quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Ciúme / Obsessão e fragilidade


O ciúme, a sensação comum tanto na realidade e na ficção

Ciúme

Obsessão e fragilidade

4 MARÇO 2016, 

Ter ciúme é sentir-se perdendo o controle, sendo rejeitado, substituído. Quanto mais insegurança, quanto maior suas não aceitações, seus problemas e dificuldades, maior a necessidade de trunfos e certezas. A fidelidade, a manutenção dos compromissos, faz com que o outro esteja sempre presente, consequentemente, à mão para reafirmar poder e possibilitar segurança. Estas situações são bem explícitas e frequentes nas relações de casal, embora também existam entre pais e filhos e entre amigos.
Focalizando as vivências do ciúme no contexto da carência afetiva, surgem situações espantosas que aparecem sob forma de coisificação ou de antropomorfização. Ter ciúmes de objetos que foram tocados ou mereceram atenção do “ente amado” é estar inserido nas vivências psicopatológicas. Humanizar objetos (antropomorfização): livros, roupas, carros, por exemplo, é imaginá-los como uma continuidade do outro, à medida que são escolhidos e tocados. A antropomorfização é um processo que apaga as barreiras, os limites e diferenciações do real, do existente, para que se consiga ampliar os medos, fantasias, confabulações e silogismos que permitem equacionar as justificativas das vivências ciumentas. Na coisificação, o outro é transformado em objeto, polarizador de atenção, de afeto e, assim, consequentemente, passa a ser odiado. Metonímia realizando funções despersonalizantes.
Ter ciúme é explicitamente lamentar, expor suas dificuldades, suas fantasias e obsessões, reclamando de lhe tirar os controles, os arranjos solucionadores. Exatamente este aspecto caracterizador do ciúme, o contextualiza na vivência de medo e impotência. Sem autonomia, com dificuldades, querendo ajuda, não se pode abrir mão, perder o que se tem. Qualquer ameaça dispara o ciúme, o controle, a reclamação reivindicatória cheia de alegações.
A relação estrutural entre ciúme e não aceitação, problema, dificuldade, enfim, a conhecida baixa auto-estima, é muito visível quando lidamos com comunidades economicamente carentes, onde os clássicos exemplos de domínio e autoridade do homem são mantidos. As mulheres a tudo se submetem, até suportam ser espancadas para manter o direito de proteção e ajuda oferecidos pelo parceiro, seu suporte-espancador. Frágeis, estas mulheres tipificam as vivências de ciúme, tudo fazem para manter e controlar seus parceiros, que mesmo quando as jogam na prostituição para complementar orçamento, não têm ciúme, embora as deixe cada vez mais ciumentas.
Ciúme é impotência, é geralmente o desespero de não mais conseguir interessar, motivar e monopolizar o outro. Perder esta influência, deixa sem direção, no chão, derruba e desanima. O ciúme é também um dos indicativos da vontade de ser o outro, o merecedor das atenções. A situação é antagônica: detesta-se, odeia-se o causador do ciúme, mas é o que se quer como modelo, como parâmetro, como objeto de transformação. Esta divisão é uma duplicidade; cria vítima e agressor simultaneamente vivenciados pelo mesmo indivíduo, daí, as situações de ciúme sempre possibilitarem desejos de vingança, ódio, humilhação e frustração, buscando alívio e ajuda para os males. Medeia, com sua trágica história e Otelo de Shakespeare, com seu drama, nos mostram estes aspectos, esta polaridade agressor (vingativo) e vítima (imolado), simultaneamente vivenciados, que caracterizam o ciúme, seus elementos fantasiosos e trágicos, situações sempre contemporâneas, ocorrências frequentes de reclamações nas sessões psicoterápicas e nos noticiários sobre crimes passionais.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Coordenadas vivenciais / Temporalidade e Espacialidade

