Mulher, de Getúlio Damado Propiedad de Ana Maria Santeiro Foto de Triunfo Arciniegas Rio de Janeiro, 2013 |
Paulo de Faria Pinho
A ARTE DE CORTAR PALAVRAS
É muita pretensão minha escrever sobre um tema tão complicado e complexo. Será que pensam que virei autoridade no assunto? Que passei a me achar um escritor importante?
Nada disso. É simplesmente uma crônica baseada no que pensam grandes escritores, e que irá, acredito, nos ajudar, pobres aprendizes, a melhorar o que fazemos — ou por profissão, ou por diletantismo, ou ainda para passar o tempo.
O grande poeta Manoel Bandeira dizia sempre que a linguagem tem que ser simples, por ser ela que representa a forma popular de se falar e de se fazer entender. Este conceito eu sempre segui.
Quando vou comprar um livro, por mais recomendado que seja, por mais importante o autor, figurando ou não na lista dos mais vendidos, sempre abro a primeira página e vejo se está escrita na ordem indireta, repleta de exclamações e excesso de vírgulas e, o mais importante, se tem aquelas palavras esdrúxulas, que ninguém usa no dia-a-dia, que nem sei o que significam e me obrigam a recorrer ao velho “pai dos burros”. Esta falsa erudição é a maior prova de que autor e literatura nunca foram apresentados, e aquele gastou muito tempo buscando sinônimos em dicionários e compêndios. Fecho o livro e não compro, e se me emprestarem, digo que já li.
Nosso maior romancista, na opinião de muitos críticos e na minha modesta também, Erico Veríssimo, era outro mestre que desdenhava a chamada complexidade de palavras desconhecidas. Seu estilo era puro, simples, direto e objetivo. E exatamente por estas qualidades é que seu O Tempo e o Vento é um dos melhores romances da nossa literatura, senão o melhor. E em todos os seus volumes.
Zé Lins do Rego escrevia como conversava, sem frescura, sem essa retórica imbecil. O autor do extraordinário Fogo Morto é outro que sabia brincar com as palavras, talvez por ter tido sempre uma alma de criança.
Outro mestre que adorava escrever como se estivesse sentado em uma mesa, saboreando uma suculenta moqueca, enquanto ia inventando histórias, é o baiano Jorge Amado.
Minha querida Rachel de Queiróz, que me chamava de primo, dizia sempre que eu deveria escrever como se falasse; e as vírgulas, ela as colocava como se estivesse respirando.
Hoje em dia, quem tem este dom de escrever sem deixar você com a impressão de que é um analfabeto, acrescentando em seus textos sempre um comentário crítico e bem-humorado, é o jornalista e excepcional biógrafo, Ruy Castro.
As frases curtas, com mais pontos do que vírgulas, sempre diretas ou claras, são a marca registrada do velho homem do mar, o genial Ernest Hemingway. O mesmo estilo usavam outros mestres da literatura, como Jack London, Joseph Conrad, Somerset Maugham, Erich Maria Remarque, John dos Passos, Graham Greene, Balzac, Guy de Maupassant, e outros que não citei para não transformar esta crônica em catálogo telefônico.
Graham Greene, em seu livro Um americano tranquilo, usa o personagem que é seu alter ego — na adaptação cinematográfica interpretado por Michael Caine —, um correspondente de guerra, para fazer referência direta ao escritor mais fecundo da literatura mundial, considerado por críticos e vários de seus companheiros de letras como o maior romancista de todos os tempos: em um diálogo, o jornalista declara que seu sonho era poder escrever como Georges Simenon. O autor de 400 romances e contos — cerca de mil contos sob pseudônimos —, com mais de um bilhão e meio de livros vendidos em 47 idiomas, 300 filmes e séries baseadas em seus livros, declarava nas quase 1.500 entrevistas que concedeu que seu estilo era direto, com frases curtas, raramente usava ponto de exclamação e sua linguagem a mais simples possível.
Talvez por ter escrito tanto, e com surpreendente qualidade, é que Simenon era o romancista preferido do próprio Graham, de Cronin, de Henry Miller, de Camus, de Gide — que o chamava do Balzac do século XX —, de John Le Carré, de Scott Turow, da escritora inglesa Phyllis Dorothy James, e de diversos cineastas, como Jean Renoir, de seu grande amigo, o genial Federico Fellini, Claude Chabrol, Jules Dassin, Jacques Deray, Georges Clouzot, Bertrand Tavernier e muitos outros.
No Brasil, voltando ao nosso querido Erico Veríssimo, em seu livro de memórias Solo de Clarineta declara textualmente, não me recordo em qual dos dois volumes, que “gostaria de saber escrever como Simenon”. O mesmo fez Carlinhos de Oliveira, em uma de suas crônicas.
