Gay Talese desautoriza seu livro mais recente por falta de credibilidade
O escritor afirma que não confia mais em sua fonte do livro-reportagem ‘The Voyeur’s Motel’
Cristina F. Pereda
Washington, 1 jul 2016
O que prometia ser a reportagem do ano já não é mais. O escritor norte-americano Gay Talese, autor de The Voyeur’s Motel (O motel do voyeur) admitiu na quinta-feira que não vai promover o livro com o mesmo título por ter perdido a confiança na principal fonte de sua história. Um fragmento da obra, publicado na revista The New Yorker, causou um grande impacto no começo deste ano com a surpreendente história do dono de um hotel que tinha espionado seus hóspedes durante décadas.
“Gerald Foos não é confiável. É um homem desonesto, totalmente desonesto”, declarou na quinta-feira Talese ao jornal The Washington Post. “Fiz o que pude neste livro, mas pode ser que não tenha sido o suficiente”.
Entrar em The Voyeur’s Motel era avançar através de um labirinto de surpresas incômodas, incluindo o papel do autor. Talese tinha sido procurado por Gerald Foos, um homem que reconhecia ter remodelado seu hotel para criar um teto falso nos quartos e poder catalogar as práticas sexuais de seus hóspedes. Admitiu ter feito isso durante décadas. Para verificar, Talese foi visitá-lo no motel nos arredores de Denver (Colorado), durante três dias. Uma noite espiaram um casal juntos.
Tanto Talese quanto os editores do livro e da revista The New Yorker, confiaram em uma única fonte desta história: Foos. Mas assim que a história foi publicada, muitos meios de comunicação tentaram amarrar as pontas soltas na reportagem. O The Washington Post, por exemplo, tentou verificar se o hotel realmente pertencia ao protagonista durante os anos em que afirmava ter espionado casais. A história de Talese baseia-se em um catálogo com anotações durante décadas cuja veracidade foi recentemente questionada pelo Post.
O jornal afirma em uma entrevista exclusiva quase tão picante quanto a reportagem original que na última quarta-feira mostrou ao autor os registros demonstrando que o hotel foi vendido logo após sua visita ao Colorado. Isso questiona qualquer afirmação de que Foos conservava acesso aos quartos a partir daquele momento.
“Não vou mais fazer a divulgação meu livro. Como posso fazer isso se a sua credibilidade acaba de ser jogada no lixo?”, diz o autor, de 84 anos, ao Post. “Nunca deveria ter acreditado em uma palavra que ele me falou”. Talese explicou no texto publicado no começo do ano que a história tinha vindo à tona depois chegar a um acordo econômico pelo qual Foos recebeu dinheiro em troca de permitir o acesso a seus diários.
A data de publicação do que ainda pode ser um dos livros do ano é 12 de julho. O impacto inicial de The Voyeur’s Motel foi tão grande que Steven Spielberg comprou os direitos para transformá-lo em filme. Estava justificado: Talese é um dos jornalistas norte-americanos mais respeitados das últimas décadas dentro e fora de seu país. Apesar de ter admitido na reportagem que não tinha conseguido resolver todas as discrepâncias na versão oferecida por Foos, a natureza da história do voyeur prendia qualquer leitor forçando-o a deixar de lado as dúvidas morais até o momento de fechar a revista.
Quando Talese já tinha repassado o catálogo de hábitos sexuais dos hóspedes do motel, revela uma das histórias mais chocantes do texto. Foos alega ter sido testemunha da morte por estrangulamento de uma mulher em um dos quartos, mas não chamou a polícia. Talese tampouco. O escritor afirma no texto que não conseguiu confirmar nos arquivos públicos esse homicídio, mas atribuiu a uma incongruência nos dados registrados.
Talese trouxe à luz os possíveis crimes cometidos, de espionagem até omissão no assassinato às autoridades ou sua possível cumplicidade no voyeurismo de Foos, 36 anos depois, quando já tinham prescrito. As investigações do Postagora revelam que Foos não só não era o dono do motel naquela época, mas, ao contrário do que havia afirmado anteriormente, nem tinha acesso aos quartos que espionava e o novo proprietário, além disso, tinha reformado o teto falso ao qual supostamente tinha acesso.
Aqueles que pensaram no começo do ano que o escândalo estava completo, erraram. Dias antes da publicação de toda a história, The Voyeur’s Motel acaba de acrescentar mais um capítulo na que pode ser a polêmica do ano.
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