Os buracos negros têm suscitado interesse científico sobre o espaço-tempo

Coordenadas vivenciais

Temporalidade e Espacialidade

4 FEVEREIRO 2016, 
VERA FELICIDADE DE ALMEIDA CAMPOS

Tudo que existe ocupa um lugar no espaço, tanto quanto existe em um tempo. Este é um conhecimento básico. Qualquer experiência humana, enfim, qualquer vivência é sempre exercida pelos processos perceptivos que atestam, que permitem a constatação de que tudo que existe ocupa um lugar no espaço e existe em um tempo.
Variações temporais (passado, presente, futuro) e espaciais estabelecem modalidades que propiciam separar posições relacionais, desde as mais simples como: “eu agora me lembro“, “estou aqui”, “está alí”, até o “não sei quando”, “não sei onde”, vivenciando-as como aderências cognitivas e significativas, embaralhando e se perdendo nas próprias vivências do real e imaginado, realizado e desejado, enfim, espacializando o tempo, fazendo com que o mesmo ocupe um lugar no espaço. Esta densificação da temporalidade é uma das distorções mais frequentemente realizadas quando não se aceita a continuidade e sequência de acontecimentos e mudanças. Isto ocorre, por exemplo, quando se desenvolve aversão a um dia da semana, porque foi o dia da morte do pai. O tempo vira espaço e espacializar é transformar em fetiche, em ornamento necessário para expressar medos, dores, lutos e traumas.
Para os filósofos védicos, a questão do tempo e do espaço era fundamentalmente abordada como finito e infinito. Shankaracharya falava que o finito ignora o infinito ou ignora que é também infinito, esta “ignorância” é a causa de todos os sujeitos e objetos (mundo empírico).
Há poucos meses, visitando uma exposição de trabalhos de Louise Bourgeois, li uma de suas frases que dizia: “Espaço não existe, ele é apenas uma metáfora para a estrutura de nossa existência”. Quando li lembrei de Heidegger - temporalidade como morada do ser -, pensei que tanto Shankaracharya, quanto Louise Bourgeois e Heidegger advogam uma metafísica no enfoque das questões de temporalidade e espacialidade, transformando atributos em substantivos ou vice-versa, no desenvolvimento das questões de estrutura, existência, finito e infinito, denso, sutil.
As vivências temporais e espaciais são mais explícitas quando abordamos as percepções de tempo e espaço. Ao focalizarmos o homem, ele é Figura* e o mundo é Fundo (e vice-versa) e ao tentar compreendê-lo temos toda a nossa atitude referenciada no Fundo, no contexto que nos permite esta percepção, nos referenciais de determinação, ocasionando parcialização perceptiva. Diremos, por exemplo, que o homem é fruto de uma sociedade, que é resultante de uma família, que reage a padrões biológicos etc enfim, estes referenciamentos impedem a percepção globalizada do homem. Para que realizemos a globalização é necessário perceber o homem-no-mundo. Homem-no-mundo é uma Gestalt - totalidade -, percebemos uma relação constante e integrativa - homem-no-mundo - que não pode ser dividida. O homem, quando nasce, ocupa um lugar, tem um plano puramente biológico de existência, mas, ao encontrar o outro, é modificado, começa a ser humano graças à nova dimensão, a dimensão do outro. Por exemplo, a mãe não é mais um canal que transmite a informação demandada de alimento, a mãe é uma Gestalt, uma totalidade, um sistema que transmite esta informação. A expressão significativa das formas passa a existir. Não se trata de época, tempo como dado cronológico. Trata-se da transformação de uma relação quantitativa, em uma relação qualitativa. Ganhando condições de ser humano, dado a vivência de estar-no-mundo com outros seres em determinada organização cultural, o homem começa a perceber-se não mais como um organismo, pois seu contexto já não é apenas orgânico, seu contexto é também social, religioso, econômico, moral. O homem está no mundo, é por ele constituído enquanto configuração espacial resultante de padrões culturais, morais, sociais e econômicos, sendo também um constituinte destes mesmos padrões enquanto vivência temporal.
A percepção do tempo, sua vivência, é feita através de referenciais, tal como ocorre em toda percepção de qualquer fenômeno. O referencial para a percepção do tempo é o espaço vital do indivíduo, significado por suas memórias e atitudes. A vivência humana se constitui pela transcendência do espaço, pela saída de posicionamentos para relacionamentos, pois ao nos relacionarmos com o outro, constituimo-nos em temporalidade: passado, presente ou futuro. Participando da relação com o outro que está conosco, constituimo-nos no presente; relacionando-nos com o outro enquanto transmissor de atitudes apriorísticas, presentificamos o passado; relacionando-nos em função de metas, antecipamos o futuro. Assim, conceituo o ser humano como temporalidade enquanto vivência relacional e como espacialidade, no sentido de posicionamento estruturado. O relacionamento com o outro transcende a imanência biológica e confere, ao homem, condições de humanidade, e esta vivência é temporal. Quando nos situamos apenas na faixa do biológico, somos um organismo com necessidades de relacionamento. O ser humano é temporalidade enquanto vivência psicológica. Seu relacionamento com seu situante constituinte, o mundo, o outro, é feito através da percepção, daí, sua vivência psicológica ser toda sua condição de relacionamento.
Tudo depende do outro, contexto que permite transformação: seres em movimento; ou que geram espacialização: seres posicionados.
  • A organização perceptiva obedece a leis (Gestalt Psychology) cujo princípio básico é o de que toda percepção se dá em termos de Figura e Fundo; percebemos o elemento figural e o Fundo nunca é percebido embora seja estruturante da percepção. Existe sempre uma reversibilidade entre Figura e Fundo, o que é Figura transforma-se em Fundo e vice-versa.




segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Vera Felicidade de Almeida Campos / Caráter, força e debilidade