Sobre o escritor belga, sua obra e seu personagem mais popular, o “Commissaire Maigret”, existem mais de quatrocentos livros. Há uma unanimidade em torno do fato de que, além da análise profunda do ser humano, seu conhecimento de psiquiatria, de criminologia, de sua mente prodigiosa, o que o fez tão popular e tão conceituado ao mesmo tempo foi o estilo simples, o nenhum rebuscamento de palavras e sempre o uso da ordem direta.
Simenon creditava essa qualidade de escrever de modo simples aos vinte anos de jornalismo, começados aos 17 anos de idade e que se prolongaram durante muitos anos. Já famoso, rico e popular, não abria mão de fazer uma reportagem sobre um assunto palpitante. Aos novos escritores, aconselhava sempre que escrevessem seus livros como se escrevessem para leitores de jornais.
E é isso o que penso da complicada e difícil arte de escrever. Devemos ser simples, diretos e objetivos.
Para encerrar, fico com a frase do poeta Carlos Drummond de Andrade: “Escrever é cortar palavras.”
http://www.kbrdigital.com.br/blog/?p=9827
Navalha, de Getúlio Damado Propiedad de Ana Maria Santeiro Foto de Triunfo Arciniegas Rio de Janeiro, 2013 |
A ARTE DE CORTAR PALAVRAS
O RETORNO
Parece título de filme com Stallone, Schwarzenegger, Mel Gibson ou outro qualquer desses atores intelectuais, pura massa cinzenta, que passam o filme todo divagando sobre a obra de Nietzsche, Jung e Charcot, ou sobre os jogos de xadrez de Bobby Fischer, Capablanca ou Kasparov.
Ledo engano. Trata-se da continuação da minha crônica de sábado último, motivada pelo bom número de comentários que recebi concordando plenamente com minhas ideias sobre a chamada falsa intelectualidade.
Um dos melhores foi da escritora Sayonara Salvioli, que me enviou este delicioso texto de autoria do escritor e crítico inglês, John Ruskin — nascido em Londres, em 8 de fevereiro de 1819 —, que, descaradamente, reproduzo. Trata-se de um caso passado com um feirante de peixes em um porto da Inglaterra:
O homem chega ao mercado e lá encontra seu compadre, arrumando os peixes em um imenso tabuleiro de madeira. Cumprimentam-se. O feirante está contente com o sucesso do seu modesto comércio. Entrou no negócio há poucos meses e já pode até comprar um quadro-negro para anunciar seu produto.
Atrás do balcão, num quadro-negro, está a mensagem, escrita a giz, em letras caprichadas: “HOJE VENDO PEIXE FRESCO”.
Pergunta, então, ao amigo e compadre:
— Você acrescentaria mais alguma coisa?
O compadre releu o anúncio. Discreto, elogiou a caligrafia. Como o outro insistisse, resolveu questionar. Perguntou ao feirante:
— Você já notou que todo o dia é sempre hoje? — e acrescentou:
— Acho dispensável. Esta palavra está sobrando.
O amigo aceitou a ponderação e apagou o advérbio. O anúncio ficou mais enxuto, “VENDO PEIXE FRESCO”.
Depois, retirou o verbo. Alegou que não havia necessidade do verbo vender, já que se encontravam em uma feira, onde tudo naturalmente é vendido. A frase ficou: “PEIXE FRESCO”.
— Me diga uma coisa. Por que apregoar que o peixe é fresco? O que traz o freguês a uma feira no cais do porto é a certeza de que todo o peixe, aqui, é fresco. E morreu também o adjetivo. Ficou o anúncio reduzido a uma singela palavra: “PEIXE”.
Mas por pouco tempo. O compadre ponderou que o amigo ainda estava sendo muito óbvio, já que todos podiam ver diante de si uma barraca repleta de peixes. E assim, feneceu o peixe, digo, o substantivo. O anúncio sumiu.
O feirante vendeu toda sua mercadoria e, suprimidos todos os elementos da oração — advérbio, verbo, adjetivo e substantivo —, ambos se convenceram de que, para algumas comunicações sucintas, as palavras sempre podem ser cortadas.
E por essa eu não esperava: o nosso Drummond se inspirou no britânico John Ruskin. Otto Lara Resende, também apreendi somente agora, garantia que Drummond lhe dissera que nunca afirmou que criara a frase “escrever é cortar palavras”, que lhe é atribuída. A usava por considerá-la genial.
E o mesmo se aplica aos que gastam muita saliva, não param de falar e são os donos da verdade universal. Para eles, nada melhor do que a frase do genial poeta, autor, ilustrador, diretor, compositor, autor do poema musicado por Joseph Kosma que se transformou em uma das músicas mais interpretadas em todo o mundo: “Les Feuilles Mortes”. O grande Jacques Prévert, um dos meus poetas mais queridos, escreveu:
"Se a palavra vale ouro,
o silênce é um diamante multicolorido"
http://www.kbrdigital.com.br/blog/?p=9973
è isso aí...
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