Funcionários do Facebook na sede central em Menlo Park, Califórnia. A.T. |
Uma visita ‘fake’ ao império do Facebook
A empresa tecnológica convida jornalistas de vários países a visitar sua sede central para apresentar uma imagem de transparência em plena crise de reputação
ANA TORRES MENÁRGUEZ
Menlo Park 2 AGO 2018 - 13:51 COT
A chegada ao Facebook decepciona. Espera-se encontrar um grande edifício com arquitetura eficiente, grandes janelas e luz natural. Mas a área escolhida para receber 30 jornalistas do mundo todo na primeira visita da imprensa internacional organizada pela empresa em sua sede em Menlo Park (Califórnia) é a antiga sede: uma série de galpões industriais de dois andares pintados de cores que mais lembram um shopping center do que o local onde um dos algoritmos mais valorizados do planeta é armazenado.
"Não podemos fazer isso sozinhos", explicou durante a visita, realizada há duas semanas, Sara Su, uma das porta-vozes da empresa. A rede social, disse ela, precisa da colaboração de organizações externas para deter o monstro. A falta de controle sobre o conteúdo divulgado na plataforma e a pouca atenção dada à privacidade dos usuários levaram a empresa de tecnologia a sofrer a pior crise de credibilidade em seus 14 anos de história. Desde que estourou em março o escândalo da Cambridge Analytica —o vazamento maciço de dados pessoais de 87 milhões de usuários por essa empresa britânica—, Mark Zuckerberg foi forçado a explicar o modo como trabalha o seu rebento, um mastodonte com mais de 2,2 bilhões de usuários mensais.
E nessa estratégia se encaixava o plano de levar jornalistas para passarem um dia no império do Facebook. Em seu esforço para transmitir uma imagem de transparência, a empresa convidou um grupo da mídia internacional para visitar sua sede principal pela primeira vez, incluindo EL PAÍS. É claro que Zuckerberg e sua equipe estão do outro lado da estrada, nas novas instalações inauguradas há alguns meses. Os convidados não tiveram esse privilégio.
O sigilo em torno do algoritmo da empresa tecnológica é estendido a seus escritórios. Os jornalistas são continuamente controlados. A distância de apenas alguns metros dos funcionários, que se deslocam rapidamente de um lugar para outro, parece quilométrica. A atmosfera de campus universitário que a sede emana, com um pátio interno cheio de funcionários de diferentes partes do mundo, e a sua idade média de cerca de 30 anos, colide com a realidade imposta de cima: a liberdade de movimento não é uma opção.
O momento escolhido para abrir as portas por um dia e destacar porta-vozes de diferentes departamentos para responder a perguntas de jornalistas de países como Japão, Polônia, França e Argentina —87% dos usuários da plataforma são de fora dos Estados Unidos e Canadá— não é um acaso. Uma semana depois, o Facebook registraria uma queda de cerca de 25% em seu valor no mercado acionário, logo depois de apresentar piores resultados econômicos do que o esperado e de antecipar que seu crescimento está em fase de desaceleração. Nunca antes uma empresa havia caído tanto em um dia em Wall Street: de uma capitalização em bolsa próxima dos de 620 bilhões de dólares (cerca de 2,4 bilhões de reais) antes de publicar os resultados, passou a 470 bilhões (cerca de 1,77 bilhão de reais).
Embora seus 2,2 bilhões de usuários tenham propiciado um faturamento de 12 bilhões de dólares (49,6 bilhões de reais) no segundo trimestre de 2018, o que representa uma melhora de 42% em relação ao mesmo período do ano anterior, tiveram mais força as dúvidas sobre as novas políticas da empresa e os possíveis efeitos sobre sua lucratividade. Nos últimos meses, Zuckerberg esteve sob o escrutínio dos legisladores dos Estados Unidos e da União Europeia, e está sendo avaliado se violou as regras que protegem a privacidade dos usuários. Os novos investimentos em segurança podem afetar sua margem de lucro. A essa crise se soma a da reputação: sob o nome #DeleteFacebook, um novo movimento social pede aos usuários que deixem o Facebook.