Caráter

Força e debilidade

4 JANEIRO 2016, 
VERA FELICIDADE DE ALMEIDA CAMPOS

Noções de caráter, temperamento, vocação, índole, enfim, situações prévias determinadoras de comportamento e motivação humana são uma constante no pensamento leigo e infelizmente, também no pensamento psicológico. A tentativa de entender os problemas humanos, em geral, baseia-se em idéias de causa, de elementos determinantes da realidade, de anterioridade e substancialidade como fundamentos explicativos dos acontecimentos presentes, gerando tipificações, preconceitos e justificativas.
Perceber e entender o que existe, através de sua evidência, é atitude fenomenológica defendida por Edmund Husserl, mas que foi pouco compreendida e aceita neste universo de causalismo elementarista. Para Husserl, o que existe aparece, se evidencia e isto traz toda a configuração, toda fisionomia que o identifica, individualiza e caracteriza.
Entender caráter como estígma criou teorias preconceituosas, classificações nada científicas, embora adotadas desde muito tempo pela ciência, como é o caso de Cesare Lombroso, que decidia a superioridade e inferioridade de seres e raças pela variação das medidas lobo frontal, lobo occipital e outras medidas do crânio, criando uma classificação responsável por traços de caráter. Seus estudos influenciaram, durante décadas, a criminologia e sistemas jurídicos ocidentais, com a priori, com explicações a respeito de “personalidades criminosas” e “caráter predisposto ao crime”.
A idéia de temperamento também é responsável pela explicação apriorística de comportamentos humanos. Atualmente, o conceito de temperamento é um dos pilares das DSMs (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), manual que é referencia mundial para tipificação e diagnóstico de transtornos psiquiátricos, que nos últimos anos vem recebendo inúmeras críticas e acusações de que suas definições das desordens mentais variam em função dos melhores encaixes mercadológicos para ampliação da venda de medicamentos.
A diferença entre os homens não consiste em seu aspecto físico, racial, tampouco em sua condição social e econômica. A diferença entre os homens consiste na sua humanização e desumanização. Tornar-se cruel, desumano, acontece em qualquer lugar do mundo, em qualquer sistema social e econômico; resulta sempre de transformar possibilidades relacionais em contingências necessárias, onde a sobrevivência se impõe e este processo se verifica tanto na pessoa mais lúmpen (miseráveis, escória social), quanto nas detentoras das maiores riquezas, geralmente fortunas construídas pelo uso e apropriação do outro. Atualmente ainda vemos, em vários quadrantes do planeta, o tráfico de pessoas, indivíduos que aproveitam a fome, o medo, a ignorância, que utilizam seres humanos transformando-os em resíduos, em matéria-prima e meio de ganhar dinheiro, transportando-os em balsas, vendendo seu trabalho, transformando-os em escravos, prostitutas, doadores de órgãos etc. Crueldades como estas não decorrem de “traços de caráter”, de “caráter fraco”, de variações temperamentais ou de aspectos inatos; decorrem sim, da desumanização criada pela ganância focada na sobrevivência e satisfação de necessidades.
A força ou fraqueza humanas não resultam de um dom, de uma característica inata (caráter, temperamento). Elas resultam de como nos relacionamos uns com os outros e com o mundo. Aceitar limites, integrar possibilidades, questionar usos e abusos cria novas perspectivas, estabelece relações configuradoras de ânimo, consistência, aceitação das frustrações e transformação das mesmas.
Ser forte é se aceitar como humano, ser fraco é querer ser reconhecido como humano, é instrumentalizar este reconhecimento, esta marca humana. Viver a contingência, a ferocidade de sistemas enquanto continuidade, sem posicionamentos fragmentadores, impede a construção de bunkers que isolam o indivíduo e dificultam a participação do semelhante, criando espelhos despersonalizadores.
Força é aceitar o impasse, por exemplo; fraqueza é dele fugir, criando justificativas e deslocamentos impeditivos da antítese que transforma, que traz o novo quando os impasses, os limites, as dificuldades são enfrentadas.

domingo, 28 de janeiro de 2018

Fire and fury / A Casa Branca caiu



A Casa Branca caiu

A conclusão a que se chega com o livro de Wolff é que a função executiva do Governo americano, tal como a conhecíamos, deixou de existir


