segunda-feira, 18 de julho de 2016

Mais enigmas sobre a morte do poeta espanhol Federico García Lorca

Federico García Lorca

Mais enigmas sobre a morte do poeta espanhol Federico García Lorca

Amiga do poeta estava convencida de que os restos haviam sido levados pelo franquismo


Raúl Limón
Sevilha 19 AGO 2015 - 09:37 COT





Fotografia dos anos 30 de Federico García Lorca. MARCELLE AUCLAIR

Existem mortes que causam tanto impacto como a vida. É o caso do assassinato de Federico García Lorca (Granada, 1898-1936), o universal autor cujo fuzilamento por parte do franquismo há 79 anos foi recordado na segunda-feira. Marta Osorio, editora do imprescindível livro Miedo, olvido y fantasía: crónica de la investigación de Agustín Penón sobre Federico Garcia Lorca (Comares), publica agora pela mesma editora El enigma de una muerte. Crónica comentada de la correspondencia entre Agustín Penón y Emilia Llanos. Este livro, que analisa as cartas entre o primeiro e exaustivo investigador da vida e da morte de seu adorado autor e sua amiga, é um complemento da primeira obra que joga mais luz sobre o crime e gera mais sombras. A principal: a possibilidade de que o corpo tenha sido levado da fossa indicada pelas testemunhas como o lugar dos disparos.






“NADA FOI FEITO”

Marta Osorio, em sua casa de Granada em 2012.

“Apesar de tudo, Federico viveria para sempre, muito, muito depois de que todos estivéssemos mortos. E se os fatos reais não estão escritos, a fantasia os substituirá. E a fantasia apaixonada pode não ter misericórdia”, escreveu Penón em 1955. Em seu novo livro, Osorio afirma que o investigador “se antecipou ao que ocorreria desde então até os dias de hoje, e que fez com que 78 anos [79 já] depois do assassinato de García Lorca haja tão poucos fatos comprovados sobre a realidade de sua morte e tantas perguntas sobre o que possa ter acontecido.”
A escritora lamenta a situação. “Nada foi feito, e ninguém sabe de nada”, diz ela, defendendo a realização de um plano sério de investigação a partir dos documentos reunidos por Penón, com a abordagem de todas as possibilidades. Ela afirma que, independentemente da descoberta do corpo de Lorca, poderiam ser recuperados restos mortais de dezenas de pessoas executadas no local e que merecem um lugar na memória. Em seu livro, por exemplo, ela destaca o caso uma jovem judia alemã que fugiu da perseguição nazista e foi assassinada no mesmo lugar que Lorca por ser amiga de um arquiteto socialista.
A autora conhece bem as feridas da repressão franquista. De sua residência em El Realejo, é difícil não ver uma casa onde não haja familiares de políticos, intelectuais e professores assassinados pelo franquismo, que deixou em Granada uma sequela de medo, esquecimento e fantasia, como refletiu em seu primeiro livro sobre o investigador.
“Se for seguida a linha correta, poderemos saber de muitas coisas”, diz a jornalista Isabel Reverte, autora do documentário La maleta de Penón, realizado e editado por Miguel Santos. Reverte afirma que o relato deste investigador feito por Osorio é “apaixonante” e considera que seja fundamental para encontrar a verdade. A jornalista é uma das pessoas que mais conhecem a autora de Granada, uma excelente escritora de contos infantis e relatos que se viu compelida a acabar a obra do investigador quando William Layton lhe entregou, antes de morrer, a maleta com os papéis de seu amigo. O capítulo de Lorca está encerrado para Osorio, mas conserva relatos curtos e contos que essa escritora inquieta não descarta publicar.

Penón, um barcelonês de nacionalidade norte-americana, chegou a Granada em 1955 com seu amigo William Layton e sua inseparável primeira edição do Romancero Gitanode Lorca. Apaixonado pelo autor andaluz, encontra-se numa cidade paralisada de medo onde o “nome Federico era proibido”, segundo relata Osorio. Sem ânimo de “remover paixões”, como ele mesmo escreveu, e com a única vontade de estabelecer uma “cronologia de acontecimentos”, realiza durante um ano e meio a mais importante investigação sobre a morte do poeta.
Após entrevistar testemunhas e percorrer palmo a palmo a estrada que liga Alfacar a Víznar e o barranco onde os franquistas executaram centenas de pessoas, Penón coleta informações fundamentais e sugere possíveis localizações do corpo. Mas, pressionado pelo regime do ditador, teme que toda a documentação seja confiscada e parte aliviado rumo a Nova York em 1956, com uma maleta de documentos que acabou nas mãos de Osorio.
Em sua estada conheceu Emilia Llanos, uma íntima amiga do poeta cúmplice das investigações de Penón e com quem ele mantém uma correspondência que agora a escritora de Granada resgata.
Penón chegou a estabelecer a localização da fossa: estaria sob uma oliveira, a 10 metros da estrada e perto da Fonte Grande, no atual parque García Lorca. As cartas evidenciam que ele tinha vontade de comprar o terreno, e Llanos percebeu em março de 1957 que a propriedade havia sido colocada à venda. Dois meses mais tarde, contudo, os dois desistiram da ideia. “Temos que deixar isso no momento, não é oportuno”, escreveu a amiga do poeta. Outros dois meses mais tarde, Llanos revelou a Penón o motivo da cautela: “Quem estava ali já não está. Entende? Há muito tempo se supõe que esteja em Madri com a família. Foi o que me contou uma pessoa informada sobre os fatos.” Penón questionou a confiabilidade da fonte, e Llanos manteve segredo sobre a sua identidade – “uma alta fonte”, responde no tom sigiloso das cartas,marcadas pelo medo de represálias. “Sim, o lugar era nas oliveiras, depois o mudaram de lugar”, concluiu Llanos.
“As cartas trazem mais incerteza”, admite Osorio, lembrando que o corpo de Lorca pode ter sido levado por franquistas para evitar que o lugar se transformasse em centro de peregrinação de democratas, ou pela própria família, mas a outro ponto do caminho. A autora se nega a confirmar qualquer hipótese e a participar do turbilhão gerado em torno da localização dos restos do autor. “As pessoas falam muitas coisas, e algumas têm um ponto de veracidade que só gera mais confusão”, explica. 






SOLEÁ MORENTE DÁ VOZ AOS DESAPARECIDOS


“É necessário ir aonde o silêncio está e dar voz às pessoas que foram sepultadas pelo poder.” Com essas palavras, Solá Morente explicou o sentido da homenagem feita nesta segunda-feira em Alfacar (Granada) a García Lorca e a dezenas de vítimas do franquismo enterradas na mesma zona.
Às 21h (16h pelo horário de Brasília), após uma oferenda floral no monólito usado para cerimônias no parque, foi realizado o concerto Fragmento de la mañana, com Morente acompanhada ao piano por J. J. Machuca. A cantora interpretou obras do poeta a partir dos trabalhos de seu pai, incluindo uma versão de Doña Rosita la soltera e Pequeño vals vienés, que integra o disco Omega de Enrique Morente.
Também foram realizadas outras cerimônias ligadas aos lugares onde o poeta passou seus últimos dias, como o ato 5 a las cinco na propriedade de Fuentevaqueros, a polêmica inauguração do Centro Lorca e outros projetos de promoção da rota cultural vinculada à vida e à obra do poeta em Granada.

EL PAÍS




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