domingo, 21 de janeiro de 2018

Mira Sorvino ou como Weinstein afundou a carreira de uma ganhadora do Oscar

Mira Sorvino


Mira Sorvino ou como Weinstein afundou a carreira de uma ganhadora do Oscar

A protagonista de Poderosa Afrodite passou a fazer filmes B depois de recusar as propostas do produtor


20 DEZ 2017 - 10:04 COT

Até recentemente, a chamada “lista negra de Hollywood” remetia a um período da história dos EUA, de meados dos anos 1940 até 1960, quando dezenas de roteiristas e profissionais do setor foram marginalizados – alguns continuaram trabalhando de maneira clandestina, sem receber crédito pelos filmes – por se negarem a declarar se tinham pertencido ou não ao Partido Comunista. Antes que 2017 acabe, será preciso acrescentar outra lista à história do cinema, a das atrizes cuja carreira afundou por não cederem à chantagem sexual de Harvey Weinstein.
A suspeita de que isso havia acontecido pairava desde que o caso foi divulgado. Mira Sorvino mencionou o assunto no artigo de Ronan Farrow no New Yorker em que contou sua história. “Talvez houvesse outros fatores, mas definitivamente senti que me isolavam e que o fato de eu ter rejeitado Harvey tinha algo a ver com isso”, disse referindo-se a sua própria carrera. O assédio aconteceu em 1995, no auge de sua popularidade, quando acabava de rodar Poderosa Afrodite com Weinstein e outro criador hoje questionado, Woody Allen, filme que lhe renderia o Oscar de melhor atriz. Desde então, apareceu muitas vezes em artigos e galerias dedicados aos one hit wonders, os atores que, como algumas bandas, desaparecem após um único sucesso. “Sorvino foi apontada como uma das próximas grandes estrelas e teve um breve período de sucesso de bilheteria, mas logo sumiu. Embora ainda trabalhe, dedica-se principalmente aos filmes para TV e aos que vão direto para o mercado do vídeo”, dizia o texto de 2014. Agora sabemos o por quê.


Just seeing this after I awoke, I burst out crying. There it is, confirmation that Harvey Weinstein derailed my career, something I suspected but was unsure. Thank you Peter Jackson for being honest. I’m just heartsick https://twitter.com/rt_falconer/status/941434147158896640 

Peter Jackson contou há alguns dias que a Miramax, empresa dos Weinstein, o convenceu a não incluir Mira Sorvino e Ahsley Judd na trilogia O Senhor dos Anéis. “Diziam que era um pesadelo trabalhar com elas e que era melhor evitá-las a todo custo”, disse o diretor neozelandês. “Devia ser 1998. Naquele momento, não tínhamos motivo para questionar o que nos diziam, mas agora percebo que era uma campanha de desprestígio a pleno vapor”. O realizador também se referiu aos Weinstein como “mafiosos de segunda categoria”.


Tarantino com Mira Sorvino na estreia de ‘Jackie Brown’
Tarantino com Mira Sorvino na estreia de ‘Jackie Brown’ GETTY


Sorvino, cujo último trabalho foi na série Spy Kids: Mission Critical, admitiu que chorou quando ouviu as palavras de Jackson. “Aí está a confirmação de que Harvey Weinstein prejudicou minha carreira, algo de que eu suspeitava, mas não tinha certeza”, escreveu no Twitter. E acrescentou: “Obrigada, Peter Jackson, por sua honestidade. Estou arrasada.”
Outro diretor, Terry Zwigoff, afirma que pretendia dar um papel a Mira Sorvino em Bad Santa – que dificilmente lhe teria dado outro Oscar – “mas cada vez que mencionava seu nome no telefone ouvia um ‘clique’. Que tipo de pessoa desliga assim? Agora sabemos que tipo de pessoa. Sinto muito, Mira”, disse, também pelo Twitter.



Weinstein, que não responde a todas as alegações que vão se acrescentando a seu caso, quis responder a esta. Por meio de seu porta-voz, divulgou uma nota negando tudo. “O sr. Weinstein não incluiu Mira Sorvino em nenhuma lista negra. Na realidade, trabalhou com ela nesse período, em Mimic, filme de Guillermo del Toro. Além disso, durante esse período, ela saía com Quentin Tarantino, que era a base e a espinha dorsal da Miramax. Naquela altura ninguém poderia ter marginalizado ou prejudicado a carreira de Mira Sorvino, que acabava de ganhar o Oscar e o Globo de Ouro e era disputada para papéis principais pelos sete grandes estúdios e por todas as grandes redes de televisão”, diz a nota. O produtor caído em desgraça também se refere a Ashley Judd, outra atriz cuja carreira se dissolveu misteriosamente durante a década passada, dizendo que Peter Jackson poderia ter incluído quem quisesse em O Hobbit depois do sucesso de O Senhor dos Anéis e que esses filmes, produzidos pela New Line, não tinham nada a ver com a Miramax.


Mira Sorvino e Woody Allen na gravação de ‘Poderosa Afrodite’ (1996) e no filme para televisão ‘Procurando a Sra. Claus’ (2012).
Mira Sorvino e Woody Allen na gravação de ‘Poderosa Afrodite’ (1996) e no filme para televisão ‘Procurando a Sra. Claus’ (2012).CORDON PRESS/LIFETIME


O fato é que a carreira de ambas as atrizes desabou no início da década passada, depois de fazerem sucesso e antes de entrar biologicamente na chamada “fase Debra Winger” – o título do documentário de Rosanna Arquette sobre a discriminação por idade em Hollywood, Procurando Debra Winger, é uma referência à atriz que foi tudo nos ano 1980 até cruzar a fronteira dos quarenta – e antes de alcançar o que Amy Schumer chamou de “seu último dia pegável”.
Depois de Mimic, Sorvino trabalhou com Spike Lee em Summer of Sammas(1999), mas seus créditos foram despencando. Fez um capítulo na série House e alguns em Falling Skies. Interpretou Mamãe Noel em Procurando Mamãe Noel e protagoniza produções para TV como Indiscretion. Judd teve melhor sorte, com um papel no recente remake de Twin Peaks e participações na série Divergent, mas em seu IMDb também aparecem títulos como A Grande Aventura de Winter, o Golfinho e A Grande Aventura de Winter, o Golfinho 2.


Chris Backus, Mira Sorvino e Harvey Weinstein em una festa da HBO em 2006.
Chris Backus, Mira Sorvino e Harvey Weinstein em una festa da HBO em 2006. GETTY


Na verdade, a história de Sorvino e Judd (e de outras vítimas de Weinstein, como a britânica Sophie Dix, que abandonou a carreira de atriz depois de ser assediada pelo produtor, que segundo o relato a atacou e se masturbou esfregando-se em sua perna) é parecida com a do recente Film Stars Don’t Die in Liverpool, em cartaz agora no Reino Unido. O filme conta o final de Gloria Grahame, atriz dos tempos áureos de Hollywood cuja carreira nunca se recuperou depois que ela se recusou a ir para a cama com o poderoso Howard Hugues, que a impediu de protagonizar Nascida Ontem (1950). Grahame, a loura desmiolada de A Felicidade Não Se Compra (1946), divorciou-se quatro vezes e, de acordo com seu último companheiro (interpretado no filme por Jamie Bell), seus advogados, bem relacionados no meio, encarregaram-se de divulgar rumores negativos sobre ela.

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