JOSÉ I. TORREBLANCA
10 JAN 2018 - 18:00 COT


Fire and Fury: Inside the Trump White House (Fogo e Fúria: Por Dentro da Casa Branca de Trump) é uma leitura apaixonante. Embora seja preciso lê-lo com o máximo cuidado, dadas as licenças que o autor toma na hora de atribuir entre aspas citações literais pronunciadas em situações nas quais nem ele nem, às vezes, sua fonte estavam lá.
O gênero que Michael Wolff aspira a praticar é o do jornalista forense: uma boa investigação factual e uma enorme quantidade de entrevistas pessoais permite conhecer o ocorrido com muita exatidão e pôr-se a salvo das versões interessadas e autoexculpatórias dos protagonistas.
Uma obra-prima nesse gênero é Os Comandantes, de Bob Woodward, uma magnífica reconstrução da decisão de Bush pai de invadir o Iraque. Como também Hubris: The Inside Story of Spin, Scandal, and the Selling of the Iraq War, de Michael Isikoff, um trabalho artesanal sobre como Bush filho decidiu ir atrás de Saddam. Sem esquecer a joia que é Charlie Wilson's War, de George Crile, sobre o papel da CIA no Afeganistão ocupado pelos soviéticos. Tão minuciosos são que neles se aprende mais sobre história, política e relações internacionais que em muitos manuais acadêmicos.
O livro de Wolff não chega a esse padrão de qualidade: embora interessante, impõe-se mais pela história e a caracterização psicológica do personagem do que pelo desejo de estabelecer os fatos. O resultado é que o jornalista sai derrotado em favor do retratista, obstinado e irônico, da Corte de Trump.
Isso não prejudica o interesse no imenso afresco que Wolff compõe sobre o caos que descendeu sobre a Casa Branca em 20 de janeiro de 2017, tão mórbido para se observar como O Jardim das Delícias, de Bosch. Assistimos atônitos à combustão provocada por um gigantesco Narciso que tomou de assalto o órgão central do sistema político norte-americano. Um homem que fala, mas não escuta, nem sequer a si mesmo, e cujos únicos instrumentos de trabalho são a adulação sem limites daqueles que quer conquistar e a difamação sem misericórdia dos que quer destruir.
A conclusão que se tira do livro de Wolff, mesmo que só metade seja verdade, é que a função executiva do Governo americano, tal como a conhecíamos, deixou de existir. Em linguagem bélica: confirma-se que a Casa Branca caiu



sábado, 27 de janeiro de 2018

Vargas Llosa rompe o silêncio sobre García Márquez



Vargas Llosa rompe o silêncio sobre García Márquez

Nobel peruano conversa na Universidade Complutense sobre anos felizes com seu amigo

Ambos cortaram a relação em 1976 depois de uma briga


J.R.M.
San Lorenzo de El Escorial, 7 de julio de 2017

O ano de 1967 não foi apenas o da publicação de Cem Anos de Solidão, também é o ano em que Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa se conheceram pessoalmente em Caracas durante a entrega ao segundo do prêmio Rómulo Gallegos por A Casa Verde. A Cátedra Vargas Llosa organizou esta semana um curso dentro da programação de verão da Universidade Complutense em El Escorial para homenagear o primeiro, mas é impossível esquecer o segundo, pelo peso literário dos dois escritores e, sobretudo, pela ruptura em 1976, depois de anos de amizade, vizinhança e cumplicidade.

Tudo isso sobrevoou o diálogo que o Nobel peruano manteve com o ensaísta colombiano Carlos Granés, que começou comparando o evento com uma hipotética conversa de Camus sobre Sartre ou de Tolstoi sobre Dostoiévski, “um titã falando de outro titã que foi seu contemporâneo”. Vargas Llosa não é apenas o titular da cátedra que organizou o curso, mas o autor de História de um Deicídio, nas palavras de Gerard Martin, biógrafo de García Márquez, “uma das homenagens mais generosas e notáveis da história da literatura que um grande escritor já dedicou a outro”. Além disso, o “melhor livro individual” já escrito sobre o autor de Aracataca segundo o próprio Martin, que está atualmente trabalhando em uma biografia do autor de A Cidade e os Cachorros e ontem ouviu seu futuro biografado da segunda fila.
Vargas Llosa tinha, portanto, toda a autoridade do mundo para falar sobre seu colega e foi o que fez. Começou retratando García Márquez – que só o chamou de Gabo para reproduzir uma conversa em estilo direto – como alguém tão tímido e esquivo em público como loquaz e divertido em privado. Depois ressaltou que mais do que o fato de terem sido, os dois, criados pelos avôs maternos ou de terem tido relacionamentos problemáticos com seus respectivos pais, foi a devoção a Faulkner que os uniu, “nosso denominador comum”. E outra coisa: a descoberta de serem latino-americanos ao chegarem à Europa, algo impossível de Bogotá ou Lima.


