/homenagem que Idea escreve para sua amiga da época, Sylvia. A sensibilidade contida nas palavras da autora para a amiga ou mesmo os pensamentos que suscita sobre o mundo são profundos e apesar da pouca idade dialogam com um espírito curioso e cheio de intensidade que manteve até o fim, em sua literatura e em sua vida.

A iniciação da vida profunda que Idea menciona ao conhecer Sylvia é também uma iniciação da juventude-adultez, tendo um marco importante com a primeira publicação de seu poemário, La suplicante (1945), comentado por Idea em trechos mais adiante nesse mesmo ano nos diários. O medo da vida aparece de forma mais clara no último parágrafo, mas mesmo em meio de incertezas e angústias parece haver por traz certa esperança nas palavras. Mesmo diante das incompreensões da vida Idea utiliza da palavra como forma de salvação e nos dá a oportunidade de sermos salvos também, através da reflexão. “Nomear alcança”.

18 de agosto de 1945. Madrugada

Hoje fiz 25 anos.

Profundamente me desprezo.

E sem dúvida essa felicidade está em mim. Aceito tudo, tudo me parece compreensível menos o mal aos outros, a traição, as vidas não sinceras. E estou aqui. E sem dúvida me jogo em tudo, e amanhã pode ser a miséria total, o abandono, a solidão. E isso seria ainda um luxo, cheio de tristeza, de corpo inútil e sem sorrisos, mas outro sonho, repleto de necessidades.

Ao abrir a porta essa noite para entrar em casa a escuridão absoluta da sala e um desprezo absoluto por mim mesma me envolveram. Abro a porta do meu quarto e sinto o cheiro do seu cigarro. Acendo a lâmpada, coloco o relógio para as 7. Vou tomar banho. Me deito sem me despir. Escrevo isso.

Tudo está bem assim. A vida é complexa, difícil e doce. A intimidade de cada ser é um mundo inesperado, inesperável.

Sylvia: é meia noite e estou pensando nessa tarde, e antes, tão natural, tão doce.

Quando terminar esse ano fará sete anos que nos conhecemos. Não sei como pode ser. Sinto que faz três anos, no máximo, que te encontrei, e Claps. Não sei como tudo conservou essa frescura, essa emoção. Todas as épocas de minha vida tiveram sua beleza e sua loucura. Os anos frívolos, esquecidos e divinos, mais lentos que os de agora, com aquelas tristezas inexplicáveis, de repente; os do primeiro amor, tão puro; os de outro amor, tão profundo e doloroso. Os breves tempos de apaixonada religiosidade na infância, de fé no maravilhoso. Em qualquer momento poderia haver um milagre, nas coisas, em mim, no mundo. O mundo era mágico e misterioso. Depois, a difícil prova das doenças, os anos amarelos, tão ricos, sem dúvida. E em cada época nomes de adolescentes, de homens jovens que me quiseram, me rodearam de uma áurea sempre renovada de amor que me embriagou os dias. Não sabe o quanto agradeço o amor, os poemas, as cartas, as flores que guardo secas, as palavras que não esqueço. E o desejo que levantei em quase todos. Penso em minha casa… tantas coisas. Mas esse tempo em que te conheci foi diferente, em consciência, em seriedade. Se separa. A tua chegada coincidiu com a minha iniciação a vida profunda, com o conhecimento de Oribe, a influência de Goyena, com certas leituras, certa música ainda não absorvida. Eu não sei se foi o mesmo pra você, ou se esse ano de 1939 tem uma tensão diferente em sua vida. Você era mais reservada, mais esquecida de si mesma. E te aceitei assim, suspeitando tristezas na sua vida clara, aparentemente sem ilusões. Somos diferentes. Como duas notas diferentes que podem dar um acorde perfeito.

