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domingo, 8 de janeiro de 2017

García Lorca e mais 300 autores espanhóis entram em domínio público


Federico García Lorca

García Lorca e mais 300 autores espanhóis entram em domínio público

Biblioteca Nacional espanhola lança um índice de autores que são símbolos de um país dividido


JESÚS RUIZ MANTILLA
TOMMASO KOCH
Madri 1 JAN 2017 - 17:56 COT

No ano de 1936, a Espanha se partiu em duas. E o golpe de Estado que abriu caminho para a Guerra Civil arrasou também um futuro de brilhantismo nas letras ao grito de “Morram os intelectuais!”. Oitenta anos depois, a maioria das feridas daquela época estão cicatrizadas. A Biblioteca Nacional espanhola quer terminar de curá-las e por isso elaborou um índice de autores desaparecidos dos dois lados, cujos direitos passam a domínio público agora. “Foi um ano dramático, no qual se perdeu muito mais do que o imaginável. Resta construir pontes, mais ainda agora que os direitos desses autores ficam à disposição de todos e se multiplicam as possibilidades de difusão de suas obras”, afirma a diretora da BNE, Ana Santos Aramburo.
Na Espanha, a lei determina 70 anos a partir da morte de um autor para que sua obra entre em domínio público. A partir de 1o de janeiro do ano seguinte, qualquer pessoa pode usar suas obras, com a condição de respeitar o direito moral e a autoria. No entanto, o sistema, semelhante na maioria dos países, vale apenas para as mortes posteriores a 7 de dezembro de 1987, quando foi reformada a Lei de Propriedade Intelectual. Os autores falecidos antes estão sujeitos à legislação de 1879: seus direitos caducam 80 anos e um dia após a morte, como esclarece o advogado especialista em Propriedade Intelectual Andy Ramos. Assim, a obra de autores como García Lorca e Valle-Inclán, falecidos em 1936, já se tornou disponível a todos. E em 1ode janeiro somou-se a ele Miguel de Unamuno, morto em 31 de dezembro de 1936.
Mas esse ano significou muito mais. José Carlos Mainer, catedrático da Universidade de Zaragoza e crítico do EL PAÍS, elaborou uma lista na qual, além dos consagrados, inclui vários autores dessa época a serem lembrados. “O ano de 1936 foi um annus horribilis, mas também mirabilis. Sabemos quem foram seus falecidos célebres. Mas também foi um ano de grandes livros de autores que continuaram vivos: Juan de Mairena, de Machado; Canción, de Juan Ramón Jiménez; o segundo Cántico, de Jorge Guillén; Razón de amor, de Pedro Salinas, La realidad y el deseo, de Luis Cernuda: obras de velhos e de outros que já não eram tão jovens. Isso nos dá a medida do que foi destruído sem chance de recuperação”, comenta. “Para mim, aquele ano continua sendo o erro que abriu uma brecha duradoura no desenvolvimento de nosso país como comunidade cultural e política.”
Não só do lado perdedor, mas também entre os que ganharam a guerra. “Falo de Muñoz Seca, a quem sempre deveremos La venganza de don Mendo... Não esquecemos de pessoas de extrema direita que também desapareceram como Ramiro de Maeztu e Manuel Bueno, que deixou Valle-Inclán desamparado e que escreveu em 1936 um romance sobre as culpas dos descontentes do início do século, Los nietos de Danton. Também menciono como escritores três clérigos assassinados: Julián Zarco, que era bibliotecário erudito de El Escorial; Zacarías García Villada, o criador da paleografia espanhola, e o Padre Poveda, criador da Institución Teresiana, que tem papel de destaque no feminismo católico. E, sem dúvida, José Antonio Primo de Rivera e Ramiro Ledesma Ramos, porque, apesar de serem políticos fascistas, escreveram romances”, afirma Mainer.


OS ÚLTIMOS DIREITOS AUTORAIS DE LORCA


García Lorca faleceu em 18 de agosto de 1936. Portanto, 80 anos depois, sua obra está em domínio público. Por isso Diego Moreno se apressou em publicar o granadino no ano passado, o quanto antes. E conseguiu que Los árboles se han ido (Nórdica) fosse um dos últimos livros de Lorca a pagar direitos. “É uma responsabilidade do editor, não tanto para a família mas para o autor. Pareceu-nos respeitoso e bonito. Para os criadores mortos por causas não naturais, e mais ainda por assassinato, o prazo deveria ser mais longo. García Lorca teria gerado obras e direitos por mais 50 anos”, afirma.
Vai exatamente nesse sentido a proposta que Manuel Fernández-Montesinos, responsável pela gestão dos direitos de Lorca até sua morte em 2013, propôs à Comissão Europeia: pedia que a entrada em domínio público ocorresse 150 anos depois do nascimento de um autor, já que a duração da vida e as causas da morte criam diferenças abismais. Mas a ideia não foi adiante.