Não demorou para aparecer na conversa o acontecimento político que despertou “a curiosidade do mundo para a América Latina e, também, por sua literatura” e que, com o tempo, se tornaria um muro entre os dois: Cuba. Questionado pelo “caso Padilla”, que dividiu politicamente os autores do boom em 1971, quando o poeta foi acusado de ser agente da CIA – Vargas Llosa revelou que quando se conheceram, os papéis estavam trocados: “Eu estava muito entusiasmado com a revolução; García Márquez, muito pouco. Sempre foi discreto sobre isso, mas já havia sido expurgado pelo Partido Comunista quando trabalhava na Prensa Latina com seu amigo Plinio Apuleyo”. O que aconteceu para que aquele descrente discreto terminasse tirando fotos com Fidel Castro? “Não sei”, respondeu. “Acho que tinha um sentido prático da vida e sabia que era melhor estar com Cuba do que contra Cuba. Assim se livrou do banho de sujeira que caiu sobre aqueles que eram críticos à evolução da revolução de suas primeiras posições que eram socialistas e liberais para o comunismo”.
A conversa teve um aspecto claramente político, mas não deixou a literatura de lado, começando por Cem Anos de Solidão. “Fiquei deslumbrado”, disse sorridente o escritor peruano. “Tanto que corri para escrever um artigo com o título ‘O Amadis na América’. Pensei que finalmente a América Latina tinha seu romance de cavalaria, uma narrativa na qual prevalecia o imaginário sem que o substrato real tivesse desaparecido. Também tem a virtude de poucas obras-primas: a capacidade de atrair um leitor exigente preocupado com a linguagem e, ao mesmo tempo, um leitor elementar que só quer seguir a história”. Vargas Llosa não só escreveu sobre García Márquez também deu aulas sobre a obra dele em cursos universitários em Porto Rico, Reino Unido e Espanha. Daquelas notas terminou saindo História de um Deicídio, um estudo pioneiro na obra de um autor que “funcionava como um poeta, baseando-se em intuições, palpites e instintos, não como um intelectual que reelabora conceitualmente o que faz; a figura do intelectual o incomodava, alguém como Octavio Paz, por exemplo”. Se Cem Anos de Solidão é o melhor romance do escritor colombiano segundo seu mais ilustre exegeta, qual é “a mais fraca”? “O Outono do Patriarca. Parece uma caricatura de García Márquez, o livro de alguém que está imitando a si mesmo”.
De acordo com o autor de A Festa do Bode, autores como Juan Rulfo, Alejo Carpentier e o próprio García Márquez souberam como extrair beleza da “feiura” e do “subdesenvolvimento” da América Latina. Uma América Latina próspera irá produzir literatura tão imaginativa como esses escritores?, se perguntou. “Não sei, mas que nosso continente fique como está para que se produza uma grande literatura, não! Os países têm a literatura que merecem”.
Uma hora após o início da entrevista pública, Granés lançou com meio sorriso uma das perguntas mais esperadas: Vocês voltaram a se encontrar? “Não”, respondeu o entrevistado com um sorriso inteiro. “Estamos entrando em terreno perigoso. É hora de acabar com essa conversa”, acrescentou ironicamente. Como recebeu a notícia de sua morte? “Com pena. Como a morte de Cortázar ou de Carlos Fuentes. Não eram apenas grandes escritores, também foram grandes amigos. Descobrir que sou o último dessa geração é algo triste”.


UM ROMANCE A QUATRO MÃOS


JAVIER RODRÍGUEZ MARCOS
Mario Vargas Llosa passou dois anos estudando a obra do autor de Cem Anos de Solidão. O resultado foi Gabriel García Márquez: História de um Deicídio, um livro que apresentou primeiro como tese de doutorado – dirigida por Alonso Zamora Vicente – na Universidade Complutense de Madri, em junho de 1971 e que, meses mais tarde, foi publicada por Carlos Barral, que chegou a distribuir 20.000 exemplares nas livrarias espanholas. A coincidência na mesma capa dos nomes de dois gigantes do boom fez com que muitos leitores pensassem, brincava o editor, que era um romance escrito a quatro mãos. Não era isso, mas a ideia não estava muito errada: em 1967, o mesmo ano em que se conheceram pessoalmente depois de uma intensa correspondência, García Márquez fez a proposta a Vargas Llosa para que escrevessem juntos um romance sobre a guerra colombiano-peruana de 1932.
“Viva a Colômbia, abaixo o Peru!” era o grito com que Gabo iniciava o dia durante sua infância na escola. O Gabo maduro, no entanto, incentivou seu amigo para que cada um investigasse – “com a tranquila objetividade de uma reportagem” – a parte bélica de seus respectivos países antes de começarem a trabalhar. “A possibilidade de dinamitar o patriotismo convencional é simplesmente estupenda”, escreveu em abril de 67. Quatro meses depois, eles apertavam as mãos pela primeira vez na Venezuela. De lá, viajaram para Lima para participar em um colóquio na universidade – uma das poucas conversas públicas entre os escritores – e para batizar o segundo filho de Vargas Llosa, Gonzalo, que teve como padrinhos Gabriel García Márquez e a esposa, Mercedes Barcha. Pouco tempo depois o romancista peruano e sua família se instalariam em Barcelona, não muito longe de onde morava o colombiano. Até a famosa ruptura em 1976, foram muito próximos, mas nunca chegaram a escrever aquele romance de guerra. Hoje seria uma raridade assinada por dois prêmios Nobel. Gabriel García Márquez ganhou o prêmio em 1982. Mario Vargas Llosa, em 2010. História de um Deicídio só foi reeditado em 2006 e como parte das obras completas do autor peruano, que nunca antes tinha autorizado sua reedição.



sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Vargas Llosa sobre García Márquez / “Não era um intelectual, funcionava mais como artista”



Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez, vistos por Fernando Vicente.
Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez, vistos por Fernando Vicente.