Volto ao passado e escrevo ao azar, como te falava. Não sei o que será da sua vida, da minha. Penso em meus irmãos, nos seus. Tenho uma firme confiança e, ao mesmo tempo, uma apreensão, um terror vago, como quando era menina, das forças desconhecidas, incontroláveis que podem se mover, tocar, perder. Eu, ao contrário, não estou em perigo; tampouco me preocupo por você. Nada pode nos atravessar e, se atravessa, não importa. Ainda que isso de viver seja estranho. Me dá medo. Essa lâmpada, eu, os sons. Te juro que não entendo. Me parece comovedora a fé que temos em nossas convicções. E essa maneira superficial de usar o mundo e de viver como se isso fosse a coisa mais simples.

18 de agosto de 1945. Madrugada

Hoy cumplí 25 años.

Profundamente me desprecio.

Y sin embargo esta dicha está en mí. Acepto todo, todo me parece comprensible menos el mal a los otros, la traición, las vidas no sinceras. Y he aquí. Y sin embargo me juego todo, y mañana puede ser la indigencia total, el abandono, la soledad. Y eso sería aún un lujo, lleno de tristeza, de cuerpo inútil y sin sonrisas, pero otro sueño, necesidad colmados.

Al abrir esta noche la puerta para entrar en esta casa la oscuridad absoluta del zaguán y un desprecio absoluto por mí misma me envolvieron. Abro la puerta de mi habitación y siento el olor de su cigarro. Enciendo la lámpara, pongo el reloj a las 7. Voy a lavarme. Me acuesto sin desnudarme. Escribo esto.

Todo está bien así. La vida es compleja, difícil y dulce. La intimidad de cada ser es un mundo insospechado, insospechable.

Sylvia: es media noche y estoy pensando en lo de esta tarde, y en lo de antes, tan natural, tan dulce.

Cuando termine éste hará siete años que nos conocemos. No sé cómo puede ser. Siento que hace tres años, a lo sumo, que te encontrado, y a Claps. No sé cómo todo ha conservado esa frescura, esa emoción. Todas las épocas de mi vida han tenido su belleza y su locura. Los años frívolos, olvidados y divinos, más lentos que los de ahora, con aquellas tristezas inexplicables, de pronto; los del primer amor, tan puro; los del otro amor, tan profundo y doloroso. Los breves tiempos de apasionada religiosidad en la infancia, de fe en lo maravilloso. En cualquier momento hubiera podido producirse un milagro, en las cosas, en mí, en el mundo. El mundo era mágico y misterioso. Después, la difícil prueba de las enfermedades, los años amarillos, tan ricos, sin embargo. Y en cada época nombres de adolescentes, de hombres jóvenes que me quisieron, me rodearon de un siempre renovado halo de amor que me embriagó los días. No sabes cuánto les agradezco el amor, los poemas, las cartas, las flores que guardo secas, las palabras que no olvido. Y el deseo que se alzó en casi todos. Pienso em mi casa… tantas cosas. Pero ese tiempo en que te conocí fue distinto, en conciencia, en seriedad. Se separa. Tu llegada coincidió con mi iniciación a la vida profunda, con el conocimiento de Oribe, la influencia de Goyena, con ciertas lecturas, cierta música aun no penetradas. Yo no sé si fue lo mismo para ti, o si ese año de 1939 tiene una tensión distinta en tu vida. Tú eras más reservada, más olvidada de ti. Y te acepté así, sospechando tristezas en tu vida clara, al parecer sin ilusiones. Somos distintas. Como dos notas distintas que pueden dar un acorde perfecto.

Vuelvo al pasado y escribo al azar, como si te hablara. No sé qué será de tu vida, de la mía. Pienso en mis hermanos, en los tuyos. Tengo una firme confianza y, al mismo tiempo, una aprensión, un terror vago, como cuando era chica, de las fuerzas desconocidas, incontrolables que pueden moverse, tocarlos, perderlos. Yo, en cambio, no estoy en peligro; tampoco me preocupo por ti. Nada puede pasarnos y, si pasa, no importa. Aunque esto de vivir es extraño. Me da miedo. Esta lámpara, yo, los sonidos. Te juro que no entiendo. Me parece conmovedora la fe que tenemos en nuestras convicciones. Y esta manera superficial de usar el mundo y de vivir como si eso fuera la cosa más sencilla.

