Artur Xexéo
50 TONS DE BRANCO
No meu tempo de criança, minha cor preferida era o maravilha. O que me atraía nela não eram exatamente seus tons. Em primeiro lugar, gostava do maravilha por poder usar no masculino uma palavra que era evidentemente feminina. Imagino que o maravilha tenha ganhado este nome por lembrar a cor da flor homônima. Eu sei que, nos dias de hoje, ninguém reconhece uma maravilha _ assim, no feminino mesmo, quando é para se falar da flor. E, se reconhecesse, certamente não identificaria a cor a que estou me referindo. Afinal, a maravilha pode ser amarela, branca, vermelha... Mas, assim como a rosa também tem várias possibilidades de cor e todo mundo sabe como é a cor de rosa, a maravilha mais popular é... cor de maravilha!
Para quem não acredita que um dia existiu o maravilha, posso provar usando o Aurélio. Está lá a definição: “carmim de um rosa arroxeado e brilhante.” Às vezes, acho que só eu e o Aurélio nos lembramos do maravilha. Nunca foi uma cor vulgar. Não fazia parte das cores que habitavam nossos armários por exemplo. Neste quesito, o azul e o amarelo sempre foram mais populares. Talvez a blusa de uma mãe pudesse ser maravilha. Mas nada além disso.
O maravilha existia apenas nas caixas de lápis de cor. E era tão superior a todas as outras cores que seu lápis nunca era chamado para participar de misturas. A principal função de uma caixa de lápis de cor era proporcionar a possibilidade de misturas. Crianças do meu tempo estavam sempre atentas à descoberta de uma nova cor. O que aconteceria se o verde fosse misturado ao azul, ou se o amarelo se juntasse ao rosa? O maravilha não precisava participar dessas experiências. Ele já era muitas numa só.
Isso tudo é para dizer que já faz tempo que o maravilha saiu do nosso vocabulário. Como é que se resume hoje, numa só palavra, o carmim de um rosa arroxeado e brilhante? Imagino que já tenha dado para notar que esta é uma coluna de protesto. Depois de acabar com meu maravilha, o mundo da moda quer acabar com a mais básica de todas as cores: o branco. Isso mesmo: é uma fita-banana. Algumas considerações deste colunista sobre o espanto com que ouviu especialistas em moda classificarem alguns modelos do último Fashion Rio como off-white o que ele acreditava ser gelo transformaram a questão no principal assunto da minha caixa de correio eletrônica.
“Off já dá a indicação de que é um branco não tão branco, ou seja, é um branco puxando para o pérola, ou quase marfim”, explica a leitora Maria Moura. “Gelo é aquele branco que quase dói nos olhos, é quase translúcido, é a cor da geleira. E o branco normal tem o tom que se poderia dizer leitoso.”
Em poucas linhas, aprendi que, além do off white, existe o branco não tão branco, o pérola, o marfim, o gelo, o branco normal e o leitoso. Isso me parece anúncio de sabão em pó, quando tem sempre um que lava mais branco. Pobre da minha caixa de lápis de cor que só tinha um tom de branco!
Maria Teresa Fernandes parece fazer parte do meu time: “Se é que ainda cabe algum comentário sobre a dita cor, gostaria de acrescentar que off-white me parece o branco que foi mas não é mais, talvez em decorrência do tempo ou da falta do cuidado necessário às roupas da alva cor para que mantenham seu brilho e, obviamente, sua brancura. O que significa dizer que, com perdão dos fashionistas de plantão, off-white nada mais é do que branco encardido, como diria minha avó. Realmente nada tem de gelo ou cinza, sequer pérola. É branco com ar retrô (agora os fashionistas ficarão felizes) e nada mais.”
Estou quase chegando lá. A leitora me ensinou que o oww-white é a viúva Porcina das cores, aquela que foi sem nunca ter sido.
O leitor Ronald Lyrio acrescenta um pouco de ciência à discussão: “Apesar de eu ser daltônico, branco é branco, off white é off White. Off white é o branco-neve em que se adiciona um pingo ou pingos de outra cor, preto, amarelo, marrom, enfim, pelo que entendo, qualquer cor que quebre a brancura-rinso.” Talvez o branco-neve do Lyrio tenha a ver com a cor de geleira da Maria Moura. Ou não.
Sinceramente, acho que a discussão do off-white já deu o que tinha que dar. Considero o branco uma cor perdida. Nunca será recuperada. Mas faço aqui um apelo a todos os especialistas em moda; por favor, devolvam meu maravilha.
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Na discussão dos muitos tons de branco, escrevi uma bobagem. Eu sei que isso não espanta ninguém, bobagem é a matéria-prima deste colunista. Mas não custa nada corrigir quando ela é percebida. Talvez perturbado pela descoberta de tantas de suas variações, escrevi que o branco _ o branco básico, aquele da caixa de lápis de cor _ era a ausência de cores. Ledo engano. É justamente o contrário. É a mistura de todas as cores. O preto é que é a ausência de cores. Ou, como diz o leitor Leo Madureira, “uma superfície branca reflete a faixa visível do espectro eletromagnético (luz). Uma superfície preta absorve a faixa visível”. Agora, nunca mais vou me esquecer.
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Nessa história do quadro de Vik Muniz, no valor de R$ 40 mil, que o governador Sergio Cabral deu de presente para o presidente Obama, só queria saber uma coisa. Eu sei que é tradição presentear visitantes estrangeiros. Eu sei que Vik Muniz representa a arte brasileira. Eu sei que um quadro de Vik Muniz é um bom presente. Mas... O artista disse que vendeu a obra, o governador disse que foi de graça, o artista pensou duas vezes e se lembrou de que foi “uma doação em conjunto”. Então, vem cá, se fosse tivesse doado um quadro para a Casa Branca, mesmo “em conjunto”, você se esqueceria disso?
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