Parece que uma nova vida espera por muitos deles. José Antonio Ponte Far, patrono da Fundación Valle-Inclán, considera que o vencimento dos direitos “vai favorecer a difusão da obra de Valle e o aumento de suas traduções ao galego”. “A passagem para o domínio público é notável. Para vários autores, representou uma publicação muito maior. Mas quantidade não significa qualidade”, adverte Diego Moreno, responsável pela editora Nórdica. É precisamente para aumentar o alcance das criações que a propriedade intelectual, diferentemente da de um carro ou casa, caduca. “Os prazos respondem a um equilíbrio entre o acesso à Cultura, que enriquece a sociedade, e a proteção do autor e de seus descendentes”, acrescenta Ramos.
No caso de García Lorca, a receita dos direitos era repartida igualmente entre seus seis herdeiros. “Não são cifras milionárias, mas alguma renda, afinal”, afirma Mercedes Casanovas, da agência Casanovas y Lynch, que gerencia os direitos do poeta granadino. E Moreno conta como se calcula habitualmente o número. Primeiro, multiplica-se a tiragem do livro por seu preço de venda. Entre 8% e 10% do total se destinam aos royalties: normalmente a metade como antecipação e a outra à medida que a obra vai sendo vendida.
“As criações de Lorca sempre foram publicadas em muitas editoras, sem contratos exclusivos. Mas ultimamente temos recebido perguntas sobre quando passava a domínio público”, acrescenta Casanovas. Essas dúvidas refletem a confusão envolvendo os direitos autorais. Por exemplo, Lorca já é de todos na Espanha, mas não nos Estados Unidos, onde o prazo depende da data da primeira publicação de cada obra no país. Ao mesmo tempo, muitíssimos autores estrangeiros são liberados em seu país uma década antes dos 80 anos espanhóis e com frequência as editoras nacionais não sabem se já podem publicá-los – como fizeram erroneamente com O grande Gatsby em 2011 – ou não, porque alguém detém os direitos na Espanha. É por isso que muitos entrevistados expressam o mesmo desejo: um portal que permita identificar quem administra os direitos de cada autor, até quando ou se já pertence ao domínio público. A lista da Biblioteca Nacional, pelo menos, é um primeiro passo.


sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Os agentes literários Carmen Balcells e Andrew Wylie criam uma “superagência”

Andrew Wylie
Os agentes literários Carmen Balcells 

e Andrew Wylie criam uma “superagência”