Traduzido de: VILARIÑO, Idea. Diario de juventud. Editora Cal y Canto: Montevideo, 2013.

Erlândia Ribeiro: Escritora, tendo publicado o livro de contos Superfícies irregulares (Kotter, 2019), também graduada em Letras Espanhol, Mestra no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários – PPG/MEL pela Universidade Federal de Rondônia e, atualmente, doutoranda em Estudos Literários no Programa de Pós-Graduação do PPGL-UFES pela Universidade Federal do Espírito Santo. Trabalha com os diários da escritora argentina Alejandra Pizarnik (1936-1972), seu objeto de vida e de pesquisa.

PONTES UOTRAS




quarta-feira, 15 de junho de 2022

Cristina Peri Rossi / Salve-se quem puder

 

Cristina Peri Rossi



Cristina Peri Rossi
Salve-se quem puder

Se fui amarga foi pela pena

O capitão gritou, “salve-se quem puder”
e eu, sem pensar, lancei-me à água
como ávida nadadora,
como se sempre tivesse esperado esse momento,
o momento supremo de solidão
em que nada pesa
nada resta
senão o desejo impostergável de viver;
me lancei à água, é fato, sem olhar para trás.

Se olhasse talvez não tivesse me lançado.
teria vacilado olhando teus grandes olhos tristes.
sinistros remorsos teriam me impedido
de saltar ao espaço
tocar a fria umidade do ar
o noturno sereno
e cair
como recém-nascida
na flutuante superfície do bote
onde tudo haverá de continuar
não se sabe onde.
Se tivesse olhado para trás,
teus grandes olhos tristes
a vela suspendida
os cabos soltos
as câmaras inundadas
como as memórias salgadas do mar.

Se tivesse olhado para trás,
“Salve-se quem puder”
gritava o capitão.

De ter olhado
de ter voltado os olhos
como Eurídice
já não poderia saltar
pertenceria ao passado
ancorada entre as redes do barco, seu capitão, a ferrugem das cadeiras
os versos que consumíamos nas noites de vigília
tua preguiça de saltar,
tua vingança de correr,
presa entre as famosas trepadeiras dos versos preferidos,
caso tivesse respirado mais o ar salino
nem visto aparecer o sol;
era um caso de vida ou morte.
“Salve-se quem puder”
tinha gritado o capitão,
a vida era uma hipótese de salto,
permanecer, uma morte segura.



Cristina Peri Rossi
Salvese quien pudiera


Si fui amarga fue por la pena.

El capitán gritó “Sálvese quien pueda”
y yo, sin pensarlo más, me lancé al agua,
como ávida nadadora
como si siempre hubiera estado esperando ese momento,
el momento supremo de soledad
en que nada pesa
nada queda ya
sino el deseo impostergable de vivir;
me lancé al agua, es cierto, sin mirar atrás.

De mirar quizás no me lanzara
habría vacilado mirando tus grandes ojos tristes
siniestros remordimientos me hubieran impedido ya
saltar al espacio
tocar la fría humedad del aire
el nocturno relente
y caer
como recién nacida
en la flotante superficie del bote
donde todo habría de continuar,
no se sabe adónde.
Si hubiera mirado atrás,
tus grandes ojos tristes
la vela suspendida
los cabos sueltos
las cámaras anegadas
como los recuerdos salados del mar.

Si hubiera mirado atrás,
tus grandes ojos tristes,
la vela mística suspendida
los cabos sueltos
las cámaras anegadas
como los recuerdos salados del mar.

