Nuno Júdice
OFERTA
O que tenho para te dar? Uma gramática de
sentimentos,
verbos sem o complemento de uma vida, os
substantivos
mais pobres de um vocabulário íntimo -o amor, o
desejo,
a ausência. Que frase construiremos com tão pouco?
A que léxico da paciência iremos roubar o que nos
falta?
Então, ofereço-te uma outra casa. As paredes têm a
consistência do verso; o tecto, o peso de uma
estrofe.
Abro-te as suas portas; e o sol entra pela janela
de
uma sílaba, com o seu fogo vocálico, como se uma
palavra pudesse aquecer o frio que te envolve.
E pergunto-te: que outras palavras queres? A música
sonora de um ócio? O espesso manto com que o veludo
se escreve? O fundo luminoso do azul? Poderia
dar-te
todas as palavras na caixa do poema; ou emprestar-te
o canto efémero em que se escondem do mundo.
Mas não é isso que me pedes. E a vida que pulsa
por entre advérbios e adjectivos esfuma-se
depressa,
quando procuramos seguir a linha do verso. O que
fica?,
perguntas-me. Um encontro no canto da memória.
Risos,
lágrimas, o terno murmúrio da noite. Nada, e tudo.
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