quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Selena Gomez ou o calvário de ser garota Woody Allen na era Weinstein

Selena Gomez


Selena Gomez ou o calvário de ser garota Woody Allen na era Weinstein

Cantora, que produziu projetos contra o abuso sexual, irrita fãs com respostas sobre por que participa do próximo filme do diretor





Selena Gomez teve de fazer cinco testes para conseguir aparecer em um dos próximos filmes de Woody Allen. “Ele me ganhou”, dizia orgulhosa recentemente para a revista Billboard, que a nomeou mulher do ano. “Era o passo que precisava dar como atriz”, afirmava sobre sua participação em A rainy day in New York (título provisório do filme, que pode ser traduzido livremente como Um dia chuvoso em Nova York), que supostamente estreará no calendário de festivais de 2019 e que ela coprotagoniza com Elle Fanning e Timothée Chalamet (Call me by your name).
A filmagem do longa foi simultânea à irrupção do escândalo de Harvey Weinstein na indústria, o que deu margem à Billboard para perguntar a Gomez sobre o fato de trabalhar com uma figura controversa como Woody Allen. O diretor foi acusado, no início dos anos 90, de abusar sexualmente de sua filha adotiva Dylan Farrow, que na época tinha sete anos. A polícia realizou uma investigação em 1992, que foi encerrada depois que Mia Farrow aceitou que Allen fosse proibido de visitar seus dois filhos adotivos (Dylan e Moses), assim como seu filho biológico Satchel, no julgamento sobre a custódia dos filhos. “Minha mãe decidiu não apresentar uma queixa penal, apesar de o Estado de Connecticut ter chegado à conclusão de que havia ‘causa provável’. Fez isso, nas palavras do promotor, devido à fragilidade da ‘menina vítima’, esclareceria anos depois a própria Dylan Farrow em uma crua carta acusatória contra o diretor ao The New York Times. Woody Allen, por sua vez, sempre afirmou que as acusações são falsas.






Kate Winslet e Woody Allen durante a filmagem de ‘Wonder Wheel’ em 2016.
Kate Winslet e Woody Allen durante a filmagem de ‘Wonder Wheel’ em 2016. GETTY IMAGES


Indagada sobre se o passado de Allen foi algo que levou em conta antes de aceitar seu papel no filme, Gomez responde: “Se for sincera, não tenho certeza de como responder, não porque esteja tentando me esquivar”, afirma a artista, que este ano fez uma intensa campanha contra abusos e assédio sexual enquanto promovia a série 13 reasons why, adaptação que produziu para a Netflix. “As denúncias [contra Harvey Weistein] saíram depois que o filme começou. Apareceram no meio dele”, afirma à Billboard e acrescenta que “dei um passo atrás e pensei: 'nossa, o universo funciona de uma forma interessante'”.
A resposta de Gomez desgostou parte de seus fãs, que criticaram no Twitter sua escolha como mulher do ano e definiram sua participação no filme como “o auge da hipocrisia”. Essas críticas não são um caso isolado. Durante anos as atrizes que trabalharam com o diretor foram expostas à pergunta de praxe sobre ‘por que trabalhar com ele’ conhecendo seu passado controverso, mas sempre de forma anedótica e não diante da urgência do momento atual, quando a rejeição ao abuso na área representou a queda em desgraça de predadores sexuais da indústria. É importante destacar também que a investigação da New Yorkercontra Weinstein foi assinada por Ronan Farrow, filho adotivo de Woody Allen, uma revelação que simboliza a via crúcis pessoal de um jornalista que durante anos lamentou publicamente que Hollywood olhasse para o outro lado diante dos supostos abusos de seu pai adotivo sobre sua irmã.






Woody Allen e Cate Blanchett durante a filmagem de ‘Blue Jasmine’.
Woody Allen e Cate Blanchett durante a filmagem de ‘Blue Jasmine’. GETTY


Cate Blanchett e Penélope Cruz (vencedoras do Oscar em filmes do diretor), Emma StoneKristen StewartScarlett Johanson e Kate Winslet são alguns nomes que defenderam publicamente as benesses de ser garotas Woody Allen enquanto exercem seu ativismo pelos direitos das mulheres. Winslet, que protagoniza a próxima estreia do diretor (Wonder Wheel), alardeou em uma entrevista não ter agradecido seu Oscar por O leitor a Weinstein, mas defendeu trabalhar sob as ordens de Allen apelando para o desconhecimento do lado pessoal do cineasta e sua família. “Como atriz em um filme, você tem de dar um passo atrás e dizer ‘não sei de nada’ realmente sobre se isso é verdade ou mentira”, disse ao The New York Times e acrescentou que “depois de refletir, você se coloca de um lado e trabalha só com a pessoa. Woody Allen é um diretor incrível, assim como Roman Polanski. Foi uma grande experiência trabalhar com os dois”, disse ao jornal (Winslet também participou de Um deus selvagem, em 2011).
Na mesma linha que Winslet estão Kristen Stewart (“não sei de nada sobre as pessoas envolvidas”, disse à Variety) e Cate Blanchett, que reduz isso a uma questão de âmbito familiar e privado (“É óbvio que isso foi uma longa e dolorosa situação em família, espero que encontrem uma resolução e paz”, afirmou). Scarlett Johansson justificou ao The Guardian em 2014 trabalhar com Allen porque “não é que alguém tenha sido julgado e declarado culpado e então você tenha de dizer: ‘não apoio este estilo de vida ou o que seja. Quer dizer, são só suposições”, enquanto Diane Keaton foi a única que se posicionou publicamente (“acredito em meu amigo”, disse ao The Guardian).
Nem todos são defensores, há também os arrependidos. Ellen Page, que participou de Para Roma com amor (2012), publicou há algumas semanas uma nota longa em sua conta do Facebook em relação aos casos de assédio sexual em Hollywood na qual também falava sobre sua relação com o diretor. “Fiz um filme de Woody Allen e é o maior arrependimento de minha carreira”, escreveu. “Ainda não tinha encontrado meu lugar, não era como sou agora e me senti pressionada, porque ‘sem dúvida é preciso dizer sim a um filme de Woody Allen’. Em última instância, porém, eu decido de que filmes participo e aí tomei a decisão equivocada. Cometi um erro terrível”.
Outro que lamenta publicamente ter trabalhado com o cineasta foi Griffin Newman. O ator, que participa do mesmo filme de Selena Gomez, explicou em sua conta do Twitter que ficou um mês debatendo se saía ou não do filme (estava sendo rodado ao mesmo tempo em que o escândalo de Weinstein aconteceu), que acredita que Allen “é culpado” dos abusos sobre sua filha adotiva e que, consequentemente, “aprendi que não posso colocar minha carreira acima de minha moral”. Por isso, o ator afirmou que doará tudo que ganhar com o filme à Rainn, uma associação que atende mulheres abusadas e estupradas.






Woody Allen, Ellen Page, Alec Baldwin e Jesse Eisemberg nas filmagens de ‘Para Roma com Amor’ em 2011.
Woody Allen, Ellen Page, Alec Baldwin e Jesse Eisemberg nas filmagens de ‘Para Roma com Amor’ em 2011. GETTY



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