Si hubiera mirado atrás.
“Sálvese quien pueda”
gritaba el capitán

De haber mirado
de haber vuelto los ojos
como Eurídice
ya no podría saltar
pertenecería al pasado
anclada entre las redes del barco, tu capitán, el moho de las sillas
los versos que consumíamos en las noches de vigilia
tu pereza de saltar,
tu vergüenza de correr,
atrapada entre las hermosas lianas de los versos preferidos,
acaso no hubiera respirado más el aire salino
ni visto aparecer el sol;
era un caso de vida o muerte
“Sálvese quien pueda”
había gritado el capitán,
la vida era una hipótesis de salto,
quedarse, una muerte segura.


segunda-feira, 13 de junho de 2022

Alyssa Wong / Á filha da jardineira

Alyssa Wong



Alyssa Wong
 Á filha da jardineira
 

Se sou Hades, minha carruagem estilhaçada
Quando te vi; meu velho esqueleto incendiado
Com brasa brilhante — no meu peito, invernada
Através de tempestuosas cidades, meu coração arruinado.
O calor de seus dedos, seus suspiros, cerziria-os na mão—
Imprimindo carne e osso com um fio dourado,
Que talvez faça-os durar mais do que a estação
Quando apenas sombras frias na cama me dão agrado.
Agora sementado em mim e rapidamente consumido,
O solo fértil que eu não me sabia dispor,
Essa ânsia pelo brilho do sol, indocilmente florescido
É suficiente para enlouquecer um conquistador—
Tolo o suficiente para desfazer um reino em ar
Eu engoliria a morte inteira para te fazer ficar.


Alyssa Wong

For the gardener's daughter
by Alissa Wong


If I am Hades, my chariot splintered
When I met you; my cold bones ignited
With heat, bright, that in my chest had wintered
Through storms of cities, my own heart blighted.
Your fingers’ warmth, your sighs, I’d sew them here—
Imprinting flesh and bone with golden thread,
So they might linger beyond half the year
When only cooling shadows grace my bed.
Now seeded in me and fast consuming
The fertile heartground I’d not known I had,
This lust for sunlight, rebel’iously blooming
Is enough to drive a conqueror mad—
Fool enough to wish a kingdom away,
I would swallow death whole to make you stay.


sábado, 11 de junho de 2022

Anne Carson / Ode ao sublime por Monica Vitti

Anne Carson



Anne Carson

Ode ao sublime por Monica Vitti

Eu quero tudo.

Tudo é um pensamento cru que dilacera.


Um sinal de nevoeiro berrando através da névoa transforma a névoa em

tudo.

Comer ovos de codorna na mão em meio à névoa faz tudo ser afrodisíaco.


Meu marido dá de ombros quando eu digo isso, meu marido dá de ombros

a tudo.

Os lagos nos quais sua fábrica poluiu tudo são tão belos quanto Brueghel.


Deixo minha loja, a fim de talvez vender tudo que há nela, vazia, mas

mantenho a luz acesa.

Tudo pode derramar.


Sabia que nos abismos do mar tudo se torna transparente? pergunta

Corrado, amigo de meu marido, e eu digo Sabia que eu morro de medo?


Tudo requer atenção, eu nunca relaxo meu pescoço,

mesmo beijando Corrado

Kant diz que ‘tudo’ existe só na nossa mente, junto a uma onda de prazer e


de dor que vai para lá e para cá em mim quando eu deito na cama de

Corrado lutando contra tudo com Corrado me vendo do outro lado da sala e

então ele veio para a cama e


subiu em mim e isso não fez diferença exceto que agora eu tinha que lutar

contra tudo através de Corrado, o que eu fiz ‘audaz’ (então, Kant) na cama

congelante sob o clarão da meia-noite.


O que você vai levar? pergunto a Corrado, que está indo para a Patagônia e

quando ele diz 2 ou 3 bolsas eu digo Se eu tivesse que ir para longe eu

levaria comigo tudo o que vejo.


A isso Corrado nada responde o que não é, creio, o contrário de tudo.

Não parece certo é o que meu marido diria, ele diz isso sobre tudo –


especialmente desde que saí da clínica, uma clínica para pessoas que

querem tudo,

tudo que eu vejo tudo o que eu provo tudo o que eu toco

todos os dias até as cinzas e na


clínica eu só tinha uma pergunta O que faço com meus olhos?



Anne Carson

Ode to sublime by Monica Vitti by Anne Carson


I want everything.

