sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Paulo de Faria Pinho / Fábulas modernas ou saudades de La Fontaine


Paulo de Faria Pinho
FÁBULAS MODERNAS, 
OU SAUDADES DE LA FONTAINE






O sapo e o boi
Era uma vez um boi e um sapo.

O boi era enorme e o sapo era pequeno.
E o sapo queria ser tão grande quanto o boi.
Assim, o sapo encheu seus pulmões de ar e foi crescendo, crescendo e crescendo.
Quanto mais crescia, mais perguntava ao boi se estava ficando do seu tamanho.
O boi, paciente como todos os bois, balançava a cabeça e dizia que não.
Quanto mais dizia o boi que não, mais o sapo se enchia de ar e mais crescia.
Foi ficando enorme, crescendo cada vez, até que ficou muito maior que o boi.
Depois, olhando o boi do alto de seus quatro metros, com todo o desprezo dos grandes e poderosos, o sapo deu um salto descomunal e caiu em cima do boi, achatando-o com toda a força do seu peso.
O boi teve morte imediata, enquanto o sapo, com o orgulho dos arrogantes, foi visto numa tarde de outono, saltando de pedra em pedra, procurando um elefante.


A raposa e o corvo
Certo dia, uma raposa esperta, que adorava queijo francês, encontrou um corvo que era político e nunca abria a boca, salvo em interesse próprio.

O corvo tinha no bico um belo queijo camembert. A raposa pensou que se o corvo abrisse o bico, o queijo cairia, e ela o comeria.
Pensou em elogiar a voz do corvo, como outrora fizera seu tio-avô, uma raposa muita esperta que fora ministro de um rei da França.
Depois, pensou mais calmamente, viu que os tempos eram outros, e o corvo, além de tudo, era um político, e a raposa ofereceu sua pele para que o corvo fizesse um lindo casaco e desse para sua amante.
O corvo político aceitou, deixou cair o queijo que a raposa apanhou no ato e foi comer atrás de uma jardineira, envergonhada de não ter mais pele.
A raposa morreu de frio no inverno, enquanto o corvo vendeu o casaco de pele, deu um falso para a amante e, hoje em dia, além de político, se transformou em um grande importador de queijos na Normandia.


A cigarra e a formiga
A formiga trabalhava e a cigarra cantava.

A formiga era operária e a cigarra uma linda artista.
A formiga trabalhou toda a sua vida, a cigarra cantou durante toda a sua vida.
A formiga ficou velha e feia, a cigarra também ficou velha e feia.
Só que a formiga continuou morando num barracão sujo e triste, por onde as gotas de chuva penetravam nas noites de tempestade.
A cigarra, que cantou durante toda a sua vida, arrumou um empresário — hoje seu amante —, um marido, um mordomo, um motorista, uma cozinheira e duas arrumadeiras.
Hoje, enquanto a formiga chora, a cigarra canta.
A voz já não é mais a mesma, mas mesmo assim ela canta, do alto de sua cobertura, tomando champanhe e olhando o mundo lá do alto.
A formiga nunca conseguiu dar bom-dia para a cigarra e, segundo a lógica natural de vida, vai acabar morrendo de fome.


A raposa e as uvas
Havia uma linda parreira, repleta de uvas maduras.

Eram maduras e tintas as uvas da parreira.
A raposa passou, olhou para as uvas e pensou em comê-las.
Depois, reparou como era alta a linda parreira, repleta de uvas maduras.
A raposa pensou muito em tentar saltar até alcançar a parreira.
Pensou muito e desistiu.
Analisou demoradamente o que vira e se lembrou de que só bebia vinho branco.
Entrou numa venda, comprou uma garrafa de vinho branco seco que tomou no fim da tarde, vendo o sol morrer por detrás das montanhas distantes.
As uvas da parreira não foram colhidas.
Apodreceram umas, enquanto outras foram comidas por insetos e passarinhos, e nunca ficaram verdes.
Nem poderiam, visto que quanto a raposa as viu, já eram belas uvas maduras.

***
Moral das fábulas: não existe. No Brasil, com o caráter dos nossos políticos e governantes, não tem Esopo ou La Fontaine que consiga descobrir vestígios de moral.

http://www.kbrdigital.com.br/blog/?p=10082



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