O acordo de intenções foi assinado entre os dois no último dia 27

O nome da nova superagência literária é Balcells&Wylie

WINSTON MANRIQUE SABOGAL Madri 29 MAI 2014 - 14:25 BRT


A agente Carmen Balcells em seu escritório. / CARMEN SECANELLA (EL PAIS)
Carmen Balcells e Andrew Wylie deram o primeiro passo para se tornarem a agência internacional mais poderosa e com os autores mais cobiçados do mundo: de V. S. Naipaul a Philip Roth ou Milan Kundera, até os autores do boom latino-americano, como Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa. Em 27 de maio os dois agentes firmaram uma carta de intenções a fim de criar uma agência internacional chamada Balcells & Wylie.
“Temos acompanhado e admirado um ao outro durante anos, e desejamos trabalhar de maneira próxima a partir de hoje. Nosso objetivo é dar mais força, alcance e duração à representação dos clientes, e estamos entusiasmados e totalmente comprometidos com as oportunidades que nos foram apresentadas”, declararam em um comunicado Balcells (83 anos) e Wylie (67 anos), conhecido como El chacal.
Com esse abalo sísmico no ecossistema do livro, frágil no momento atual, as reações do setor não tardaram. Enquanto alguns consideram uma ação necessária para sobreviver em plena mudança de paradigma, outros acreditam que é a confirmação do tratamento cada vez mais impessoal entre autor e agente.
“É um movimento muito inteligente por parte das duas agências”, garante Claudio López de Lamadrid, diretor literário da Penguin Random House. Os dois agentes, acrescenta, garantem sua receita e a consolidação em novos espaços: “De um lado, Wylie entra no mundo de língua hispânica, enquanto Balcells garante a continuidade da agência e seus autores ganham”.
Rumores sobre a criação dessa superagência literária já circulavam há meses. Dois agentes que apostaram em escritores, consolidaram outros, vasculharam o panorama internacional em busca de talentos e influenciaram o setor literário e editorial. Essa união, com o nome de Balcells à frente, responde à reorganização do mundo editorial, movimento de peças no tabuleiro, em momentos de transformação diante do surgimento de grandes grupos globais como Amazon, Google e Apple em várias partes da cadeia de valor do livro e da própria crise econômica mundial. As alianças e as fusões são a norma para encarar o novo mundo editorial e literário que enfrenta desafios novos tanto na área analógica como digital, enquanto as vendas de livros caem e os hábitos de leitura mudam.
Para Sigrid Kraus, editora da Salamandra, a criação de uma agência forte é positiva porque as duas sofreram a crise: “É sempre bom que haja agentes que trabalhem da forma mais profissional possível”.
Uma opinião que o escritor Alberto Manguel põe em dúvida. Ele teme o desaparecimento real do agente e de suas funções clássicas, e “tudo é mais impessoal, exceto se você for um prêmio Nobel, por exemplo”, acrescenta. Mesmo assim, adverte Manguel, “não seria estranho que o agente se tornasse em uma multinacional na qual prevalecesse a quantidade acima da qualidade”. Uma tendência que lhe parece triste e ao mesmo tempo inevitável. Álvaro Pombo teme os monopólios e que os autores menos importantes fiquem em desvantagem.
A Balcells & Wylie tomaria forma com um catálogo invejável que inclui autores clássicos do século XX como Vladimir Nabokov, Yasunari Kawabata, Jorge Luis Borges ou Italo Calvino; prêmios Nobel como García Márquez, Orhan Pamuk, Kenzaburo Oé, Czeslaw Milosz, Mario Vargas Llosa ou Mo Yan; autores fundamentais do momento como Philip Roth, Milan Kundera, Roberto Calasso, Antonio Muñoz Molina, Javier Cercas, Juan Marsé, Salman Rushdie, Roberto Bolaño, Isabel Allende, Amos Oz, Claudio Magris; e nomes de grande potencial como Colum McCann, Teju Cole, Helen Oyeyemi ou Chimamanda Adichie, Taiye Selasi, Paolo Giordano e uma longa lista de autores hispânicos.



quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Carmen Balcells / Morre a grande agente literária de García Márquez e Vargas Llosa


Gabriel García Márquez e Carmen Balcells
Carmen Balcells

Morre a grande agente literária 

de García Márquez e Vargas Llosa

Ela foi uma figura essencial do chamado ‘boom’ da literatura latino-americana

  • Os agentes literários Carmen Balcells e Andrew Wylie criam uma “superagência”

A grande agente literária Carmen Balcells morreu hoje em Barcelona aos 85 anos. Balcells, nascida em 1930 em Santa Fe de Segarra, gozava de enorme prestígio internacional havia décadas e deixa como legado sua empresa, a agência literária que leva seu nome, sediada em Barcelona.
Conhecida como La Mamá Grande por um relato de Gabriel García Márquez, Balcells foi para seus autores muito mais que uma agente literária. Não era só uma pessoa que negociava os contratos com as editoras, as traduções e os prêmios literários, mas também uma confidente e conselheira que sempre esteve disponível. Em alguns casos, chegou a oferecer dinheiro adiantado para que eles pudessem escrever tranquilos.