Everything is a naked thought that strikes.


A foghorn sounding through fog makes the fog seem to be everything.

Quail eggs eaten from the hand in fog make everything aphrodisiac.


My husband shrugs when I say so, my husband shrugs at everything.

The lakes where his factory has poisoned everything are as beautiful as Brueghel.


I keep my shop, in order that I may sell everything there, empty but I leave the light on.

Everything might spill.


Do you know that in the deepest part of the sea everything goes transparent? asks my

husband’s friend Corrado and I say Do you know how afraid I am?


Everything requires attention, I never relax my neck even when kissing Corrado.

Kant says ‘everything’ exists only in our mind, attended by a motion of pleasure and


pain that throws itself back and forth in me when I lay on Corrado’s bed fighting with

everything with Corrado watching from across the room then he came to the bed and


mounted me and this made no difference except now I had to fight everything through

Corrado, which I did ‘undaunted’ (so Kant) on his freezing bed in its midnight glare.


What will you take? I ask Corrado who is leaving for Patagonia and when he says 2 or 3

valises I say If I had to go away I would take with me everything I see.


To this Corrado says nothing which is not I think the opposite of everything.

Doesn’t seem right is what my husband would say, he says this about everything –


especially since I came out of the clinic, a clinic for people who want everything,

everything I see everything I taste everything I touch everyday even the ashtrays and at


the clinic I had only one question What shall I do with my eyes?





quinta-feira, 9 de junho de 2022

Margaret Atwood / Variações da palavra dormir


Margaret Atwood

Margaret Atwood

Variações da palavra dormir

Queria te ver dormindo,
o que talvez não aconteça.
Queria te ver ver,
dormindo. Queria dormir
contigo, entrar
no teu dormir enquanto a suave onda escura dele
desliza pela minha cabeça

e andar contigo por aquela luminosa
floresta oscilante de folhas azuis-esverdeadas
com seu sol aguado & suas três luas
em direção a caverna em que deves descer,
em direção ao teu maior medo

Queria te dar o galho prateado,
a pequena flor branca, a exata
palavra que irá te proteger
do luto no meio do teu
sonho, do luto
no meio, eu queria te seguir
pela longa escadaria
de novo & me tornar
o barco que te levaria de volta
cuidadosamente, uma chama
entre mãos em concha
aonde teu corpo descansa
do meu lado, e enquanto retornas
a ele tão fácil quanto inspirar

queria ser o ar
que te habita apenas por um
instante. Queria ser tão imperceptível
& tão essencial quanto.

Margaret Atwood


Variation on the word sleep 

by Margaret Atwood

I would like to watch you sleeping,
which may not happen.
I would like to watch you,
sleeping. I would like to sleep
with you, to enter
your sleep as its smooth dark wave
slides over my head

and walk with you through that lucent
wavering forest of bluegreen leaves
with its watery sun & three moons
towards the cave where you must descend,
towards your worst fear

I would like to give you the silver
branch, the small white flower, the one
word that will protect you
from the grief at the center
of your dream, from the grief
at the center I would like to follow
you up the long stairway
again & become
the boat that would row you back
carefully, a flame
in two cupped hands
to where your body lies
beside me, and as you enter
it as easily as breathing in

I would like to be the air
that inhabits you for a moment
only. I would like to be that unnoticed
& that necessary.


terça-feira, 7 de junho de 2022

Jean de La Fontaine / A cigarra e a formiga

 




Jean de La Fontaine

A cigarra e a formiga

Tendo a cigarra em cantigas
Passado todo o verão
Achou-se em penúria extrema
Na tormentosa estação.

Não lhe restando migalha
Que trincasse, a tagarela
Foi valer-se da formiga,
Que morava perto dela.

Rogou-lhe que lhe emprestasse,
Pois tinha riqueza e brilho,
Algum grão com que manter-se
Té voltar o aceso estio.

- "Amiga", diz a cigarra,
- "Prometo, à fé d'animal,
Pagar-vos antes d'agosto
Os juros e o principal."