Vargas Llosa sobre García Márquez: “Não era um intelectual, funcionava mais como artista”

Nobel peruano analisa as luzes e sombras de um escritor que conhece como poucos


EL PAÍS
8 JUL 2017 - 10:41 COT

Na quinta-feira, 6 de julho, Mario Vargas Llosa (1936) conversou com o ensaísta colombiano Carlos Granés em um curso dedicado à obra de Gabriel García Márquez (1927-2014). Durante uma hora, falaram da obra do autor de Cem Anos de Solidão e da amizade que uniu ambos os escritores desde que se conheceram, em 1967, até o rompimento, em 1976. Os trechos a seguir são parte dessa conversa.



Descoberta de um autor
Eu trabalhava em Paris, na Rádio Televisão Francesa; tinha um programa de literatura em que comentava os livros que eram lançados na França e que poderiam ter interesse na América Latina. Em 1966 chegou um livro de um autor colombiano: Pas de Lettre pour le Coronel. Era Ninguém Escreve ao Coronel. Eu gostei muito pelo realismo tão rigoroso, pela descrição tão precisa desse velho coronel que continua pedindo uma aposentadoria que nunca chegará. Impressionou-me muito conhecer esse escritor chamado García Márquez.
Romance a quatro mãos
Alguém nos colocou em contato, eu não sei se fui eu o primeiro a escrever ou ele, mas tivemos uma correspondência bastante intensa com a qual fomos ficando amigos antes de nos conhecermos pessoalmente. Em um momento surgiu o projeto de escrever um romance a quatro mãos sobre uma guerra que houve entre o Peru e a Colômbia na região amazônica. García Márquez tinha muito mais informação do que eu sobre a guerra, em suas cartas me contava muitos detalhes, possivelmente muito exagerados para torná-los mais divertidos e pitorescos, mas esse projeto sobre o qual trocamos correspondência durante um bom tempo desapareceu. Teria sido muito difícil quebrar a intimidade do que cada um escrevia e mostrar isso diante do outro.
Amizade à primeira vista
Quando nos vimos pela primeira vez, no aeroporto de Caracas, em 1967, já nos conhecíamos e já tínhamos lido um ao outro, mas o contato foi imediato, a simpatia recíproca e acho que ao sair de Caracas já éramos amigos. E quase, quase diria amigos íntimos. Depois estivemos juntos em Lima, onde fiz uma entrevista pública com ele na Universidade de Engenharia, um dos poucos diálogos públicos de García Márquez, que era bastante retraído e relutante em enfrentar o público. Detestava entrevistas públicas porque, no fundo, tinha uma enorme timidez, uma grande reticência a falar de improviso. O oposto do que era na intimidade, um homem extremamente loquaz, divertido, que falava com grande desenvoltura.




Gabriel García Márquez recebe seu Nobel em 1982.
Gabriel García Márquez recebe seu Nobel em 1982.  AFP


Devotos de Faulkner
Acredito que o que mais contribuiu para a nossa amizade foram as leituras: éramos grandes admiradores de Faulkner. Nessa correspondência que trocávamos falávamos muito de Faulkner, a maneira como nos colocou em contato com a técnica moderna, com uma maneira de contar sem respeitar a cronologia, mudando os pontos de vista... O denominador comum entre nós eram essas leituras. Ele havia tido uma enorme influência de Virginia Woolf. Falava muito dela. Eu, de Sartre, que acho que García Márquez não tinha lido. Ele não tinha maior interesse pelos existencialistas franceses, muito importantes na minha formação. Por Camus acho que sim, mas ele tinha lido mais literatura anglo-saxã.
Ser latino-americanos
Ao mesmo tempo, nós dois estávamos descobrindo que éramos escritores latino-americanos, mais do que peruanos ou colombianos, que pertenciam a uma pátria comum que até então conhecíamos pouco, com a qual ainda tínhamos pouca identificação. A consciência de que existe hoje na América Latina como uma unidade cultural praticamente não existia quando éramos jovens. Isso começou a mudar depois da revolução cubana, o fato central que despertou a curiosidade do mundo pela América Latina. Ao mesmo tempo, essa curiosidade fez com que se descobrisse que havia uma literatura inovadora.
Cuba e o ‘caso Padilla’
García Márquez já havia passado por um processo semelhante, só que com muito mais sensatez, de certo desencanto com a revolução cubana. Ele foi a Cuba para trabalhar na agência Prensa Latina, como Plinio Apuleyo Mendoza, seu grande amigo. Trabalharam lá enquanto a Prensa Latina mantinha certa independência em relação ao Partido Comunista. Mas o Partido Comunista, de uma maneira que não chegava à opinião pública, colocou-se como objetivo a captura da Prensa Latina. Quando a capturou, tanto Plinio como ele foram expurgados. Para García Márquez isso foi um choque pessoal e político. Ele manteve uma enorme discrição sobre esse assunto, mas quando o conheci, eu era um grande entusiasta da revolução cubana e ele muito pouco, inclusive adotava uma posição um pouco zombeteira, como dizendo: “rapazinho, espere, você vai ver!”. Essa era a atitude que ele tinha em privado, não em público. Quando aconteceu o caso Padilla, em 1971, ele já não estava mais em Barcelona, não sei se foi uma saída temporária ou definitiva, não me lembro, mas lembro que quando prenderam Padilla e o levaram preso sob a acusação de ser agente da CIA, fizemos uma reunião na minha casa, em Barcelona, com Juan e Luis Goytisolo, Castellet e Hans Magnus Enzensberger para fazer uma carta de protesto pela captura de Padilla. Nessa carta –assinada por muitos intelectuais– Plinio disse que devíamos colocar o nome de García Márquez e nós dissemos que era preciso consultá-lo. Eu não podia fazer isso porque não sabia onde ele estava naquele momento, mas Plinio decidiu colocar a assinatura assim mesmo. Pelo que soube, García Márquez protestou energicamente com Plínio. Eu não tive mais contato com ele. Depois de Padilla ter saído do calabouço, depois de acusá-lo e todos os que o tinham defendido de serem agentes da CIA –um absurdo– fizemos uma segunda carta de protesto que ele já não quis assinar. Depois disso a posição de García Márquez contra Cuba mudou totalmente: ele se aproximou muito, começou a ir novamente –não tinha retornado desde que o expurgaram– e a aparecer em fotos com Fidel Castro, a manter essa relação –que continuou até o fim– de grande proximidade com a revolução cubana.