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Carmen Balcells fundou sua agência literária em 1956, em pleno franquismo, mas justo no momento em que uma nova geração de escritores em espanhol despontava nos dois lados do Atlântico. De Manuel Vázquez Montalbán a García Márquez – um dos numerosos prêmios Nobel que integram seu catálogo –, Balcells soube nutrir enormes talentos literários com enormes sucessos de vendas, uma combinação que a transformou numa das figuras mais poderosas do mundo da literatura em castelhano, inclusive depois de se aposentar.
A lista de autores cujos direitos gerenciou é simplesmente impressionante: Pablo Neruda, Vicente Aleixandre, Camilo José Cela, Rafael Alberti, Gonzalo Torrente Ballester, Miguel Delibes, Vázquez Montalbán, Ana María Matute, Jaime Gil de Biedma, Juan Goytisolo, Juan Marsé, Jaime Gil de Biedma, Eduardo Mendoza, Javier Cercas e Rosa Montero. Entre os latino-americanos, estavam Carlos Fuentes, Julio Cortázar, Alfredo Bryce Echenique e Isabel Allende. Por sua agência passaram várias gerações de escritores. Sem seu trabalho, é difícil entender a literatura em espanhol do século XX. Balcells também passa à história como grande promotora do boom da literatura latino-americana.
Em 2014, ela causou enorme surpresa ao anunciar uma fusão com outro grande agente literário mundial, Andrew Wylie. Até o The New York Times dedicou-lhe um grande artigo em que Balcells dizia: “Quero as coisas claras e bem passadas”. Aquele acordo, que um ano depois ainda não se concretizou, garantia o futuro da agência e reunia o maior catálogo literário que se possa conceber (além da lista acima, figuravam autores como Italo Calvino, Jorge Luis Borges, Guillermo Cabrero Infante, Vladímir Nabokov e Milan Kundera).
Como todos os bons agentes, Balcells e Wylie se mostraram muito reservados para explicar detalhes do seu pacto, mas ele basicamente consistia na criação de uma superagência, com autores de primeira linha em todas as línguas possíveis, capaz de fazer frente a um mercado editorial cheio de gigantes como a editora Random House Mondadori e o distribuidor Amazon.
A revolução das novas tecnologias não afetou a fé de Balcells no futuro da literatura e do livro. “O livro nunca morrerá”, afirmou numa entrevista a este jornal em 2009. E foi mais longe: “A televisão não acabou com o rádio nem com o cinema, e a internet não acabará com nada. O mundo do desenvolvimento tecnológico é fascinante, chegará às aldeias, fará mais leitores, e todo mundo sairá beneficiado.”

EL PAÍS




PESSOA


terça-feira, 6 de outubro de 2015

Vargas Llosa / Carmen Balcells / Vigília de armas por uma lutadora

Carmen Balcells
Poster de Triunfo Arciniegas

Carmen Balcells

Vigília de armas por uma lutadora

Carmen Balcells tirou das cavernas a atividade editorial espanhola, incitando-a a ser ambiciosa e se projetar por todo o vasto território da língua


FERNANDO VICENTE
Quando a conheci, nos anos 60, em um voo de Londres a Barcelona,Carmen Balcells usava um estranho coque na cabeça e uma blusa que parecia de abadessa. Muitas vezes depois disso eu caçoaria dela recordando esse traje. Nunca suspeitei naquela viagem que ela seria no futuro, além de minha agente literária, minha amiga mais íntima e querida.
Com a franqueza que sempre a caracterizou, me disse naquela ocasião que tinha cometido um erro ao aceitar a oferta de Carlos Barral para ser a agente literária da editora Seix Barral, porque a razão de ser desse ofício era defender os autores frente aos editores, e não ao contrário. Na segunda vez que nos vimos, não muito depois, ela já havia convencido Carlos a deixá-la sair e começava a operar de maneira independente como agente literária. Conseguiu, ato contínuo, que a Seix Barral anulasse o leonino contrato que eu havia assinado (sem lê-lo, claro) por meu primeiro romance, A Cidade e os Cachorros, cedendo aqueles direitos por toda a eternidade e concedendo à editora uma comissão de 50% sobre todas as traduções. Já havia começado esse longo combate que ela ganharia integralmente ao cabo dos anos e que mudaria para sempre a relação entre escritores e editores em todo o âmbito da nossa língua. E inclusive além: lembro-me muito bem do dia em que ela me ligou para contar que, pela primeira vez na sua história, a editora Gallimard, da França, havia aceitado assinar o contrato de um livro por apenas dez anos.

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Os editores, a princípio, odiavam-na e queriam acabar com essa intrusa que os enfrentava de igual para igual e os obrigava a competir para conseguir um original. Alguns ofereciam pagar antecipações melhores aos autores, com a condição de que prescindissem dessa intermediária temível. Chegaram a abrir um processo judicial contra ela, o qual, felizmente, perderam. Ela, nas negociações, “derramava vivas lágrimas” (como a princesa Carmesina de Tirant lo Blanc), mas não dava o braço a torcer e frequentemente, como dizem na Espanha, los ponía a parir [os exasperava]. Pouco a pouco, os editores foram compreendendo que o que Carmen fazia era algo mais importante do que defender os direitos de seus pobres escrevinhadores, ou seja, tirar das cavernas a atividade editorial espanhola, modernizá-la, incitando-a a ser ambiciosa e se projetar por todo o vasto território da língua. Muitas vezes, nessa fonte permanente de ideias que era Carmen, eles encontraram iniciativas fecundas para lançar novas coleções, fazer lançamentos de livros, melhorar seus formatos e conquistar novos públicos para a leitura. Sem “a moça de Santa Fe”, como às vezes se autodefinia, o chamado boom literário latino-americano simplesmente não teria existido, e seus autores teriam passado despercebidos do grande público.

