INÊS VALLE
Por entre as distintas sociedades africanas, o pente sempre teve uma forte simbologia, representando status, afiliação a um determinado grupo social ou mesmo crenças religiosas. A exposição Origins Of The Afro Combs – 6000 Years Of Culture, Politics And Identity curada por Sally-Ann Ashton, simultaneamente patente no Museu Fitzwilliam e no Museu de Arqueologia & Antropologia de Cambridge, leva-nos numa viagem ao longo do tempo, partindo de à 6000 anos atrás até aos dias de hoje, refletindo sobre a história e simbologia que este objecto detém em diversas sociedade ou comunidades africanas, quer dentro do continente africano, quer em comunidades africanas da diáspora, localizadas nas Américas, Reino Unido ou nas Caraíbas.
O núcleo do Museu Fitzwilliam apresenta a história cronológica deste objecto, iniciando o percurso expositivo com objetos que nos remetem para mais de 6000 anos AC no Egito (Kemet). Os pentes encontrados deste período, são na sua maioria ornamentados com figuras animais, salvo em algum casos, que contêm representações de figuras humanas, provavelmente deuses, como é o caso do pente representa Tawaret, a deusa da bondade.
Um dos diálogos mais interessantes entre os objetos apresentados nesta exposição, é a justaposição simbólica entre dois pentes com diferença temporal de mais de 5000 anos: um pente de plástico dos anos setenta, desenhado pela Antonio Inc., e um pente em osso pertencente à Dinastia do Alto Egito. Ambos encerram em si o mesmo significado icónico. O primeiro, o ethos do Movimento de Direitos Civis, ergue um punho cerrado e o símbolo da paz, ao passo que o segundo é ornamentado com um pare de chifres de touro, mas ambos são representações ou símbolos de poder e status.
Nesta exposição, além de podemos encontrar pentes de diversos períodos e territórios, também nos deparamos com uma extensa seleção de esculturas nigerianas, desde o século 12. Representando deuses ou figuras de fertilidade, revelam-nos a multiplicidade de penteados díspares, como é o caso da escultura que representa Xangô, o deus trovão. Ainda neste mesmo espaço, podemos observar a evolução dos diversos estilos de penteados Africanos ou das Caraíbas, através de uma projetação de retratos fotográficos, apresentando retratos efectuados entre 1909 até 2013, que ilustram não só o período colonial, em que os africanos eram retratados como figuras exóticas, como também uma perspectiva mais próxima e contemporânea da diversidade de penteados que hoje existem.
No último espaço expositivo no Museu Fitzwilliam, é simultaneamente narrada a história e importância simbólica do pente e penteado ‘afro’, quer durante o período colonial quer na atual Diáspora Africana. Esta ultima surge durante os anos 50, ganhando um tremenda visibilidade quando as artistas Miriam Makeba ou Nina Simone passam a adaptar este estilo de penteados publicamente, como um símbolo de orgulho da sua própria identidade cultural. Posteriormente, durante os anos 60 e 70, quando ocorrem os movimentos Direitos Civis dos Negros ou o movimento Black Power, este estilo de penteado "afro" torna-se popular por entre as comunidades da diáspora africana, expressando o conceito 'Black is Beautiful'. Durante este período são criadas uma variedade de diferentes tipos de pentes, sendo o mais icônico, um pente ornamentado com um punho cerrado idealizado por Anthony Romani em 1972, simbolizando o gesto de saudação do Black Power.
Como referência ao período colonial, posso destacar a história dos quilombos de Accompong na Jamaica narrada através da uma instalação constituída por dez pentes de alumínio, idealizada por Russell Newell em 2013. O termo "Maroon" provém da língua espanhola, que significa cimarrón, uma das muitas palavras pejorativas usadas pelos europeus para rotular os povos africanos. Nesta instalação, Newell descreve-nos a história de um grupo rebeldes de Accompong na África Ocidental, que conseguiram escapar dos britânicos quando estes chegavam à Jamaica. Cada objecto-pente revela-nos uma história de lutas de mais de 80 anos contra o poder Colonial Britânico, culminado em 1730 com a Independência de Accompong .
A segunda parte desta exposição, patente no Museu de Arqueologia & Antropologia, pode ser encarada como uma grande instalação, onde a temática é transposta para a contemporaneidade, através da obra do artista e escritor Michael McMillian. Em My Hair: Black Hair Culture, Style and Politics, são recreados à escala real, três estabelecimentos, uma ‘Cottage Salon' dentro de uma casa particular, uma Barbearia e um Salão de Cabeleireiro, onde o artista procura ilustrar o desenvolvimento da indústria negra global, a politização ou mesmo a popularização dos Afros e Dreadlocks.
Esta é uma exposição que nos revela simultaneamente as origens do pente Afro e o valor simbólico deste objeto na história política do século vinte, como também a forma como os penteados Afro se tornaram hoje num símbolo da identidade cultural Africana.
Origins of the Afro Combs - 6000 years of Culture, politics and Identity
Fitzwilliam Museum
Museu de Arqueologia & Antropologia
Cambridge, UK
Curadoria de Sally-Ann Ashton
Fotos:
1. Edo, Elephant Ivory hair comb, Benin City, South Nigeria (before 1958). Photo credit: Ines Valle
2. Installation View My Hair: Black Hair Culture, Style and Politics at the Fitzwilliam Museum, Cambridge, 2013. Photo credit: Ines Valle
3 . Installation View My Hair: Black Hair Culture, Style and Politics at the Fitzwilliam Museum, Cambridge, 2013. Photo credit: Ines Valle
4. Installation View Plastic hair comb (Anthonio’s Inc.) ; Bone hair comb (Egypt, c.3500 BCE). Photo credit: Ines Valle
5. 5. Installation View The story of Jamaica‘s Accompong Maroons by Russell Newell (2013), at the Fitzwilliam Museum, Cambridge, 2013. Cortesy of Fitzwilliam Museum
6. Installation View My Hair: Black Hair Culture, Style and Politics at the Fitzwilliam Museum, Cambridge, 2013. Photo credit: Ines Valle.
Inês Valle possui Licenciatura em Pintura e Mestrado em Estudos Curatoriais ambos realizados na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Recentemente, realizou um estágio como assistente de curadoria no CCAS, na Austrália, através do programa da Cultura INOV–Art, promovido pelo Ministério da Cultura português. Para além do objetivo do estágio, tomou a oportunidade para pesquisar sobre alguns dos conflitos que neste território emergem, inclusive a prática da arte contemporânea indígena e as relações de poder entre “política” e a pratica artística. É curadora independente e critica de arte sediada entre Portugal, Reino Unido e Nigéria, em que no último foi convidada a colaborar como curadora na Omenka Gallery. Tem colaborado com diversos artistas, curadores e instituições artísticas, organizou diversas exposições que operam como plataformas discursivas críticas que incidem sobre relações de poder entre a política, a sociedade e a prática artística. De seus últimos projetos curatoriais pode-se destacar “God Factor” no Mosteiro de Tibães, em Braga; “Art Stabs Power: que se vayan todos!” na Plataforma Revólver (Lisboa) e em Bermondsey Projeto (Londres), bem como a exposição “Gently I press the trigger”, com o artista Palestino Khaled Jarrar, na Galerie Polaris (Paris) e na One Gallery (Ramallah).
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