Não é fácil avaliar o possível desconforto ou insegurança dos funcionários da empresa. A partir do momento em que nós, jornalistas, entramos no recinto, construído ao lado de uma rodovia na baía de São Francisco, a cerca de 47 quilômetros da cidade, os responsáveis pela visita nos acompanham o tempo todo, até para fumar um cigarro no lado de fora. O controle de cada movimento dos jornalistas é excessivo. Durante a refeição deve-se permanecer em uma área delimitada, controlada pelo pessoal de segurança. Nos dois complexos que compõem a sede do Facebook, há um total de 14.000 funcionários. Em todo o mundo são 30.000.
Durante o tour guiado às instalações, uma das funcionárias revela algumas das histórias relacionadas à arquitetura do local. Trata-se de uma série de galpões ligados por um grande pátio interno com áreas ajardinadas, restaurantes e academias gratuitas para funcionários, salão de cabeleireiro e lojas que vendem bicicletas, estes de particulares. Alguns dos edifícios estão conectados por pontes vermelhas que lembram a Golden Gate, a icônica ponte de São Francisco. "Eles passam muitas horas aqui e queremos que se sintam em casa", diz ela. "Há um grupo de raposas que costuma sair quando o sol se põe", continua. Alguns cartazes recomendam não se aproximar delas nem alimentá-las. O percurso termina na oficina de confecção de cartazes, gratuita para os funcionários, ou na sorveteria. Qual é o perfil da maioria dos funcionários? A idade média? O salário médio? "O Facebook não fornece esse tipo de informação", responde a porta-voz.
O sigilo e o chamado control freak (obsessão pelo controle) são a marca das empresas de tecnologia do Vale do Silício. "No mundo tecnológico, o mais valioso é o que você inventou. Os fundadores acreditam que, se alguém descobrir a maneira como criam, perderão sua vantagem competitiva", diz uma ex-funcionária do setor que mora em São Francisco e prefere não dizer seu nome. "Eles temem que um dos empregados revele um detalhe ou fale demais. O Facebook atualmente é muito paranoico. É verdade que muitos funcionários estão descontentes com as políticas da empresa, a ingerência nas eleições em 2016 faz com que não estejam de acordo com o modo como Zuckerberg gerencia a empresa", acrescenta.
Nessa visita, o segredo do algoritmo do Facebook estava a salvo. A parte técnica da empresa, as equipes de desenvolvimento de computadores, estão no novo prédio, fora do alcance dos profissionais da imprensa convidados.
Em um artigo publicado na Columbia Journalism Review, James Ball, jornalista britânico e autor do livro Post-Truth: How Bullshit Conquered the World (Pós-verdade: como as baboseiras conquistaram o mundo), alerta para a necessidade de um novo modelo de jornalismo tecnológico. Ball denuncia a permissividade dos jornalistas e o fenômeno dos fãs, segundo o qual os informadores são os mais entusiastas dos novos produtos tecnológicos e, por vezes, os menos críticos. "Os fundadores das empresas controlam o acesso da mídia a tal ponto que empresas de outro setor considerariam insólito, até mesmo as visitas a escritórios —consideradas um privilégio— exigem acordos de confidencialidade por parte dos jornalistas", diz Ball.
“Há uma série de razões pelas quais o sigilo se tornou uma parte essencial da cultura do Vale do Silício, e não precisamente a necessidade de proteger a propriedade intelectual dos concorrentes. É a atmosfera que envolve a imprensa especializada em tecnologia que torna isso possível. Graças a uma mídia complacente e até mesmo fã, as empresas de tecnologia podem facilmente controlar suas narrativas e evitar críticas ou vetar jornalistas ", diz Ball.
Sandy Parakilas, diretor de operações no departamento de Privacidade do Facebook entre 2011 e 2012, é agora um de seus detratores. Apesar de ser um crítico do modelo —ele garante que a empresa prioriza o crescimento econômico e destina muito poucos recursos à proteção dos usuários—, sua opinião sobre sigilo e controle sobre os meios de comunicação não é negativa. Ele acredita que esse comportamento é lógico, que os jornalistas podem ser críticos e que o medo de ser vetado não faz sentido.
Essa não é a percepção dos jornalistas enquanto comem um enroladinho de legumes no chamado Zen Garden do Facebook, um espaço em uma plataforma de madeira, com jardins e grandes bancos individuais que os funcionários podem usar como local de trabalho. "Se você os critica abertamente, não voltam a te convidar", diz um dos jornalistas de São Francisco.
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