Ser representado por Balcells constituía um privilégio, mas também aceitar seu matriarcado
Ser representado por Carmen Balcells – algo que chegou a ser o sonho de todos os jovens que começavam a escrever, na Espanha e na América Latina – constituía um verdadeiro privilégio, mas significava, também, aceitar seu matriarcado e, em todas as decisões importantes, obedecê-la sem reclamar. Mil vezes discuti com ela, e sempre perdi a discussão. Gritava, chorava, insultava, voavam livros e outros objetos pelo ar, e sempre terminava ganhando ela, porque, além disso, quase sempre tinha razão. Duvido que alguém, em seu tempo, tenha conhecido melhor, em seus detalhes mais secretos, a indústria editorial e utilizado melhor, sempre em benefício de autores e leitores, o mercado do livro.
Nunca conheci uma pessoa tão generosa como Carmen. Com seu tempo, com seu afeto, com sua inteligência e, claro, com seu dinheiro. Alguns dos escrevinhadores aos quais – literalmente – manteve, porque acreditava em seu talento embora seus livros tivessem só um punhado de leitores, a traíram, e essas decepções ela engolia com enorme elegância, mas a faziam sofrer muito. Metia-se na vida privada dos seus autores sem o menor escrúpulo, e sempre para o bem. Consolava viúvos e viúvas e, se necessário fosse, lhes buscava cônjuges substitutos; compunha matrimônios e casais, ou, se necessário fosse, os liquidava. Uma vez passou uma noite toda – sim, toda uma noite – tentando por telefone dissuadir um editor nova-iorquino que ligou para ela de Manhattan dizendo que iria se suicidar (fracassou no seu empenho, porque nesse mesmo amanhecer, após desligar o telefone, ele se enforcou num poste de luz).
A tragédia da sua vida foi a gordura. Fez dietas, frequentou clínicas – ela me levou pela primeira vez à Clínica Buchinger –, visitou médicos de meio mundo, e várias vezes chegou a baixar de peso. Mas nunca durava, porque, cedo ou tarde, o apetite, essa tênia insaciável, a vencia, e voltava a engordar. Uma noite, fez minha coluna vertebral gelar pela resposta inesperada que me deu quando lhe contei que, não sei com que motivo, levaram-me ao Palácio de la Zarzuela e me apresentaram ao rei Juan Carlos. Sua Majestade a primeira coisa que me perguntou foi: “Como é essa famosa Carmen Balcells, que, segundo dizem, percorre o mundo vendendo os autores espanhóis?”. “Veja só, Carmen, você ficou muito famosa.” Recordo seu estranho olhar, a careta no seu rosto, e a incrível frase, resmungada em voz muito baixa: “Quer que eu te confesse uma coisa? Teria dado tudo o que fiz e consegui para ser bonita, mesmo que fosse por um só dia”. “Está falando a sério ou tirando sarro da minha cara?” Então aparentou que ria: “Sim, sim, te juro, meu sonho sempre foi ser uma mulher-objeto”.

Morreu conforme sua lei, resistindo, combatendo, sozinha naquele dormitório repleto de originais
Já há um bom número de anos, todo tipo de mal se abatia sobre o seu corpo. Ela os combatia, com a pugnacidade e perseverança com que continuava negociando os contratos. Conservava a mente lúcida e a mesma capacidade de trabalho de sempre; já não podia caminhar e tinha que se meter em clínicas e passar horas e dias com médicos. Mas todas as outras horas continuava mantendo ativa e pujante, com horários enlouquecidos que duravam às vezes até a alvorada, esse escritório na Diagonal de Barcelona, ao qual tantos escrevinhadores e editores e leitores devemos tanto.
O último dia que a vi, na antevéspera da sua morte, estava eufórica, cheia de projetos e de piadas. Mas – visitava-a após dois meses e meio, talvez três – nunca a tinha visto tão acabada fisicamente, com tanta dificuldade para se acomodar na pequena cadeira de rodas, com aqueles súbitos ataques de tosse, aquela pele lívida, aquelas olheiras violáceas e o constante franzimento da boca. Tive então a certeza de que era a última vez que a via. Morreu conforme a sua lei, resistindo, combatendo, sozinha naquele dormitório repleto de originais que se propôs a ler até o final. Ninguém preencherá nunca o vazio que deixa no ofício que inventou e que levou a alturas desconhecidas até então. E ninguém poderá nos consolar nunca da tristeza em que deixa aqueles que a conhecemos e a amamos.

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