Vargas Llosa recebe o Nobel em 2010.
Vargas Llosa recebe o Nobel em 2010. AFP


Amigo de Fidel Castro
Não sei exatamente o que aconteceu, depois do caso Padilla não tive mais nenhuma conversa com ele. A tese de Plinio é que, apesar de saber que muitas coisas iam mal em Cuba, García Márquez achava que a América Latina deveria ter um futuro socialista e que, de qualquer modo, mesmo que muitas coisas em Cuba não estivessem funcionando como deveriam, Cuba era uma espécie de aríete que estava rompendo o imobilismo histórico da América Latina, que apoiar a revolução cubana era apoiar o futuro socialista da América Latina. Eu sou menos otimista. Acredito que García Márquez tinha um sentido muito prático da vida, que descobriu naquele momento fronteiriço, e percebeu que era melhor para um escritor estar com Cuba do que estar contra Cuba. Livrava-se da surra que recebemos todos os que adotamos uma postura crítica. Estando do lado de Cuba podia fazer o que quisesse, jamais seria atacado pelo inimigo verdadeiramente perigoso para um escritor, que não é a direita, mas a esquerda. A esquerda é que tem o grande controle da vida cultural em todo lugar e, de certa forma, antagonizar-se com Cuba, criticá-la, significava arranjar um inimigo muito poderoso e passar a ter de se explicar a todo o momento, provando que não era agente da CIA, reacionário, ou pró-imperialista. Minha impressão é que, de certa forma, a amizade com Cuba, com Fidel Castro, o vacinou contra todas essas contrariedades.
‘Cem Anos de Solidão’
Fiquei fascinado com Cem Anos de Solidão, tinha gostado de muito suas obras anteriores, mas ler Cem Anos de Solidão foi uma experiência fascinante. Achei o romance magnífico, extraordinário. Assim que terminei de ler, escrevi um artigo com o título “Amadís na América”. Naquela época, eu era um entusiasta dos romances de cavalaria e achei que, enfim, a América Latina tinha encontrado seu grande romance de cavalaria em que prevalecia o elemento imaginário sem que desaparecesse o substrato real, histórico, social, que tinha essa mistura insólita. Essa minha impressão foi compartilhada por um público muito grande. Entre outras características, Cem Anos de Solidão tinha o abc de poucas obras-primas, a capacidade de ser um livro cheio de atrativos para um leitor refinado, culto e exigente ou para um leitor absolutamente elementar que só acompanha o enredo e não se interessa nem pela língua nem pela estrutura. Não só comecei a escrever comentários sobre a obra de García Márquez, mas também a ensinar García Márquez. O primeiro curso que dei foi de um semestre em Porto Rico. Depois na Inglaterra e finalmente em Barcelona. Dessa maneira, sem que eu me propusesse a isso, com as anotações que fiz nesses cursos foi surgindo o material que terminou no livro História de um Deicídio.
Gabito e o ano perdido
García Márquez leu História de um Deicídio, sim. Disse que seu exemplar estava cheio de anotações e o enviaria a mim. Nunca enviou. Tenho uma história curiosa com esse livro. Os dados biográficos foram informados por ele e eu acreditei, mas em uma viagem em navio para a Europa parei em um porto colombiano e ali estava toda a família de García Márquez, entre eles o pai, que me perguntou: “E por que você mudou a idade de Gabito?” “Eu não mudei a idade. É a que ele me disse”, respondi. “Não, você diminuiu um ano, ele nasceu um ano antes”. Quando cheguei a Barcelona contei o que o pai dele me havia dito e se incomodou muito, tanto que mudei de assunto. Não podia ser brincadeira de García Márquez.




