terça-feira, 21 de junho de 2022

“18 de agosto de 1945” do diário de Idea Vilariño, por Erlândia Ribeiro

 

Idea Vilariño


“18 de agosto de 1945” do diário de Idea Vilariño  


Erlândia Ribeiro
26 de janeiro de 2021

Idea Vilariño (1920-2009) foi uma das poetas mais importantes do Uruguai, nasceu em 1920 em Montevideo e faleceu na mesma cidade em 2009. Já aos vinte e cinco anos de idade iniciou suas publicações com o poemário La suplicante (1945), seguida das obras Cielo, cielo (1947), Paraíso perdido (1949), Por aire sucio (1951), Nocturnos (1955), Poemas de amor (1957), Pobre mundo (1966) e No (1980). A poeta também foi professora, tradutora e crítica literária, participando de importantes revistas uruguaias da época contribuindo com autores e amigos como Angel Rama e Manuel Claps. Algumas obras foram publicadas postumamente como o livro que reúne todos os seus poemários Prosa completa (2013), e os diários que a autora manteve durante sua vida publicados no volume Idea la vida escrita (2009) e Diario de Juventud (2013), no qual me debrucei para a tradução do fragmento a seguir.

No excerto escolhido para a tradução, que se trata do dia do aniversário de 25 anos da autora, nos deparamos com uma gama de reflexões sobre a vida, além de sermos levados a leitura de uma espécie de carta/homenagem que Idea escreve para sua amiga da época, Sylvia. A sensibilidade contida nas palavras da autora para a amiga ou mesmo os pensamentos que suscita sobre o mundo são profundos e apesar da pouca idade dialogam com um espírito curioso e cheio de intensidade que manteve até o fim, em sua literatura e em sua vida.

A iniciação da vida profunda que Idea menciona ao conhecer Sylvia é também uma iniciação da juventude-adultez, tendo um marco importante com a primeira publicação de seu poemário, La suplicante (1945), comentado por Idea em trechos mais adiante nesse mesmo ano nos diários. O medo da vida aparece de forma mais clara no último parágrafo, mas mesmo em meio de incertezas e angústias parece haver por traz certa esperança nas palavras. Mesmo diante das incompreensões da vida Idea utiliza da palavra como forma de salvação e nos dá a oportunidade de sermos salvos também, através da reflexão. “Nomear alcança”.

18 de agosto de 1945. Madrugada

Hoje fiz 25 anos.

Profundamente me desprezo.

E sem dúvida essa felicidade está em mim. Aceito tudo, tudo me parece compreensível menos o mal aos outros, a traição, as vidas não sinceras. E estou aqui. E sem dúvida me jogo em tudo, e amanhã pode ser a miséria total, o abandono, a solidão. E isso seria ainda um luxo, cheio de tristeza, de corpo inútil e sem sorrisos, mas outro sonho, repleto de necessidades.

Ao abrir a porta essa noite para entrar em casa a escuridão absoluta da sala e um desprezo absoluto por mim mesma me envolveram. Abro a porta do meu quarto e sinto o cheiro do seu cigarro. Acendo a lâmpada, coloco o relógio para as 7. Vou tomar banho. Me deito sem me despir. Escrevo isso.

Tudo está bem assim. A vida é complexa, difícil e doce. A intimidade de cada ser é um mundo inesperado, inesperável.

Sylvia: é meia noite e estou pensando nessa tarde, e antes, tão natural, tão doce.

Quando terminar esse ano fará sete anos que nos conhecemos. Não sei como pode ser. Sinto que faz três anos, no máximo, que te encontrei, e Claps. Não sei como tudo conservou essa frescura, essa emoção. Todas as épocas de minha vida tiveram sua beleza e sua loucura. Os anos frívolos, esquecidos e divinos, mais lentos que os de agora, com aquelas tristezas inexplicáveis, de repente; os do primeiro amor, tão puro; os de outro amor, tão profundo e doloroso. Os breves tempos de apaixonada religiosidade na infância, de fé no maravilhoso. Em qualquer momento poderia haver um milagre, nas coisas, em mim, no mundo. O mundo era mágico e misterioso. Depois, a difícil prova das doenças, os anos amarelos, tão ricos, sem dúvida. E em cada época nomes de adolescentes, de homens jovens que me quiseram, me rodearam de uma áurea sempre renovada de amor que me embriagou os dias. Não sabe o quanto agradeço o amor, os poemas, as cartas, as flores que guardo secas, as palavras que não esqueço. E o desejo que levantei em quase todos. Penso em minha casa… tantas coisas. Mas esse tempo em que te conheci foi diferente, em consciência, em seriedade. Se separa. A tua chegada coincidiu com a minha iniciação a vida profunda, com o conhecimento de Oribe, a influência de Goyena, com certas leituras, certa música ainda não absorvida. Eu não sei se foi o mesmo pra você, ou se esse ano de 1939 tem uma tensão diferente em sua vida. Você era mais reservada, mais esquecida de si mesma. E te aceitei assim, suspeitando tristezas na sua vida clara, aparentemente sem ilusões. Somos diferentes. Como duas notas diferentes que podem dar um acorde perfeito.