A formiga nunca empresta,
Nunca dá, por isso junta.
- "No verão em que lidavas?"
À pedinte ela pergunta.

Responde a outra: - "Eu cantava
Noite e dia, a toda a hora."
- "Oh! bravo!", torna a formiga.
- "Cantavas? Pois dança agora!"

Jean de La Fontaine (1621 – 1695) foi um autor francês que ficou conhecido pela obra Fábulas (1668), na qual se inspira em Esopo e recria várias narrativas curtas com moralidade.As histórias são contadas em verso e passaram de geração em geração, se tornando extremamente famosas ao longo dos séculos. 


 

sexta-feira, 3 de junho de 2022

Dalton Trevisan / O duelo



Ilustração: Aldemir Martins

Dalton Trevisan
O DUELO

José foi morar na velha casa desabitada há muitos anos, o quintal cheio de gatos. Ele não gostava de bichos. Nos cantos espalhava à noite iscas de carne envenenada. Descobriu uma ninhada de gatinhos, meteu-os no saco e, com as costas do machado, malhou os pobres diabos. Furada de unhas, a bola de estopa arrastava-se pelo chão, espirrando de sangue as paredes. Quando acertava numa cabeça ela explodia feito laranja podre ao cair do galho.

Acabou com os gatos do quintal, menos um – era afeiçoado à casa, não antigo dono.

Preparou bolinhas de carne com arsênico, o gato não comeu. Por muitos dias não viu o inimigo. Seguia seu rastro: a cabeça crua de galinha, ali a seus pés, roubada da lata de lixo. José ia lidar nas roseiras e, na terra fofa, a maldição dos cocos enterrados. De noite, chegava da rua; na lata de lixo avistou o bichano: espantoso, negro, belo.

Deitado na cama, reconhecia as unhas lá na tampa da lata – engordava às suas custas. O gato bebia a sua água do balde, enrolado no seu tapete da porta. José era o terror da família, achou-se desafiado por um vagabundo, que o considerava seu dono. Se estalasse a língua, viria se arrastando, pelo chão a roçar-lhe a perna... Ah, esmagar-lhe a cabeça que nem uma ponta de cigarro. Planejando assassiná-lo, não dormia. A mulher comentou: “Você parece louco, José. O gato não lhe fez mal. É bicho de Deus”.

Antes do gato, ela não se atreveria a falar naquele tom. José tossia: os pêlos do outro no ar... Certa feita encurralou-o no canto da casa. Avançou de cacete em riste, o diabo agarrou-se à parede e foi ao chão, de unhas quebradas. A pancada rebentou um dos quadris obscenos. Mal ferido, ainda se arrastava pelo jardim.

Na noite seguinte ele esperou o homem, a perna aleijada, arrimado na lada de lixo. José teve azar nos negócios. Um filho adoeceu. A carne estragou na geladeira.

No verão, José cobria a cabeça com o lençol para não ouvir os gritos de uma gata amorosa. Eram muitos bichanos, reconhecia a voz do seu entre todos. Uns olhos fosfóreos alumiavam o quarto. Garras subiam-lhe pela roupa, enterravam-se na carne e o despertavam com um miado horrendo.

A casa era pequena para os dois. Bebia no botequim noite após noite. Ao outro a mulher elegera campeão da família. Com a mão na porta, ele ainda escutara um dos filhos: “Mamãe, o pai tem raiva do nosso gato?”

Cantando, voltou de madrugada. Não o encontrava há três dias; deveria estar morto, no fundo de algum porão, um bico de galinha enterrado na negra garganta. Ao pé da escada, olhou para cima: duas luas no último degrau. Era o gato, vivo, comendo...

Atirou-se para estripar com unhas e dentes. O maldito fugiu. José tropeçou e rolou pela escada. Choramingava, de pescoço quebrado, a boca mergulhada no lixo.

A porta da cozinha não se abriu. A família escolhera o partido do outro, que miava em torno do moribundo – o gato da casa a carpir o dono querido.


(Desastres do amor)