Pelé |
O futebol também protesta
Pelé pede aos manifestantes que se limitem a apoiar a seleção e saiam das ruas
Romário responde com ironia que “em silêncio, ele é um poeta”
José Sámano / Luis MartinRío de Janeiro 21 JUN 2013 - 01:28 CET
Romário |
Um cartaz na entrada do majestoso Maracanã recorda aos fãs de todos os cantos do mundo: “Aqui o Brasil construiu a sua História”. Uma lenda com maiúscula que transcende o futebol. Este esporte, vitrine universal, nos últimos dias se converteu na maior vitrine do mundo para as reivindicações sociais dos brasileiros. Como ressaltaram nesta quinta-feira alguns fãs diante dos portões do templo futebolístico do Brasil, o Maracanã ilustra perfeitamente o que o povo condena. O custo da reforma foi muito maior do que o orçamento inicial e acabou consumindo mais de 300 milhões de euros e de dentro dele pode-se ver vários conjuntos de favelas. Em uma das avenidas que leva até lá há um toldo com cartazes que exibem a mesma reclamação: “Queremos trabalhar.” Nos arredores do Maracanã não houve manifestação antes da partida Espanha-Taiti, como aconteceu em jogos anteriores.
“Não somos contra o futebol, mas contra a corrupção”, podia-se ler na quarta-feira em diversos cartazes espalhados pelo estádio de Fortaleza no jogo Brasil-México. Umas 15 mil pessoas tentaram bloquear o acesso. O futebol e os jogadores sentiram necessidade de intervir e, à exceção de Pelé, sempre perto do poder, a imensa maioria se declarou a favor dos manifestantes. Estes, que viram no futebol um alto-falante perfeito, não só conseguiram visibilidade máxima como também obtiveram o seu melhor cartaz, a adesão dos jogadores mais ilustres.
Horas antes da partida, nas redes sociais circulou a ideia de que os fãs brasileiros deviam dar as costas ao hino no início do jogo. Juninho Pernambucano, ex-jogador Canarinha que está nos Estados Unidos, apoiou a ideia. Os jogadores se mobilizaram rapidamente. Alvez, o jogador do Barcelona, se solidarizou pelo Instagram. “Por um Brasil sem violência, melhor, em paz, educado, com saúde, honesto e feliz.” Hulk, atacante titular, escreveu na rede: “O Brasil tem que melhorar mesmo.” O zagueiro David Luiz também se manifestou: “Acho bom que as pessoas protestem pelos seus direitos.”
Mas ninguém foi tão contundente quanto Neymar, o atual ícone do futebol brasileiro. Na sua conta do Instagram, o novo jogador do Barcelona disse estar “triste” com o que acontece hoje no seu país. “Sempre tive fé de que não seria preciso chegar ao ponto de sair às ruas para exigir melhores condições de transporte, saúde, educação e segurança, principalmente porque isto é obrigação do governo.” “Os meus pais, acrescentou Neymar, “trabalharam muito para oferecer a mim e ao meu irmão um mínimo de qualidade de vida ... Hoje, graças ao êxito que vocês [referindo-se aos fãs] me proporcionaram, poderia parecer demagógico da minha parte – mas não é – levantar a bandeira das manifestações que percorrem todo o Brasil; mas eu sou brasileiro e amo o meu país (...). Quero um Brasil mais justo, mais seguro, mais saudável e mais honesto. Na partida contra o México vou entrar em campo inspirado por estas manifestações. Estamos juntos.” No embate contra o México, antes, durante e no final, Neymar gesticulou mais de uma vez em direção à arquibancada e conversou com muitos seguidores. Isso ocorreu depois dos gritos: “Ô brasileiro, vamos acordar, um professor vale mais que o Neymar.”
Neymar e os seus companheiros da seleção não estavam sós na solidariedade com os indignados brasileiros. Vários ex-jogadores também se lançaram em campo. Na frente, não podia faltar Pelé, que postou um vídeo na rede: “Peço aos brasileiros que não confundam as coisas. Estamos preparando a Copa do Mundo, vamos apoiar a seleção, vamos esquecer a confusão reinante e vamos esquecer os protestos.” Com ironia, Romário, deputado federal pelo Rio, imediatamente disse a Pelé para se calar: “Pelé em silêncio é um poeta.” Romário criticou duramente o “escandaloso” investimento estatal para o Mundial, isso sem contar o que o Brasil terá de gastar com as Olimpíadas de 2016. Dois eventos que ameaçam passar da conta.
Nas redes, as críticas a Pelé foram massivas, levando o Rei, embaixador do Mundial de 2014, cujos investimentos milionários o povo também critica, a se retratar hoje. “Sempre lutei contra a corrupção; depois do milésimo gol falei da importância da educação. Não me entendam mal, só peço que não descarreguem as nossas frustrações na seleção.” Para Rivaldo, “é uma vergonha organizar o Mundial no Brasil com a desigualdade que existe aqui, com gente passando fome”. “Já fui pobre e senti na pele a dificuldade de não ter um bom serviço de saúde. O meu pai foi atropelado e morreu por não ter sido atendido num hospital público de Recife ...” No Brasil, o futebol também protesta.
Traducción de Cristina Cavalcanti
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