terça-feira, 26 de novembro de 2019

Love will tear us apart

Jana Romanova, Waiting (2009-2012). Exposição She Loves me, She loves me not, Mosteiro de Tibães, curadoria de Rui Prata, 2013; Festival Internacional de Fotografia 


Love will tear us apart

Festival Internacional de Fotografia, 13 Setembro – 27 Outubro 2013

Love will tear us apart [1], título da canção icónica da banda pós-punk britânica Joy Division, marca o Festival Internacional de Fotografia - Encontros de Imagem de Braga de 2013.
Num período hostil e adverso que reside em muito dos países europeus, onde a sociedade contemporânea atravessa uma crise de valores, Ângela Ferreira, a nova directora do festival, acredita que as relações humanas tornaram-se urgentes, sendo pertinente reflectir sobre as relações interpessoais e mesmo sobre o paradigma de família tradicional. Assim, a temática central deste festival é o Amor e a Família, sendo explorada através de inúmeros projectos fotográficos desenvolvidos por mais de 100 autores distintos, exibidos por mais de 30 exposições que sucedem, não só na cidade de Braga [como ocorreu em edições anteriores], como pelo território nacional (Porto e Lisboa) e além-mar, com eventos expositivos a decorrerem também no Brasil (S. Paulo e Fortaleza).
Dentro do enorme leque de exposições, destacam-se alguns projectos artísticos, que nos revelam uma multiplicidade de olhares, interpretações ou vivências sobre algumas das possibilidades que hoje podem representar sentimentos e uniões tão próximas, como o Amor ou a Família.
Matias Costa, em The Family project (Casa dos Crivos, Braga), partindo de arquivos fotográficos de família, desvenda-nos memórias que recontam não só alguns dos principais acontecimentos que marcaram o século XX: a migração Europeia para a América, a I Grande Guerra, a perseguição dos judeus na Rússia dos Czares e na Alemanha Nazi que culminou com a migração dos Americanos para a Europa, da qual Costa vivenciou enquanto criança; como também evoca a própria história da evolução da fotografia, desde as imagens monocromáticas às típicas imagens dos anos 80 com cores saturadas. Numa outra exposição, Nelson D´Aires também recorre a imagens de arquivo que celebram a continua memória do poder da fotografia em perpetuar o momento. No seu projecto Álbum de Família (Espaço Mira, Porto), Aires parte de um livro-álbum que retrata de forma próxima diversas gerações de famílias de Mora, captadas pelo fotografo António Gonçalves Pedro (AGP), e ao defrontar-se com estas memórias fotográficas sente a necessidade de encontrar as pessoas fotografadas, acabando posteriormente por retrata-las no seu actual ambiente e circunstância de vida.
Ao contrário do projecto de Nelson D´Aires que nos fala de reencontros e procura perpetuar o momento da memória contínua, o projecto Casamento/Divórcio/Diversos de Jorge Miguel Gonçalves, inserido na exposição no Mosteiro de Tibães She Loves me, She loves me not com curadoria de Rui Prata, apresenta-nos um olhar sobre diferentes espaços institucionais, frios e descaracterizados, mas simultaneamente envoltos em inúmeras e dissonantes cargas emocionais, como são as salas das conservatórias de registo civil. Espaços que tanto podem ocorrer casamentos como divórcios, fazendo-nos assim reflectir sobre as múltiplas cargas simbólicas que um espaço poderá conter em si mesmo. Ainda nesta exposição somos confrontados com as fortes imagens de Jonathan Torgovnik, escritas e visuais. Em Intended Consequences: Rwandan Children Born of Rape, Torgovnik revela-nos os efeitos colaterais de uma bruta realidade que impactou toda uma sociedade, genocídio de 1994 no Ruanda, que resultou numa limpeza étnica de mais de um milhão de Tutsis. Torgovnik, apresenta-nos as histórias de algumas mulheres que conseguiram sobreviver a este atroz genocídio, mas que foram violadas, contraindo SIDA/VIH ou engravidando do seu agressor. Mais de 20.000 crianças resultaram destes actos. Estas são imagens que nos revelam a continua memória de um pesado passado colectivo, onde provavelmente pela primeira vez, estas mulheres ganham coragem e voz para desvendar a sua história ao mundo.
Por fim, posso mencionar os projectos da artista russa Jana Romanova (Mosteiro de Tibães, Braga) e da artista portuguesa Pauliana Valente Pimentel (Galeria da Boavista, Lisboa). O primeiro intitulado Waiting, retrata segundo um ângulo panorâmico, jovens casais russos das grandes cidades de São-Petersburgo e de Moscovo, que estão na iminência de serem pais. Estas imagens foram captadas durante o início da manhã, altura em que a maioria dos retratados ainda está a dormir. Um projecto que é constituído na sua totalidade por 40 fotografias, em que cada imagem representa uma semana de gravidez. Paralelamente, podemos ainda considerar que este é um retrato documental, retratando a última geração que nascera antes da queda da União Soviética, e a anunciação de uma nova geração, que só conhecerá o que foi este país através de livros de história. Pauliana Valente Pimentel no projecto Jovens de Atenas, resultante de uma residência artística que realizou em Atenas em 2012, procurou descortinar um retrato fidedigno de uma geração de jovens que sobrevive nesta icónica cidade ocidental, num período tão peculiar como o estado de precariedade e incertezas que se presenciam hoje na Europa. Nesta sua série composta por dezoito fotografias e um vídeo co-produzido com Sofia Riscado, Pauliana Pimentel, reflecte, questiona e denuncia questões de identidade, afirmação sexual ou cultural de uma geração que experiencia a anunciação de um declínio abrupto do futuro social, político, económico e cultural do seus país. Mas ainda mais, Pimentel transpõe a situação para o está a suceder em muitas outras cidades e/ou países europeus, do qual facilmente incluo Espanha ou Portugal, impulsionando o público a refletir sobre o próprio conceito de democracia e valores que atualmente constituem as nossas sociedades ocidentais, onde os seus cidadãos ‘não tem sonhos, mas presságios [persistentes]’ [2].
Encontros de imagem

Festival Internacional de Fotografia
Portugal: Braga, Porto, Lisboa
Brasil: S. Paulo, Fortaleza
13.09.2013 – 27.10.2013

Texto escrito de acordo com a antiga ortografia.
[1] Tradução: O amor vai-nos separar.

[2] Chico Buarque, Mulheres de Atenas, 1976.



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