Volto ao passado e escrevo ao azar, como te falava. Não sei o que será da sua vida, da minha. Penso em meus irmãos, nos seus. Tenho uma firme confiança e, ao mesmo tempo, uma apreensão, um terror vago, como quando era menina, das forças desconhecidas, incontroláveis que podem se mover, tocar, perder. Eu, ao contrário, não estou em perigo; tampouco me preocupo por você. Nada pode nos atravessar e, se atravessa, não importa. Ainda que isso de viver seja estranho. Me dá medo. Essa lâmpada, eu, os sons. Te juro que não entendo. Me parece comovedora a fé que temos em nossas convicções. E essa maneira superficial de usar o mundo e de viver como se isso fosse a coisa mais simples.

18 de agosto de 1945. Madrugada

Hoy cumplí 25 años.

Profundamente me desprecio.

Y sin embargo esta dicha está en mí. Acepto todo, todo me parece comprensible menos el mal a los otros, la traición, las vidas no sinceras. Y he aquí. Y sin embargo me juego todo, y mañana puede ser la indigencia total, el abandono, la soledad. Y eso sería aún un lujo, lleno de tristeza, de cuerpo inútil y sin sonrisas, pero otro sueño, necesidad colmados.

Al abrir esta noche la puerta para entrar en esta casa la oscuridad absoluta del zaguán y un desprecio absoluto por mí misma me envolvieron. Abro la puerta de mi habitación y siento el olor de su cigarro. Enciendo la lámpara, pongo el reloj a las 7. Voy a lavarme. Me acuesto sin desnudarme. Escribo esto.

Todo está bien así. La vida es compleja, difícil y dulce. La intimidad de cada ser es un mundo insospechado, insospechable.

Sylvia: es media noche y estoy pensando en lo de esta tarde, y en lo de antes, tan natural, tan dulce.

Cuando termine éste hará siete años que nos conocemos. No sé cómo puede ser. Siento que hace tres años, a lo sumo, que te encontrado, y a Claps. No sé cómo todo ha conservado esa frescura, esa emoción. Todas las épocas de mi vida han tenido su belleza y su locura. Los años frívolos, olvidados y divinos, más lentos que los de ahora, con aquellas tristezas inexplicables, de pronto; los del primer amor, tan puro; los del otro amor, tan profundo y doloroso. Los breves tiempos de apasionada religiosidad en la infancia, de fe en lo maravilloso. En cualquier momento hubiera podido producirse un milagro, en las cosas, en mí, en el mundo. El mundo era mágico y misterioso. Después, la difícil prueba de las enfermedades, los años amarillos, tan ricos, sin embargo. Y en cada época nombres de adolescentes, de hombres jóvenes que me quisieron, me rodearon de un siempre renovado halo de amor que me embriagó los días. No sabes cuánto les agradezco el amor, los poemas, las cartas, las flores que guardo secas, las palabras que no olvido. Y el deseo que se alzó en casi todos. Pienso em mi casa… tantas cosas. Pero ese tiempo en que te conocí fue distinto, en conciencia, en seriedad. Se separa. Tu llegada coincidió con mi iniciación a la vida profunda, con el conocimiento de Oribe, la influencia de Goyena, con ciertas lecturas, cierta música aun no penetradas. Yo no sé si fue lo mismo para ti, o si ese año de 1939 tiene una tensión distinta en tu vida. Tú eras más reservada, más olvidada de ti. Y te acepté así, sospechando tristezas en tu vida clara, al parecer sin ilusiones. Somos distintas. Como dos notas distintas que pueden dar un acorde perfecto.

Vuelvo al pasado y escribo al azar, como si te hablara. No sé qué será de tu vida, de la mía. Pienso en mis hermanos, en los tuyos. Tengo una firme confianza y, al mismo tiempo, una aprensión, un terror vago, como cuando era chica, de las fuerzas desconocidas, incontrolables que pueden moverse, tocarlos, perderlos. Yo, en cambio, no estoy en peligro; tampoco me preocupo por ti. Nada puede pasarnos y, si pasa, no importa. Aunque esto de vivir es extraño. Me da miedo. Esta lámpara, yo, los sonidos. Te juro que no entiendo. Me parece conmovedora la fe que tenemos en nuestras convicciones. Y esta manera superficial de usar el mundo y de vivir como si eso fuera la cosa más sencilla.

Traduzido de: VILARIÑO, Idea. Diario de juventud. Editora Cal y Canto: Montevideo, 2013.

Erlândia Ribeiro: Escritora, tendo publicado o livro de contos Superfícies irregulares (Kotter, 2019), também graduada em Letras Espanhol, Mestra no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários – PPG/MEL pela Universidade Federal de Rondônia e, atualmente, doutoranda em Estudos Literários no Programa de Pós-Graduação do PPGL-UFES pela Universidade Federal do Espírito Santo. Trabalha com os diários da escritora argentina Alejandra Pizarnik (1936-1972), seu objeto de vida e de pesquisa.

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