Da esquerda para a direita, Mario Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Gabriel García Márquez e José Donoso, por volta de 1970.
Da esquerda para a direita, Mario Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Gabriel García Márquez e José Donoso, por volta de 1970.


Poeta, não intelectual
Era extraordinariamente divertido, um ótimo contador de casos, mas não era um intelectual, funcionava mais como artista, como poeta, não estava em condições de explicar intelectualmente o enorme talento que tinha para escrever. Funcionava à base de intuição, instinto, palpite. Essa disposição tão extraordinária que tinha para acertar tanto com os adjetivos, com os advérbios e sobretudo com a trama e a matéria narrativa não passava pelo conceitual. Naqueles anos em que fomos tão amigos eu tinha a sensação de que muitas vezes ele não era consciente das coisas mágicas, milagrosas que fazia ao compor suas histórias.
‘O Outono do Patriarca’
Não gostei. Talvez seja um pouco exagerado dizer assim, mas achei uma caricatura de García Márquez, como se estivesse imitando a si mesmo. O personagem não me parece nada verossímil. Os personagens de Cem Anos de Solidão, ao mesmo tempo que são desenfreados e além do possível, são sempre verossímeis, o romance tem a capacidade de torná-los verossímeis dentro de seu exagero. Ao contrário, o personagem do ditador me pareceu muito caricatural, um personagem que era como uma caricatura de García Márquez. Além disso, acho que a prosa não funcionou, que nesse romance ele tentou um tipo de linguagem muito diferente da que tinha utilizado nos romances anteriores e não deu certo. Não era uma prosa que dava verossimilhança e persuasão à história que contava. De todos os romances que ele escreveu acho esse o mais fraco.
O poder
García Márquez tinha um enorme fascínio pelos homens poderosos. Seu fascínio não só era literário, mas também vital, um homem capaz de mudar as coisas pelo poder que tinha lhe parecia uma figura enormemente atraente, fascinante. Identificava-se muitíssimo com aqueles poderosos que tinham mudado seu entorno graças a seu poder, no bom sentido e no mau sentido. Acho que um personagem como Chapo Guzmán teria fascinado García Márquez, tenho certeza de que, para ele, criar um personagem como Chapo Guzmán ou Pablo Escobar seria tão absolutamente fascinante como Fidel Castro ou Torrijos.
O futuro
García Márquez será lembrado somente por Cem Anos de Solidão ou sobreviverão também seus outros contos e romances? Isso infelizmente não temos como saber, não sabemos o que vai acontecer dentro de 50 anos com os romances dos escritores latino-americanos, é impossível saber, são muitos os fatores que intervêm nas modas literárias. Acredito que o que se pode dizer de Cem Anos de Solidão é que vai ficar, pode ser que a obra passe longos períodos esquecida, mas em algum momento ressuscitará e voltará a ter a vida que os leitores dão a um livro literário. Nessa obra há riqueza suficiente para ter essa segurança. Esse é o segredo das obras-primas. Estão aí, podem ficar enterradas, mas só temporariamente porque, em dado momento, algo faz com que essas obras voltem a falar com um público e voltem a enriquecê-lo com aquilo que enriqueceu seus leitores no passado.
Rompimento
Voltou a ver García Márquez? Não, nunca... Estamos entrando em terrenos perigosos, acredito que é o momento de pôr fim a esta conversa [risadas]. Como recebeu a notícia da morte de García Márquez? Com pena certamente. É uma época que acaba, como com a morte de Cortázar ou a de Carlos Fontes. Eram escritores magníficos, mas também foram grandes amigos, e o foram em um momento no qual a América Latina chamou a atenção do mundo inteiro. Como escritores, vivemos um período em que a literatura latino-americana era uma credencial positiva. Descobrir que, de repente, sou o último sobrevivente dessa geração e o último que pode falar em primeira pessoa dessa experiência é algo triste.




O MELHOR LEITOR DE GABO


Gabriel García Márquez publicou Cem Anos de Solidão em 5 de junho de 1967. Pouco depois conheceu Mario Vargas Llosa pessoalmente em Caracas. E ambos mantiveram uma intensa relação epistolar que se transformou em amizade. Quatro anos mais tarde, o Nobel peruano publicou Gabriel García Márquez: História de um Deicídio, uma análise monumental da obra do colombiano, que continua a ser uma referência para estudiosos do Nobel de Aracataca. Nesta semana, a Cátedra Vargas Llosa dedicou um dos cursos de Verão da Universidade Complutense de Madri para homenagear o criador de Macondo. A conversa entre Carlos Granés e o autor de A Cidade e os Cachorros, parcialmente reproduzida nestas páginas, fez parte desse curso.